sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Vamos peticionar a remoção da estátua de Eça, no Alecrim?


Estátua do Amor de Perdição ,
(romance de Camilo Castelo Branco), Porto.

Vamos peticionar a remoção da estátua de Eça, no Alecrim?
por Eugénio LIsboa
“Segundo os jornais, 37 “ilustres” personalidades portuenses, vieram exigir, com sucesso, a remoção da estátua do AMOR DE PERDIÇÃO, que o escultor Francisco Simões oferecera à Câmara do Porto, que a colocara em frente à Cadeia da Relação, a inaugurara, há onze anos, na presença do Presidente Rui Rio, tendo o actual presidente, Rui Moreira, agora, sob pressão daqueles pudibundos “ilustres”,  mandado expeditamente removê-la. O pudor censório, no seu máximo esplendor. Mas trata-se de uma “censura” suspeita, por dois motivos: 
1) Porquê, esta remoção, só ao fim de onze anos? 2) Se o motivo estético invocado – falta de qualidade artística – é, segundo eles dizem, aplicável à grande maioria das estátuas ou bustos de figuras públicas, que pululam por todo o país, então por que encarniçarem-se apenas sobre esta?
Quanto a ela poder ofender o pudor e a dignidade de Ana Plácido, o argumento mete água e má fé, por todos os lados. A estátua rende homenagem ao romance AMOR DE PERDIÇÃO, cujas inesquecíveis heroínas são Teresa e Mariana, que nada têm a ver com Ana Plácido (nem na ficção nem na vida real). Além disso, de amores de perdição, está a vasta obra camiliana cheia, sem ser perversamente preciso invocar-se, para este caso, Ana Plácido.
Não pondo de parte que possa haver, para esta petição, razões submarinas, que não foram invocadas, este tipo de pedido de censura aplicada a uma obra de arte tem, infelizmente, um grande historial de falso pudor vitoriano, cheio de apetências persecutórias. Grandes artistas foram acusados de imoralidade, estando hoje as suas obras expostas em grandes museus. Infelizmente, este vigor censório está a voltar, sob a forma de “political correctness”, de movimentos MeToo, de “leitores sensíveis” e outras mixórdias exportadas pelos Estados Unidos e gulosamente absorvidas pelos “castrati” europeus. Não vai tardar muito que se peça a remoção da Vénus de Milo, do Louvre, o David, de Miguel Angelo, todo nu e de pilinha à mostra, de Florença, o Beijo, de Rodin, de Paris, o Beijo, de Gustav Klimt, da Áustria e por aí fora. Contou-me um Professor amigo, docente de uma universidade em Nova Iorque, que resolvera antecipar o seu pedido de reforma, quando um grupo de alunas assanhadas exigiu, do reitor, que removesse de uma das paredes uma reprodução da Maja Desnuda, de Goya. Eu acho que estas coisas não são questões de arte: são questões de psiquiatria. Basta, para isso, lembrar-me que o código de censura aos filmes de Hollywood, conhecido como o Código Hays, em vigor até à década de sessenta, do século passado, proibia que os filmes mostrassem conteúdos relativos a nudez, obscenidade, blasfémia, relações sexuais fora do casamento, uso de drogas e qualquer outro conteúdo “que poderia ser considerado prejudicial à moralidade pública.” Por exemplo, podia-se mostrar o exterior da coxa de uma mulher, mas não a parte interior. Também não era permitido mostrar crianças nuas. O esplendor da pudicícia… Pois bem, um certo dia, para espanto de muitos, a mulher do Sr. Hays, o censor, pediu o divórcio, alegando que o marido era um tarado sexual, que não distinguia o umbigo da vagina…  Eu sempre desconfiei da sanha persecutória, muito ridícula, que atormentou Bill Clinton e que continua a perseguir Roman Polanski e Woody Allen. A esses perseguidores assanhados, um bom psiquiatra chamaria um figo. O problema é do perseguidor e não do perseguido. Consola-me saber que o ignóbil Javert, congeminado por Victor Hugo, teve o fim que teve.
Por este andar, com estes pudores todos e com estes códigos castradores, qualquer dia, ficamos tão ignorantes como aquele maluquinho da anedota que, num certo dia confidenciou, a um companheiro do asilo onde estava internado, que espreitara por cima do muro e descobrira que ali acampavam nudistas. “Homens ou mulheres?”, perguntou, excitado, o companheiro. “Sei lá”, respondeu, “estavam todos nus, como é que eu havia de saber?” Qualquer dia, também eu fico sem saber.
Eugénio Lisboa, 15.09.2023

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