sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Pensar um país

Estamos num tempo em que Portugal acorda sempre diferente. "Pensar o país ", gritam os governantes. "Largar o país", diz a oposição. E nós que somos o país , somos o alvo de todos os dias de novas e projectadas medidas que nem sequer sonhámos e ainda menos conhecemos. Vemo-nos a caminho de um outro país, de um  outro habitat que teimam em chamar de Portugal. Mas Portugal  será  apenas a nossa Pátria? As ordens , os relatórios, o dinheiro vêm do exterior e as fronteiras entre o que nos pertence  e não pertence esbatem-se no horror dos dias de angústia. A pátria é um lugar de pertença e Portugal pertence a quem ? Aos governantes? Aos Portugueses? À Europa? À Ibéria? Aos credores? A ninguém?
Encontrar a resposta  é uma proposta para cada um de nós que habita e ama este país. Sucumbir sem  resistir é adiar e renegar o Futuro.
Ao longo dos tempos, poetas , escritores e filósofos pensaram   e reflectiram sobre os seus países. Transcrevem-se, em jeito assertivo e consentâneo com a actualidade, alguns excertos.

VELA
Rondo.
Mas nem sei o que guardo, nem conheço
Quem me manda ficar de sentinela...
Sei apenas que é um crime se adormeço
E deixo de espreitar pela janela.

Rondo,
Como soldado lírico que sou.
Se é manhã,
Se é poema,
Se é luar, o que vem,
- Sabe-o quem me acordou,
Se foi alguém...
               Coimbra, 10 de Janeiro de 1943
Miguel Torga , in " Diário II",Círculo de Leitores

Pensar o Meu País
"Pensar o meu país. De repente toda a gente se pôs a um canto a meditar o país. Nunca o tínhamos pensado, pensáramos apenas os que o governavam sem pensar. E de súbito foi isto. Mas para se chegar ao país tem de se atravessar o espesso nevoeiro da mediocralhada que o infestou. Será que a democracia exige a mediocridade? Mas os povos civilizados dizem que não. Nós é que temos um estilo de ser medíocres. Não é questão de se ser ignorante, incompetente e tudo o mais que se pode acrescentar ao estado em bruto. Não é questão de se ser estúpido. Temos saber, temos inteligência. A questão é só a do equilíbrio e harmonia, a questão é a do bom senso. Há um modo profundo de se ser que fica vivo por baixo de todas as cataplasmas de verniz que se lhe aplicarem. Há um modo de se ser grosseiro, sem ao menos se ter o rasgo de assumir a grosseria. E o resultado é o ridículo, a fífia, a «fuga do pé para o chinelo». O Espanhol é um «bárbaro», mas assume a barbaridade. Nós somos uns campónios com a obsessão de parecermos civilizados. O Francês é um ser artificioso, mas que vive dentro do artifício. O Alemão é uma broca ou um parafuso, mas que tem o feitio de uma broca ou de um parafuso. O Italiano é um histérico, mas que se investe da sua condição no parlapatar barato, na gritaria. O Inglês é um sujeito grave de coco, mas que assume a gravidade e o ridículo que vier nela. Nós somos sobretudo ridículos porque o não queremos parecer. A politiqueirada portuguesa é uma gentalha execranda, parlapatona, intriguista, charlatã, exibicionista, fanfarrona, de um empertigamento patarreco — e tocante de candura. Deus. É pois isto a democracia?"
Vergílio Ferreira, in "Conta-Corrente 2", Bertrand Editora

Se eu fosse candidato...
Edgar Morin
2007
"Caras concidadãs e caros concidadãos, devo primeiramente lembrar que a França nem vive num recipiente fechado nem num mundo imóvel. Devemos tomar consciência de que vivemos uma comunidade de destino planetário, face às ameaças globais trazidas pela proliferação das armas nucleares, pelo desencadeamento dos conflitos étnico-religiosos, pela degradação da biosfera pelo fluxo ambivalente de uma economia mundial descontrolada, pela tirania do dinheiro, pela união de uma barbárie vinda dos confins dos tempos, pela barbárie congelada do cálculo técnico e económico.
O sistema planetário está condenado à morte ou à transformação. Nossa época de mudança tornou-se uma mudança de época.
 
No que concerne a França, não formularei um programa inoperante em situações mutáveis. Definirei uma estratégia que leve em conta acontecimentos e acidentes. Para o imediato provocarei dois encontros entre parceiros sociais, um sobre o emprego e salários, outro sobre as aposentações.
Constituirei dois comités permanentes visando reduzir as rupturas sociais:
1) um comité permanente de luta contra as desigualdades que atingirá em primeiro lugar os excessos (de benefícios e remunerações do alto – dos mais ricos) e as insuficiências (de nível e qualidade de vida da base – dos mais pobres);
2) um comité permanente encarregado de reverter o desequilíbrio crescente desde 1990 na relação capital-trabalho.
Considerando a integração vital de uma política ecológica, constituirei um terceiro comité permanente que tratará das transformações sociais e humanas que se impõem.
Indicarei a via de uma política de civilização que ressuscitaria as solidariedades, faria recuar o egoísmo e, mais profundamente, reformaria a sociedade e nossas vidas. De fato, nossa civilização está em crise. Aonde chegou, o bem-estar material não trouxe necessariamente o bem-estar mental, do que são testemunhos os consumos desenfreados de drogas, ansiolíticos, antidepressivos, soníferos. O desenvolvimento económico não trouxe o desenvolvimento moral. A aplicação do cálculo, da cronometria, da hiper-especialização, da compartimentalização do trabalho nas empresas, nas administrações e finalmente em nossas vidas, acarretou muito frequentemente, a degradação das solidariedades, a burocratização generalizada, a perda de iniciativa, o medo da responsabilidade.
Reformarei também, as administrações públicas e estimularei a reforma das administrações privadas. A reforma visa desburocratizar, desesclerozar, descompartimentalizar e dar iniciativa e leveza (agilidade, destreza) aos funcionários públicos, oferecer cuidado atencioso a todos os que devem enfrentar o trabalho quotidiano nos escritórios. A reforma do Estado se faria não por aumento ou supressão de empregos mas por modificação da lógica que considera os humanos como objectos submetidos à quantificação e não como seres dotados de autonomia, de inteligência e de afectividade.
Proporei revitalizar a fraternidade, subdesenvolvida na trilogia republicana Liberdade-Igualdade-Fraternidade. Primeiramente, suscitarei a criação de Casas da Fraternidade nas diversas cidades e nos bairros de metrópoles como Paris.(...)
O impulso para a grande reforma surgirá das profundezas de nosso país quando ele perceber que ela se encarregará de suas necessidades e aspirações. Pois, esclerosado em todas as suas estruturas, o país está vivo na base. A mudança individual e a mudança social serão inseparáveis já que cada um sozinho é insuficiente. A reforma da política, a reforma do pensamento, a reforma da sociedade, a reforma da vida se conjugarão para conduzir a uma metamorfose de sociedade. Os futuros radiosos estão mortos, mas abriremos uma via para um futuro possível.
Esta via, podemos fazê-la avançar na França, esperar que a façamos adoptar na Europa. E, fazendo novamente da França um exemplo, ela trará a esperança de uma salvação planetária.” Edgar Morin, in " A minha esquerda" , Ed. Sinusa

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