domingo, 28 de julho de 2019

Ao Domingo Há Música

Nem sempre celebramos  o nosso património cultural. Portugal tem nomes maiores  a evocar. A música portuguesa  apresenta um acervo magnífico e variado.
Celebrar o património musical é sempre um acto de memória e de grande fruição. Destacamos, hoje, três grandes nomes que são expoentes de qualidade . Todos eles ocupam um lugar de destaque na história da Música Portuguesa. 
De forma aleatória, começamos por Luiz Goes, nome maior do Fado de Coimbra. Cantor e compositor está na galeria da intemporalidade.  
Nascido em 1933, em Coimbra, Luís Fernando de Sousa Pires de Goes licenciou-se em Medicina, tendo exercido a profissão de médico estomatologista em paralelo com a carreira artística.
Iniciou-se no fado por influência do tio paterno, Armando Goes, contemporâneo de Edmundo Bettencourt, António Menano, Lucas Junot, Paradela de Oliveira, Almeida d'Eça e Artur Paredes. Morreu  a 18 de Setembro de 2012. Era considerado a melhor voz e o melhor intérprete dos últimos 50 ou 60 anos do Fado de Coimbra.
O Fado de Coimbra na voz maior  de Luiz Goes,  em Homem só, meu irmão ,do  álbum "Canções do Mar e da Vida" (1969).
Homem só, meu irmão

Tu, a quem a vida pouco deu,
que deste o nada que foi teu
em gestos desmedidos...
Tu, a quem ninguém estendeu a mão
e mendigas o pão dos teus sentidos,
homem só, meu irmão!

Tu, que andas em busca da verdade
e só encontras falsidade
em cada sentimento,
inventa, inventa, amigo, uma canção
que dure para além deste momento,
homem só, meu irmão!

Tu, que nesta vida te perdeste
e nunca a mitos te vendeste
– dura solidão –,
faz dessa solidão teu chão sagrado,
agarra bem teu leme ou teu arado,
homem só, meu irmão! 
Letra e música de Luiz Goes.

                          
                         Sou filho da África colonial, de Coimbra e da Beira Baixa
                                                                 José Afonso, 1983

José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos (ZECA AFONSO) nasceu em Aveiro, a 2 de Agosto de 1929,  «na parte da cidade voltada para o realismo e para o mar e durante os seus  57 anos de vida foi perseguido pela nostalgia dessa luz difusa que o envolveu a si e à mãe no momento do parto.» Filho de um magistrado e de uma professora primária, a sua infância  reparte-se entre Aveiro, Angola, Moçambique, Belmonte e Coimbra, devido às sucessivas deslocações profissionais do pai.
 A sua vida de cantor começa enquanto estudante liceal , nos grupos das Serenatas de Coimbra. Em 1952, nos estúdios da Emissora Regional de Coimbra ( Emissora Nacional, hoje RDP), grava  pela primeira vez , então já aluno da Faculdade de Letras de Coimbra, para a etiqueta Molina, juntamente com Luis Goes e Fernando Rolim.»
Em 1960 ,  é editado o single Menino do Bairro  Negro que inclui Os vampiros, canção proibida pela censura e pela PIDE.  
A sua obra foi crescendo  e dele Portugal tem um diverso ,  vasto e precioso património. Produziu obras que se transformaram em Hinos de Esperança,  da utopia que sempre sonhou. Assim é Grândola , Vila Morena, canção do Álbum Cantigas de Maio, gravada em 1971, em Paris. "Este álbum marca um salto musical enorme na obra afonsina, cada vez mais distante das serenatas coimbrãs e só tem paralelo mais tarde, em 1983, com o álbum Como se fora seu filho, a última gravação totalmente cantada por José Afonso.
Em 1985 publica o derradeiro disco, «Galinhas do Mato», onde já só dá voz a dois dos temas. Os restantes têm interpretações de Janita Salomé, Helena Vieira, Luís Represas, Né Ladeiras e José Mário Branco. Morre, no hospital de Setúbal, na madrugada de 23 de Fevereiro de 1987."
José Afonso  em  Fui à beira do Mar , do álbum "Eu Vou Ser Como a Toupeira", 1972. Gravado nos Estúdios Celada, Madrid, de 6 a 13 de Novembro de 1972.
Captação de som – Paco Molina, António Olariaga, Pepe Fernandez, Juan Carlos Ramirez e Juan António Molina
Mistura – Paco Molina

Fui à beira do Mar

Fui à beira do mar
Ver o que lá havia;
Ouvi uma voz cantar
Que ao longe me dizia:

"Ó cantador alegre,
Que é da tua alegria?
Tens tanto para andar
E a noite está tão fria!"

