De Frederico Füllgraf, jornalista , cronista , ensaísta, cineasta, escritor brasileiro de ascendência alemã, recebi este singular texto, um oportuno documento histórico que , nas palavras do autor, é um misto de crônica dramática e divertida que integra o livro que estou escrevendo sobre meus 40 anos de atividade profissional.
Ao Frederico, apresento os meus agradecimentos amigos.
Como cheguei atrasado à independência de Angola, “sequestrado” por uma fake new
por Frederico Füllgraf
"Era o início da tarde do dia 11 de novembro de 1975, quando o avião decolou do Aeroporto da Portela, em Lisboa, rumo a Luanda, capital de Angola.
Juntos, os passageiros - um grupo de politicos portugueses, diplomatas credenciados em Lisboa e jornalistas - não somavam mais que um punhado de quarenta indivíduos concentrados em um Boeing 747 da TAP, cujo interior mais se assemelhava a um estádio de futebol com arquibancada quase vazia.
Alegria e tensão teciam o clima a bordo. Em conversas animadas, alguns grupos come- moravam a proeza do voo de última hora. Outros, o corpo rijo e em silêncio, conferiam, ansiosos, o horário em seus relógios. É que todos estávamos convidados para o ato histórico da declaração da Independência de Angola, programado para a noite daquele 11 de novembro, por ninguém menos que Agostinho Neto, lendário poeta e líder do MPLA, o Movimento Popular pela Libertação de Angola.
Autor do último programa que iria ao ar pela renomada série “Dritte Welt” (“Terceiro Mundo”) da editoria de cultura da WDR – a maior emissora da rede ARD de rádio e televisão de direito público da Alemanha, em Colônia – eu fora escolhido como enviado especial para cobrir a independência e entrevistar nomes ilustres sobre o porvir do novo país africano.
Quando decolamos, na capital angolana deviam ser umas três da tarde. O tempo do voo seria de umas sete horas, e sendo o fuso horário entre Lisboa e Luanda de uma hora, se tudo corresse bem, pousaríamos em Luanda às dez da noite, em plena festa.
Servido o lanche pelas gentis comissárias de bordo, alguém chamou a atenção para a tela de cinema vazia e muda, pedindo que projetassem um filme. Ao que uma comissária respondeu que o projetor estava com defeito.
Cansado, acumulando noite prévia muito curta devida ao voo de conexão de Berlim, onde residia, a Lisboa, adormeci, embalado pelo burburinho monótono das turbinas e do ar rasgado diante da janela.
De repente, uma mão tocou meu ombro. Era uma das comissárias, pedindo que eu recolocasse o encosto do assento em posição vertical. Agora era servido um jantar. E para supresa geral, na tela cintilava um filme. Que, se não me falha a memória, era nada menos que o elégico “Casablanca”, com Humphrey Bogart e Ingrid Bergman. Sobrevoando a África, aquilo era uma ironia?
Me senti abobalhado, não podia acreditar.
Mas ocorria algo ainda mais estranho. Enquanto consumíamos o jantar, alternando olhares entre o garfo e as cenas na tela, o avião inclinou-se para um lado, iniciando uma longa curva no céu noturno. Mirei o relógio de pulso, e ele marcava alguns minutos passados das oito da noite.
A inclinação do avião parecia não ter fim e detonou protestos entre os passageiros. Alguns levantaram-se, ocuparam o corredor e em voz alta cobraram uma satisfação. Ensaiando calma, a comissária-chefe explicou que o voo estava retornando a Lisboa. Como assim, Lisboa?! A comissária se desculpou por ignorar o motivo, cuja explicação era prerrogativa do piloto.
A julgar pelo tempo de voo já decorrido, faltava hora e meia para a aterrissagem em Luanda. Deveríamos estar sobrevoando o delta do Rio Congo, estimei.
