quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Celebrar 250 anos de Beethoven

A Nona Sinfonia Choral-Mvt. 4., de Ludwig van Beethoven, por  Anna Samuil (soprano), Waltraud Meier (mezzo-soprano), René Pape (bass),o National Youth Choir of Great Britain e a West-Eastern Divan Orchestra, sob a direcção do Maestro Daniel Barenboim, no Royal Albert Hall, em Julho de 2018, em Londres (Proms 2018).
A Nona Sinfonia, a primeira da história a utilizar coro, foi concluída em 1824, quando Beethoven já não ouvia nada, a não ser as reverberações do piano. A surdez começou a dar sinais quando ele tinha menos de 30 anos. Devido à importância universal do Hino à Alegria da 9.ª Sinfonia de Beethoven, a UE escolheu este tema como seu hino.
Nasceu há 250 anos um dos maiores génios da música clássica Ludwig van Beethoven (Bonn,17 de Dezembro de 1770 — Viena, 26 de Março de 1827). "Alguns musicólogos dizem que, se existisse um trono para a música, ele deveria ser repartido entre Bach, Mozart e Beethoven. Outros só concordam com essa repartição se a coroa for apenas para Beethoven. Bach já havia morrido quando ele nasceu na cidade de Bonn em 17 de Dezembro de 1770. 
Beethoven teve aulas com professores de renome, incluindo Joseph Haydn, figura importante também na vida de Mozart. Mas, quando se estabeleceu em Viena, já com a Revolução Francesa em andamento, o génio rompeu com a estética de todos para trilhar o próprio caminho.
Quase um  visionário , um revolucionário, Beethoven não se conformou com o que estava feito. Foi para além do cânone. Com a sua  imaginação,  talento e criatividade  introduziu novos padrões que marcaram para sempre a História da Música. Morreu surdo  aos 56 anos de idade . É actualmente um dos compositores clássicos mais procurados no mundo.

Ludwig Van Beethoven por Joseph Karl Stieler ,
 em 1820, segurando a partitura de“Missa Solemnis in D#” 

                                                                          A vibração no ar da respiração de Deus fala à alma dos homens. 
Música é a linguagem de Deus. Nós, músicos , estamos o mais 
perto que os homens podem estar de Deus. Escutamos a sua voz. 
Lemos os seus lábios . Damos a luz aos filhos de Deus. Contamos 
as suas preces. Isso é o que os músicos são. 
                                                                Beethoven
Missa Solene, Op.  123, de Beethoven

Não é solene esta música, 
ao contrário do nome e da intenção.
Clamores portentosos, violência obsessiva
( por sob apelos doces, lacrimosos)
de um ritmo orquestral continuado,
tanta paixão gritada, tanto contraponto
que teimosamente impede que na tessitura 
das vozes e dos timbres se interponha hiato
não de silêncio mas de um fio só
de melodia, por onde a morte 
penetre interrompendo a vida.

É medo, um medo-orgulho, feito
de solidão e de desconfiança. Não
piedosa tentativa para captar um Deus,
ou ardente anseio de união com Ele.
Não é também, com tanta majestade,
a exigência de que Ele exista,
porque o mereça quem assim O inventa.

É um medo comovente de que O não haja
para remissão dos pecados, bálsamo
das feridas, consolo
das amarguras, dádiva
do que se não teve nunca
ou se perdeu para sempre. É
desejo ansioso de que um Agnus Dei
se interponha (ao contrário da morte) mediador e humano 
entre um nada feito música
e outro possivelmente Deus.
E a esperança desesperada de que seja
uma grandeza nossa quanto fique,
de pé, no intervalo entre ambos.
                       2 de Novembro 64
Jorge de Sena, in " Versos e alguma prosa de Jorge de Sena, Prefácio e Selecção de textos de Eugénio Lisboa", Co-edição de Arcádia e Moraes, 1979  p. 82

Não sei dizer quantas e quantas vezes tenho ouvido Beethoven. A Missa Solemnis, Op. 123 é a obra que mais me encanta, que mais procuro. A peça é contemporânea da Sonata Hammerklavier, a 9ª Sinfonia e das últimas três sonatas para piano. 
"Das principais Missas, consideradas clássicas (Bach e Bruckner), a de Beethoven possui uma forma sinfónica,em 5 movimentos: Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus e Agnus Dei. A obra possui um estilo dramático, é só observar as palavras do próprio Beethoven: “do coração! Que possa retornar aos corações”.
Ludwig van Beethoven compôs duas missas e um singular oratório intitulado Cristo no Monte das Oliveiras, além de duas cantatas compostas na juventude; essa foi toda a sua produção religiosa. A segunda missa, a impressionante Missa Solemnis, op. 123, por sua alta qualidade musical já seria suficiente para garantir a Beethoven um lugar na história da música. Composta para homenagear o arquiduque Rudolfo da Áustria, a Missa Solemnis é tão extraordinária que a sua audição fora de uma sala de concertos é praticamente impossível. Os elementos que necessita para a sua execução extrapolam as dimensões de uma igreja de tamanho normal: quatro solistas (soprano, contralto, tenor e baixo), um grande coro, uma orquestra de cordas, duas flautas, dois oboés, dois clarinetes, dois fagotes, corno de bassetto, quatro trompas, dois trompetes, três trombones, timbales e um órgão. A estrutura segue as secções tradicionais de Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus/Benedictus e Agnus Dei, apesar de ser longa demais para a utilização litúrgica convencional. Além disso, os textos em certas partes  afastam-se do dogma católico. Tremendamente complexa, a Missa Solemnis não se parece a nada: é única.
Missa Solemnis, en Re mayor, Op. 123. Ludwig van Beethoven (Latin/ Engl./ Span. subtitles)
Título de la obra: Missa para solistas, coro e orquesta, em Re mayor ("Missa Solemnis"), Opus 123. Compositor: Ludwig van Beethoven (1770-1827). 
 Tonalidade: Re maior.
 1ª interpretação: San Petersburgo, 7 de abril de 1824. 
Dedicatória: Archiduque Rudolph de Austria (1788-1831). 1ª edição: B. Schott Söhne (Maguncia), 1827. 
O registo que se segue  foi  realizado no Royal Albert Hall de Londres (BBC Proms 2014). A interpretação é de:  Lucy Crowe, soprano Jennifer Johnston, mezzo-soprano Michael Spyres, tenor Mathew Rose, baixo,  acompanhados  pelo   Monteverdi Choir e   Orchestre Révolutionnaire et Romantique , sob a direcção do Maestro John Eliot Gardiner. 