Desde então a lavrar
No meu peito a Alegria;
Ouço alguém a bradar:
"Aproveita que é dia!"

Sentei-me a descansar
Enquanto amanhecia;
Entre o céu e o mar
Uma proa rompia.

Desde então a bater
No meu peito, em segredo,
Sinto uma voz dizer:
"Teima, teima sem medo!"

Desde então a lavrar
No meu peito a Alegria;
Ouço alguém a bradar:
"Aproveita que é dia!"
Letra e música: José Afonso
Amália da Piedade Rebordão Rodrigues nasceu em Lisboa, no dia 23 de Julho de 1920, e morreu em 6 de Outubro de 1999, estando sepultada no Panteão Nacional desde 8 de Julho de 2001.
Nos Arquivos da RTP lê-se o seguinte:  “Amália chora a cantar. Assim definiu José Galhardo no “Fado Amália”, com poema de sua autoria e música de Frederico Valério, aquela que tanta vez foi aclamada como a Voz de Portugal. Tudo ou quase tudo já foi provavelmente dito e escrito sobre a música de Amália Rodrigues, e o seu imenso repertório não é apenas um marco no património cultural português, é também e sobretudo uma parte integrante do nosso imaginário colectivo. Com uma carreira de mais de 50 anos celebrada em Portugal e em todo o mundo, iniciada em 1940 no palco do Teatro Maria Vitória, naturalmente Amália por muitas e diversas vezes marcaria presença na RTP, desde que em 1958 se estreou cantando, tímida, o fado corrido “Lá Porque tens Cinco Pedras”. Foi o momento inicial dum percurso comum que ontem como hoje, mesmo depois do seu desaparecimento em Outubro de 1999, continua e continuará a dar a conhecer melhor Amália, a mulher e a artista. "
Em 1957, foi lançado o LP "Amália no Olympia", o primeiro álbum de Amália Rodrigues editado em Portugal (o seu primeiro LP fora uma compilação editada em França, dois anos antes, pela Pathé-Marconi). Composto por gravações realizadas na famosa sala de concertos parisiense, "Amália no Olympia" contém 14 temas, entre os quais se contam alguns dos maiores clássicos da artista: "Uma Casa Portuguesa" (Reinaldo Ferreira / V. Matos Sequeira e Artur Fonseca), "Nem às Paredes Confesso" (Artur Ribeiro / Max - Ferrer Trindade), "Ai Mouraria" (Amadeu do Vale / Frederico Valério), "Perseguição" (Avelino de Sousa / Carlos da Maia), "Tudo Isto é Fado" (Aníbal Nazaré / Fernando Carvalho), "Fado Corrido" (Linhares Barbosa / Santos Moreira), "Barco Negro" (do filme 'Os Amantes do Tejo') (David Mourão Ferreira / Caco Velho - Piratini), "Coimbra" (José Galhardo / Raul Ferrão), "Sabe-se Lá" (Silva Tavares / Frederico Valério), "Tendinha" (José Galhardo / Raul Ferrão), "Lá Vai Lisboa" (Norberto de Araújo / Raul Ferrão), "Que Deus Me Perdoe" (Silva Tavares / Frederico Valério), "Lisboa Antiga" (José Galhardo - Amadeu do Vale / Raul Portela) e "Amália" (José Galhardo / Frederico Valério). Os acompanhadores foram Domingos Camarinha (guitarra portuguesa) e Santos Moreira (viola). 
Trata-se de um registo verdadeiramente histórico e que representou igualmente um marco importante na fulgurante carreira da nossa maior cantora. 
Amália Rodrigues, em "Barco Negro", uma versão inédita

Barco Negro
De manhã, que medo, que me achasses feia!
Acordei, tremendo, deitada n'areia
Mas logo os teus olhos disseram que não,
E o sol penetrou no meu coração.

Vi depois, numa rocha, uma cruz,
E o teu barco negro dançava na luz
Vi teu braço acenando, entre as velas já soltas
Dizem as velhas da praia, que não voltas:

São loucas! São loucas!

Eu sei, meu amor,
Que nem chegaste a partir,
Pois tudo, em meu redor,
Me diz qu'estás sempre comigo

No vento que lança areia nos vidros;
Na água que canta, no fogo mortiço;
No calor do leito, nos bancos vazios;
Dentro do meu peito, estás sempre comigo
David Mourão-Ferreira

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