quarta-feira, 4 de março de 2020

Educação Sentimental


Educação Sentimental

Na janela mais alta de Lisboa
és a ave chamada Todavia:
a que posta  no céu não se desvia, 
mas que perto do rio já não voa...

Hei-de ensinar-te, devagar ( perdoa!), 
a pressa com que Amor se pronuncia
e a conjugares a noite com o dia 
quando o corpo do corpo se condoa...

Fecha os olhos, e voa! Mas não queiras 
ao inferno do céu traçar fronteiras
nem ao céu do inferno pôr limites:

voar só vale a pena enquanto for 
uma forma de amar além do amor,
furor que todavia não habites...
David Mourão-Ferreira, in "Infinito pessoal [1959-1962] - Obra Poética", Assírio & Alvim ,  p 145

O Vento na Ilha 

O vento é um cavalo:
ouve como ele corre
pelo mar, pelo céu.

Quer levar-me: escuta
como percorre o mundo
para levar-me para longe.

Esconde-me em teus braços
por esta noite apenas,
enquanto a chuva abre
contra o mar e contra a terra
a sua boca inumerável.

Escuta como o vento
me chama galopando
para levar-me para longe.

Com tua fronte na minha
e na minha a tua boca,
atados os nossos corpos
ao amor que nos abrasa,
deixa que o vento passe
sem que possa levar-me.

Deixa que o vento corra
coroado de espuma,
que me chame e procure
galopando na sombra,
enquanto eu, submerso
sob os teus grandes olhos,
por esta noite apenas
descansarei, meu amor.
Pablo Neruda , in Os Versos do Capitão, Campo de Letras Editora, Abril , 2001, trad. Albano Martins, 

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