quarta-feira, 12 de maio de 2021

A LÍNGUA PORTUGUESA (2)


A LÍNGUA PORTUGUESA 
(continuação)
por Eugénio Lisboa

Em entrada  anterior, neste blog, publicámos  uma  breve  antologia de  testemunhos/ /homenagem à língua portuguesa, precedidos de algumas considerações sobre a riqueza dela e modos de a usar. Hoje juntamos mais algumas homenagens, em verso e em prosa.

AFONSO LOPES VIEIRA

(1878 – 1946)

A LÍNGUA PORTUGUESA

Ó Portuguesa língua, quando um dia

Floresceste nos rústicos cantares,

Quem te diria que por sobre os mares,

Com tua alma o teu génio cresceria!

 

Soou na Terra a tua melodia

E pelo orbe criou nações e lares;

Com teu ritmo de impulsos e vagares

Foste laço de povos e harmonia.

DAVID MOURÃO-FERREIRA

(1927 – 1996)

EXCERTO DO LIVRO

Magia, Palavra, Corpo 1993

Faça-se todo o possível – mesmo o possível impossível – para que os povos de língua portuguesa leiam cada vez mais os autores de língua portuguesa qualquer que seja a nacionalidade a que pertençam: angolanos, brasileiros, caboverdianos, portugueses, santomenses, sem prejuízo, aliás, do estimulante conhecimento de autores de outras línguas, e pouco a pouco virá a verificar-se a crescente e saborosa mestiçagem do idioma que de Portugal “banzou”, não para “xingar” os demais povos nem para com eles “cutucar”, mas para que a todos servisse de vivo instrumento de fraterna aproximação.

 

ALBERTO DE LACERDA

(1928 – 2007)

A LÍNGUA PORTUGUESA

Esta língua que eu amo

Com seu bárbaro lanho

Seu mel

Seu helénico sal

E azeitona

Esta limpidez

Que se nimba

De surda

Quanta vez

Esta maravilha

Assassinadíssima

Por quase todos que a falam

Este requebro

Esta ânfora

Cantante

Esta máscula espada

Graciosíssima

Capaz de brandir os caminhos todos

De todos os ares

De todas as danças

Esta voz

Esta língua

Soberba

Capaz de todas as cores

Todos os riscos

De expressão

(E ganha sempre a partida)

Esta língua portuguesa

Capaz de tudo

Como uma mulher realmente

Apaixonada

Esta língua

É minha Índia constante

Minha núpcia ininterrupta

Meu amor para sempre

Minha libertinagem

Minha eterna

Virgindade

EUGÉNIO LISBOA

(1930 -     )

OUTRO SONETO À LÍNGUA PORTUGUESA

Com a língua portuguesa me caso,

com ela vivo quando é preciso;

a língua portuguesa não tem prazo

e veste-se de luxo e conciso.

 

Vive de tristeza e de alegria,

sossega, como sabe, os aflitos

e sabe matizar a euforia,

apaziguando, suave, os altos gritos!

 

Enfeita-se com cores e buzinas,

desperta, com clamores bem sentidos

e com ares de grande dançarina,

 

aqueles que andando adormecidos

acordam àquele toque de alerta:

a língua é clamor e é oferta!

TERESA RITA LOPES

(1937 -     )

A LÍNGUA É UMA PÁTRIA

- é dito de Junqueiro e de Pessoa

mil vezes repetido

mas não sei se sentido.

Foi sobretudo no exílio que saboreei

 

essa verdade amarga e doce.

Quando o chão do meu país me faltava

debaixo dos pés,

errava sonâmbula dia e noite

agarrada às palavras

- meu colo minha respiração meu sustento.

Hoje orgulho-me de partilhar a pátria pobre

que somos

com miríades de irmãos constelando os céus

de todos os continentes.

A riqueza maior que ter podemos

não está em cofres, bancos ou acções

mas na música da nossa língua, ecoando

por milhões e milhões de gargantas.


Assim damos por concluída esta modesta mas sentida homenagem à língua de Camões e Vieira.
Eugénio Lisboa, Maio de 2021

Sem comentários:

Enviar um comentário