quinta-feira, 30 de março de 2023

JOYCE – II

James Joyce
 
JOYCE – II
por Eugénio Lisboa
"Pois é, Joyce. No último número de LER, falei da minha prolongada inibição em relação à esmagadora aura de Joyce. Todo o mundo que se prezava lhe reconhecia grandeza e até uma grandeza muito especial: Joyce seria, pelos vistos, uma espécie de monstro esplendoroso e magnificamente sagrado – ninguém que lhe fizesse sombra, mesmo uma sombra recatadamente modesta. Erguia-se na paisagem literária, grande, imponente e só. Ora eu achara-o sempre - sem grande coragem para confessá-lo – um chato árido e irredimível. Durante muito tempo, curvei-me ao consenso. Depois, indignado com a minha própria cobardia, rebelei-me. Afrontaria, sozinho, se necessário, a avalanche consagradora daquele bizarro “génio” irlandês. Mas eis que vim a descobrir que, afinal, não estava assim tão irremediavelmente sozinho. Outros, entre fauna bem eminente, também rejeitavam - e em termos bem enfáticos – a grandeza do autor de Ulisses. E alguns iam mesmo ao ponto de caçoarem desbocadamente com as picardias hieroglíficas do Finnegans Wake. O diletante V. Ernest Cox, por exemplo, dedicou a este livro mais ou menos ilegível os seguintes versinhos maliciosos, que eu me dispenso de traduzir: “ Finnegans Wake / Is one long spelling mistake / With not a lot / Of plot.
Plot, coitado, não era o forte de Joyce. Nem a criação de verdadeiros personagens. Manipulações linguísticas, vá. Mas à quoi bon ?
O superintelectual Aldous Huxley também não foi macio para o bardo prosador do Ulisses. Ei-lo: “ Nunca tirei grande coisa do Ulisses. Penso que é um livro extraordinário mas uma tão grande parte dele consiste em demonstrações demasiado compridas de como um romance não deve ser escrito, não é verdade?” David Herbert Lawrence, o autor de Filhos e Amantes, que ninguém se lembraria de acusar de puritanismo, demite o desgracioso irlandês, atribuindo-lhe apenas “ citações da Bíblia e do resto, tudo cozinhado no molho de uma deliberada e jornalística sujidade mental”. Não se pode dizer que Lawrence tenha sido suave… Por outro lado, o romancista inglês Malcom Muggeridge despacha também, em poucas e decisivas palavras, o congeminador de Finnegans Wake:  “ Considerado como um livro […]Finnegans Wake deve ser pronunciado um autêntico fiasco. “. “Considerado como um livro “, diz Mggeridge , o que significa que talvez pudesse ser avaliado noutra qualquer categoria : hieróglifo, jogo linguístico, brincadeira para cabeçudos sem sentido de humor.
Evelyn WWaugh, génio do cómico da literatura inglesa, também não mede as palavras. Ei-las: “ Experimentação? Deus não o permita. Olhem para os resultados da experimentação, no caso de um escritor como Joyce. Começa por escrever muito bem, depois podemos vê-lo a enlouquecer, de vaidade. Acaba completamente lunático. “ Poderia aqui citar outros testemunhos de gente egrégia: Virginia Woolf , por exemplo ( “Nunca li tanto disparate “,  ou ainda : “ A independência do Sr. Joyce  no Ulisses parece-me ser a indecência calculada e consciente de um homem desesperado que é de opinião que, para poder respirar tem de quebrar as janelas. Por momentos, quando a janela se quebra , ele é magnificente . Mas que desperdício de energia!”, entre vários outros. Mas não quero atravancar o leitor com tanta artilharia anti-Joyce. Embora não resista a terminar, registando aqui o juízo benevolente , mas enviesadamente demolidor do juiz americano John Woolsey, que decidiu , nestes termos, permitir a circulação do Ulisses nos Estados Unidos. “A minha considerada opinião, após longa reflexão, é a de que embora em alguns pontos o efeito de Ulisses sobre o leitor pudesse ser o de lhe provocar vómitos, em lugar nenhum tenderá o livro a mostrar-se afrodisíaco. Ulisses pode , portanto, entrar nos Estados Unidos."
Eugénio Lisboa , in Ipsissima Verba , Revista LER,  Inverno 2016/2017, nº144

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