Preocupados, alguns passageiros acudiram à cabine de comando, cobrando satisfações ao piloto. Que irrompeu no corredor, explicando que tinha recebido ordem da TAP, baseada em noticia de que o aeroporto de Luanda estaria sendo “bombardeado” - portanto, colocando em risco a segurança do avião e de seus pocupantes. Mas isto seria verdade?, questionou o coro de pessoas irritadas.
Obviamente, sabia-se que a partir de meados de 1975, desde o extremo sul e do extremo norte, Angola sofria uma invasão militar conjugada do regime do apartheid sul-africano e o Zaire, com carros blindados, milhares de soldados e mercenários recrutados mundo afora. A operação visava apoiar a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) e a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), inimigas do MPLA, que ameaçavam invadir Luanda.
Desconfiado da notícia do “bombardeio”, um jornalista português sugeriu que o avião desviasse da rota, pousasse em Brazzaville - capital da vizinha República do Congo – e desmentida a noticia, de lá retomasse seu voo a Luanda. Mas invocando obediência a ordens superiores, o piloto rechaçou o “desvio”, provocando a insinuação irônica de outro passageiro, de que o voo deveria ser “sequestrado”. E pensando bem: não ouvida, nem respeitada, a maioria dos passageiros sentia-se, sim, abduzida pela TAP.
Após umas longas cinco horas de voo, entre uma e duas da manhã, pousávamos novamente em Lisboa. Tínhamos feito um “passeio” inócuo de quase doze horas sobre o Atlântico Sul... Desconsolados, alguns passageiros se entreolhavam, abanando a cabeça.
Inacreditável!
Desembarcados, fomos guiados ao balcão da TAP, que nos entregava vauchers para um hotel 5 estrelas no centro da cidade.
Enquanto a maioria dos diplomatas estrangeiros aceitava o coupom, já embarcando em um ônibus da empresa aérea, o jornalista português que discutira com o piloto, advertiu para que não aceitássemos a hospedagem. Segundo ele, seria “o fim da viagem”. Mobilizando um grupo de uns dez pessoas, sugeriu que subíssemos ao café-restaurante do aeroporto e lá decidíssemos o que fazer.
Acomodados em torno de uma grande mesa, nossa premonição indicava que seria uma noite longa. Entre cafés e taças de vinho tinto, o jornalista lusitano insistia que exigíssemos à TAP um reembarque a Luanda. Entre uma e outra ponderação, ele afastava-se da mesa para realizar chamadas em um telefone público. Em seu primeiro retorno, alertava que o suposto bombardeio do aeroporto em Luanda não se confirmara. Em um de seus últimos telefonemas, o português retornou à mesa sorrindo de orelha a orelha. Havia ligado para alguns destacamentos do MFA – o Movimento das Forças Armadas – que declararam “inaceitável” o retorno do voo da TAP e prometiam “medidas”.
Tombados em torno da mesa, o sono nos tocaiava.
Talvez fossem umas quatro horas da madrugada, quando um inusitado reflexo no vidro da janela ao meu lado atiçou meus olhos cansados. Eram luzes em movimento em uma das pistas do aeroporto. Pareciam veículos blindados, e com eles instalou-se nova apreensão.
A inquietação não era por menos. Fazia poucos dias que um tal movimento “Maria da Fonte”, de extrema-direita, instigara publicamente um levante popular e ações militares em Lisboa para promover um golpe de Estado antes de 11 de novembro, data da independência de Angola. De maio a novembro de 1975, a extrema-direita havia perpetrado mais de 290 ataques terroristas, com assaltos a sedes de partidos progressistas, incêndios, atentados a bomba, espancamentos e ataques armados a civis. Eventos intensificados pela súbita entrada em cena de um Mr. Frank Carlucci. Designado embaixador norte-americano em Portugal, nos primeiros dias de novembro o “gringo” visitara a região ao norte do Mondego, encontrando-se com um arcebispo, três bispos, além de governadores civis e presidentes de câmara; todos eles acusando o MFA de implantar o “comunismo”. A folha corrida de Carlucci o condenava. Em 1961, junto com Larry Devlin, então chefe do escritório da CIA no Congo, estivera envolvido no assassinato do presidente Patrice Lumumba. Poucos anos depois, no Brasil, fora auxiliar do adido militar, coronel Vernon Walters, conspirador dos EUA que instigara os militares brasileiros ao golpe contra o presidente João Goulart.