"Assim o Kyrie, é um hino piedoso e solene, deve ser cantado com devoção. A parte central em forma de moteto (si menor e fa# menor) , é cantada pelos solistas e termina em pianíssimo. A volta do Kyrie, reintroduz a tonalidade principal e intensifica a harmonia numa bela alternância do coro e dos solistas em comovida prece que se extingue lentamente. O texto sagrado conduz aos movimentos seguintes, o Gloria e o Credo. Enquanto que na Missa em si menor de Bach, e o Gloria é cheio de alegria sobre humana, o canto de louvor de Beethoven encontra-se animado de incessante agitação. O Et in terra pax, traz o primeiro repouso porém o arrebatamento retorna com o Laudamus Te. A expressão, bem como a tonalidade é a seguir variável, até que a tonalidade principal seja reencontrada com o Pater omnipotens. A segunda parte do Gloria contem um expressivo Larghetto, o Qui tollis peccata mundi, que Beethoven concebeu como lamento é uma prece de tão comovente humanidade,  que ele próprio acrescentou um “o” para os solistas, e um “ah” para o coro, antes dos apelos finais do Miserere. A parte conclusiva deste movimento principia na tonalidade principal com um Quoniam tu solus Sanctus, espantosamente curto e agitado, culminando na grandiosa fuga coral do In gloria Dei Patris, onde Beethoven desenvolve uma arte contrapontística excepcional. Na conclusão, o início do Gloria que retorna acelerado até ao Presto dá desta maneira uma unidade sinfónica ao movimento.
O Credo, em si b maior, de acordo com o carácter do texto, é ainda mais variado e expressivo. Desde o início, sentimos o esforço tremendo que Beethoven realiza para nos transmitir a sua fé. O Et incarnatus est e as outras secções que se seguem, falando da vida, crucificação, ressurreição e ascensão de Cristo; em Cuius regni non erit finis, a palavra non é expressamente repetida para maior ênfase, do mesmo modo que mais tarde a palavra credo. O final constitui, em duas fugas sobre o mesmo tema, a visão da vida eterna, Et vitam venturi saeculi, e nas exclamações finais do Amen, reaparece o tema original do Credo.
No Sanctus, o canto de louvores reflecte uma prece humana, um Adágio e a meditação. Após o curto Pleni sunt coeli, fugado, e o Osanna, a meditação se expande em figuração. A melodia o solo de violino, desce flutuando das mais elevadas paragens, reconstitui o milagre da descida de Jesus e da transubstanciação. O Benedictus, é no amplo sentido, a música de transição, cujo carácter se infiltra no desenvolvimento posterior, indo além da repetição do Osanna.
O Agnus Dei, constitui o Finale desta grande sinfonia coral. Miserere nobis! É aqui, com o solo inicial do baixo, em si menor, e após com o expressivo refrão do coro, que a lamentação alcança maior profundidade. Depois a severidade diminui e a prece de paz que é o Dona nobis pacem, introduz e faz retornar suavemente a tonalidade original de re maior. Sem embargo, ainda não reina paz no mundo exterior. Oração pela paz interior e exterior, foi o substituto anotado pelo autor para esta parte. O primeiro interlúdio orquestral sugere uma perturbação na paz exterior. O equilíbrio íntimo parece se estabelecer. Dona nobis pacem soa como se fora uma fuga solene. O tema é uma reminiscência do Messias de Haendel, cujo texto Der Herr regiert von nun na auf ewig (Agora o Senhor reinará para sempre). Todavia não são as tempestades exteriores as que verdadeiramente nos perturbam; são os da alma. O Scherzo orquestral que se segue é extraordinário pelo rude, veemente contraponto. O Dona nobis pacem, que se sucede, é cantado pelo coro, na tonalidade de sib maior, e constitui autêntico apelo pela paz. Então a tonalidade principal de re maior e o compasso de 6/8, são alcançados após um lento desdobramento. Nessa atmosfera de esperança ante a paz ainda incerta do Dona nobis pacem do coro final, ouvimos os tímpanos em si bemol ribombarem ainda duas vezes – eco da paz perturbada. Beethoven conclui a missa sem acrescentar o grande final redentor.” In Repertório Beethoven

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