quinta-feira, 10 de junho de 2021

Duas vidas dedicadas à Cultura


Jorge Silva Melo e Luis Miguel Cintra receberam Doutoramento Honoris Causa
por Tiago Artilheiro
“A Universidade de Lisboa, sob proposta da Faculdade de Letras, distinguiu a 18 de Maio de 2021, Jorge Silva Melo e Luis Miguel Cintra com o grau de Doutor Honoris Causa, na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa.
Para além dos homenageados e respectivos padrinhos estiveram presentes em palco o Reitor da Universidade de Lisboa, Professor António Cruz Serra, e o Director da Faculdade de Letras, Professor Miguel Tamen.
Na cerimónia, José Pedro Serra, Professor da FLUL e padrinho do laureado Jorge Silva Melo, começou por referir que “a atribuição deste titulo não é apenas o fruto de um juízo de valor, muito menos uma distante e esvaziada concessão académica. Há nesta uma cumplicidade e um convite que constituem traços característicos e não menos decisivos”. Com esta homenagem, a “Universidade de Lisboa reconhece que a obra de Jorge Silva Melo, na autonomia e liberdade que a caracterizam, integra o grande caudal das humanidades de que a FLUL quer ser viva e criativa guardiã”, disse.
O percurso do alumnus Jorge Silva Melo na Faculdade foi lembrado, assim como o seu trajecto profissional: “a extensão e qualidade do curriculum” e o “profundo, longo e fértil trilho de vida”, como sublinhou José Pedro Serra. No final do discurso, o padrinho do laureado agradeceu ao homenageado “que tenha derrubado os ilusórios muros da Faculdade, e que tenha levado os textos que lemos, estudamos e amamos a todos os sítios onde pôde erguer um palco, onde pôde erguer um gesto, onde pôde levantar a voz”.
Jorge Silva Melo, actor, encenador, realizador e tradutor, é licenciado em Filologia Românica pela FLUL e estudou na London Film School. Com Luis Miguel Cintra fundou e dirigiu o Teatro da Cornucópia (1973/ 1979). No discurso de agradecimento do grau agora entregue, o alumnus notou que, até à criação do Centro de Estudos de Teatro da FLUL, “o teatro não era objecto de estudo: nós os do teatro não entrávamos nos mosteiros, não entrámos nas universidades. Entrámos muitas vezes nos palácios”. Referindo que “o teatro chegou tarde a uma Universidade que só há pouco, já bem depois do meu tempo, começou a abandonar a sua herança livresca”, revelou que “estudar o teatro, criar o Centro de Estudos de Teatro, foi um acto inesperado, e por isso me honra a vossa convocação em mérito recente”.
O antigo aluno Jorge Silva Melo, que em 1995 fundou a sociedade Artistas Unidos, de que é director artístico, alertou ainda no seu discurso para o perigo da perda de memória: “muita coisa fugiu-nos já, não pode ser estudada. Muita coisa ficou apenas na memória dos camarins”.
Luis Miguel Cintra na Faculdade de Letras: um espaço a que chama “nossa casa”
Como madrinha do laureado Luis Miguel Cintra, Maria João Brilhante começou por destacar a admiração e o conhecimento profundo que os dois alumni tinham “oferecido às artes e ao teatro em particular”, contando que foi na FLUL que a aventura do Teatro da Cornucópia começou. Salientando que “na verdade, mais do que uma lista de títulos, nomes” presentes no currículo de Luis Miguel Cintra, Maria João Brilhante apontou que o que “guardamos é o sentido de exigência e rigor artístico que, estando presente no processo de criação, se manifesta naquilo que acontece perante nós espectadores na sala”.
Formado em Filologia Românica pela FLUL, onde iniciou a carreira de actor e encenador de teatro em 1968 no Grupo de Teatro de Letras, Luis Miguel Cintra frequentou a Bristol Old Vic Theater School, em Inglaterra. Com a sua companhia de teatro participou nos Festivais de Teatro da Bienal de Veneza (1984), de Avignon (1988), de Outono de Paris (1989) e Europália de Bruxelas (1991), e na sessão da École des Maîtres em Udine que lhe foi dedicada. No final da década de 1990, Luis Miguel Cintra actuou no Théâtre de la Commune-Pandora, Aubervilliers/ Paris e, em 2005, encenou um espectáculo no Teatro de la Abadia, Madrid.
Nos seus muitos espectáculos “foi possível encontrar a inteligência do cruzamento entre as dimensões artística, intelectual e emocional”, acentuou Maria João Brilhante. “A prática artística de Luís Miguel Cintra imprime de uma forma ou de outra naqueles que a acompanham ou nela participam uma marca que permanece, como é próprio dos artistas que inovam e agem sob o seu tempo. Tem colocado por isso um enorme desafio intelectual e artístico à arte do encenador e dos actores”, sublinhou. Na despedida, definiu Luis Miguel Cintra: “quer-nos mais livres, convida-nos a pôr em causa a nossa maneira de pensar, os nossos hábitos linguísticos, tudo o que na vida recebemos sem criar”.
Em agradecimento, Luis Miguel Cintra contou que “nem sempre aceitei de boa vontade as honras com que quiseram distinguir o meu trabalho, sobretudo quando orgulhosamente considerava que merecia mais do que aquilo que me queriam oferecer”.
A Faculdade de Letras é para o alumnus um espaço de boas memórias: “foi aqui, neste edifício aqui ao lado [FLUL], que se passou quase tudo o que teve mais importância para formar a pessoa que depois vim a ser, e o que essa pessoa viria a fazer, por mais que o que fizesse e fez, felizmente, não estivesse previsto no programa dos cursos”. Frisando que nunca foi “um adepto fanático da excelência universitária”, disse que, “no entanto, o que neste momento sinto são saudades, saudades do que vivi na Faculdade”. “Muito mais forte que a percentagem de forças negativas foi a força de um grupo de alunos excepcionais e de um conjunto de professores únicos que tive a sorte de conhecer, e fizeram esta nossa casa”, terminou.
Com uma assistência reduzida, na Aula Magna estiveram presentes alguns convidados dos homenageados e elementos da comunidade académica da Universidade de Lisboa. O Coro de Câmara da Universidade participou com dois momentos musicais.”
Texto: Tiago Artilheiro (FLUL - Divisão de Relações Externas e Internacionais da FLUL)
Fotografia: Luísa Santos e Ricardo Ascensão (FLUL - Divisão de Relações Externas e Internacionais)

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