terça-feira, 25 de maio de 2021

Festejar o 91º aniversário de Eugénio Lisboa

Eugénio Lisboa, na RTP , em 21 de Abril de 2021

Assombro
Chegamos, depressa, ao fim da viagem,
atordoados, confusos e sós:
pouco aprendemos, ficámos na margem
de viver, de saber quem somos nós.

Tudo foi frágil , incompleto, escuro,
tudo nos fugiu, pouco iluminou
esta passagem fugaz; resta puro,
nosso espanto, que nada conspurcou.
Eugénio Lisboa, Acta est Fabula , Memórias-V- Regresso a Portugal(1995-2015), Outubro de 2015, Opera Omnia

É com este belo poema que termina o V volume das Memórias de Eugénio Lisboa. Esperava o autor que fosse o último, mas acabou por ser o antepenúltimo. As memórias exigiram-lhe mais dois volumes que foram publicados  em Fevereiro e Novembro de 2017.
A passagem fugaz, o  instante da vida de Eugénio Lisboa ficou registado. E sobre o instante, ocorrem , com enfâse redobrado,  as palavras  de Octávio Paz: Faço mal em chamá-lo fragmento, pois é um mundo completo em si mesmo, tempo único, arquetípico, que já não é passado nem futuro, mas presente.
O que nos narra Eugénio Lisboa  é , em si mesmo ,   um mundo completo. O Assombro dominou–lhe  a vida. Começa na  criança, residente num bairro dos subúrbios de Lourenço Marques, a  crescer ávida  de curiosidade. Curiosidade que, desassombradamente, a transforma em omnívoro leitor compulsivo  e num ímpar e exímio cultor de um espanto que resta puro até ao presente, dia em que completa 91 anos.
O instante é o tempo do prazer, mas  também o da morte, o dos sentidos e o da revelação do mais além, continua Octávio Paz. De tudo isto nos fala Eugénio Lisboa na sua obra memorialística, "Acta est Fabula",  e nos dois  volumes de Diários, “Aperto Libro”,  já publicados.
À medida que se estabelecem laços com esses registos , vamos  entrando num mundo rico e fascinante. O memorialista ou o diarista alarga-se por outros horizontes e vai produzindo verbetes ou  entradas que são puros ensaios  de uma soberba profundidade. Acompanhando-o,  concluímos , inequivocamente,  que se trata de um precioso documento de quase um século e de um registo singular de um homem culto, erudito e de uma grandiosa sensibilidade.
Independente, livre e isento, não subscreve jargões nem professa credos, lançando, com inteligente acutilância, um olhar crítico a tudo o que lhe chega , a tudo o que o rodeia , a tudo o que preenche a vida, ao mundo.
Assim , olha Agustina, Saramago , Vergílio Ferreira, Gastão Cruz, Eduardo Prado Coelho,  Eduardo Lourenço e outros mais , sem temor por  ser uma voz diferente, fugindo a unanimidade oca que se pratica no falso meio intelectual.   Em sentido oposto, extrai, com mestria , a grandeza de um Camilo, de um Eça, de um Régio,  de um Sena, de um Montherlant, de um Gide , de um Domingos Monteiro , de um David Mourão-Ferreira, de uma galeria de grandes que são  engavetados   por um modismo tonto e provinciano. E, em igual honestidade intelectual, não deixa de aplaudir novos talentos que  surgem e  se  vão afirmando.
Mas não é apenas de memórias que se constitui a produção literária de Eugénio Lisboa. Poeta, ensaísta, crítico literário, o autor de “Acta est fabula” tem uma vasta e prolífera obra. É um incessante escritor em permanente laboração.  Desde o seu último aniversário, o nonagésimo,  publicou  dois novos livros. Um de Poesia e outro em magnífica e gostosa  prosa, que é um excelente breviário da Leitura, um forte alento para o  despertar desse vício impune, um esplêndido cânone para o leitor relutante.
Com Eugénio Lisboa,   nunca será possível esgotar-se,  em nós,  o prazer da descoberta , da aprendizagem, do encantamento. Reforça e valida, em magnificência, as palavras de Jorge Luís Borges: A verdade é que ninguém passa por nossa vida em vão. A diferença é que algumas pessoas são possibilidades de felicidade, outras de lições.
Eugénio Lisboa é tudo isso. Acumula todas as possibilidades. E, por ser verdade, acabamos com um outro poema, um soneto perfeito, retirado do seu último livro de poesia.

DA NÃO EVIDÊNCIA DE TUDO

 

É tão estranha a vida. É tão estranha a morte.

É estranho que seja tudo tão estranho

e tudo cause, em mim, um tal desnorte,

que o assombro seja, em mim, tamanho,

 

que fico detido, explorando o espanto

de coisa nenhuma ser evidente!

Resta-me, então, digo eu, o canto

que amacia o que não é transparente!

 

Viver é assim não compreender,

que é a melhor forma de descobrir.

Se há virtudes no não entender,

 

se é bom forçar a porta, insistir,

contudo, a um mistério decifrado,

outro logo se apresenta fechado!

                                  

                                  20.05.2020

Eugénio Lisboa, 

em congeminações de sempre, que a solidão da peste agudiza!

Eugénio Lisboa, in “ poemas em tempo de peste”, Setembro de 2020, Guerra&Paz, Editores S.A.

Ao Eugénio Lisboa, o mais erudito intelectual português da actualidade, de quem o assombro de um imanente espanto jamais se extinguiu, apresentamos a nossa inacabada gratidão, em jeito de sentida embora sóbria homenagem.

Veja (AQUI) uma entrevista a  Eugénio Lisboa

1 comentário:

  1. Parabéns Eugénio Lisboa no teu 91º Aniversário!... Obrigado por tudo o que nos ensinaste!...

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