sexta-feira, 11 de junho de 2021

Do amor, sendo sempre tudo ...

Nevoeiro

O amor não é
nem paz nem batalha
nem fogo amealhado
na escura fornalha.

O amor é nevoeiro
a branquidão que esconde
a pedra suspensa
no despenhadeiro.

E sendo sempre tudo
como o sonho dos mudos
o amor não é nada

diante da morte
do vento que sopra
de madrugada.
Lêdo Ivo, in "Curral de Peixe", Topbooks, 1995.
Tus Ojos 

Tus ojos son la patria del relámpago y de la lágrima,
silencio que habla,
tempestades sin viento, mar sin olas,
pájaros presos, doradas fieras adormecidas,
topacios impíos como la verdad,
otoño en un claro del bosque en donde la luz
canta en el hombro de un árbol y son pájaros todas las hojas,
playa que la mañana encuentra constelada de ojos,
cesta de frutos de fuego,
mentira que alimenta,
espejos de este mundo, puertas del más allá,
pulsación tranquila del mar a mediodía,
absoluto que parpadea,
páramo.
OCTAVIO PAZ 
,(1935-1957), in Lo mejor de Octavio Paz ,Planeta Mexicana, 1999
breve os nossos olhos amam-se

breve
os nossos olhos amam-se
como lume

e constroem muros
contra a melancolia
Lourenço de Carvalho, in minha ave africana, Tempográfica, Lourenço Marques
AMOR DA PALAVRA, AMOR DO CORPO

A nudez da palavra que te despe.
Que treme, esquiva.
Com os olhos dela te quero ver,
que não te vejo.
Boca na boca através de que boca
posso eu abrir-te e ver-te?
É meu receio que escreve e não o gosto
do sol de ver-te?
Todo o espaço dou ao espelho vivo
e do vazio te escuto.
Silêncio de vertigem, pausa, côncavo
de onde nasces, morres, brilhas, branca?
És palavra ou és corpo unido em nada?
É de mim que nasces ou do mundo solta?
Amorosa confusão, te perco e te acho,
à beira de nasceres tua boca toco
e o beijo é já perder-te.
António Ramos Rosa, in "Nos Seus Olhos de Silêncio", Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1970; "Antologia Poética", prefácio, bibliografia e selecção de Ana Paula Coutinho Mendes, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2001.

Tu

Com a noite dos teus olhos
escusava lua e estrelas.

Com a fonte da tua boca
não mais teria sede.

Com a raiz do teu ombro
para quê tecto ou abrigo?

Só a luz me faria falta
para poder olhar-te.
Luísa Dacosta, in A maresia e o sargaço dos dias, Edições ASA

Sem comentários:

Enviar um comentário