Matutando sobre esses episódios, não percebemos a aproximação de uma dúzia de soldados - a maioria deles barbudos, alguns com um lenço vermelho enrolado no pescoço - encabeçados por um oficial. Parando em frente da mesa, o oficial sorriu jovialmente, desculpou-se pela interrupção e perguntou se éramos os passageiros da TAP impedidos de aterrisarem em Luanda. Percebendo os olhares que perscrutavam sua farda em busca da identificação de sua unidade militar, adiantou-se. - Somos do RALIS, soubemos do retorno do voo, mas estamos aqui para garantir o reembarque de vocês...
Entre desconcerto e empolgação, o grupo todo ergueu-se para trocar abraços com os soldados, que juntaram-se à mesa. Talvez houvesse quem não soubesse o que era o RALIS. Já quem acompanhara os desdobamentos da Revolução dos Cravos, sabia que o antigo RAL-1, rebatizado de Regimento de Artilharia Ligeira no 1 de Lisboa, gozava de inegável visibilidade como destacamento do MFA; cuja “arma” não era propriamente seu poderío bélico, mas sua atuação educadora anti-fascista.
Quando o dia raiou, o pelotão se despediu, prometendo retornar horas mais tarde.
Deveriam ser umas duas da tarde de 12 de novembro, quando fomos chamados pela TAP. Em seu balcão, a empresa anunciava um segundo voo para Luanda aguardando- nos na pista de decolagem. Alguns passageiros que haviam pernoitado no hotel, também estavam presentes. O júbilo foi contagiante. Mas um colega angolano desconsolado não escondia revolta, nem ágrimas - São centenas de quilos de fogos de artifício na barriga do avião de ontem, pá! Incumbido pelo MPLA, levei meses p ́ra conseguir comprar, Europa afora – e agora fazer o quê com isso? Eram p ́ra estourar, iluminar o céu de Luanda ontem!
De abraço em abraço o angolano recebia o conforto solidário dos companheiros de viagem. Mas os fogos de artifício “calados” também eram motivo de piada – uma piada de mau gosto, como confirmaria o pouso em Luanda.
Ao lado da escada de embarque estavam os soldados do RALIS, despedindo-se, sorridentes. Suas “medidas” tinham sido exitosas.
Umas oito da noite, o voo da TAP pousava em Luanda.
Na sala VIP do aeroporto, uma delegação do MPLA recebia efusivamente um grupo dos passageiros com um brinde de boas vindas. E então, entre uma e outra taça de maruvo, revelava-se a estória do suposto bombardeio do aeroporto. É que na tarde do dia 11, horas antes da declaração da Independência, entre vivas e urros, vários jovens das FAPLA – as forças armadas do MPLA - que faziam a segurança do aeroporto, teriam se adiantado à celebração, atirando ao ar, entusiasmados. Um divertido ato de indisciplina, pela má-fé de um correspondente que não estava em Angola, transmutado em precoce fake new, como se diria décadas mais tarde. - Tiros ao ar e não do ar, emendou, jocoso, um funcionário do MPLA, provocando risadas.
Vestido a rigor, com terno e gravata, outro funcionário abraçou-me, agradecendo ao imediato reconhecimento pelo governo brasileiro do MPLA como governo legítimo de Angola.
Segurando na mão meu copo e buscando palavras, expliquei ao anfitrião angolano que eu não representava o governo brasileiro, que era mero jornalista residente na Alemanha. E lembrei-lhe que aquele governo brasileiro era uma ditadura militar que torturava e matava presos políticos, obrigando milhares de opositores a buscarem refúgio no exílio. Já para a clientela internacional, a ditadura exibia sua face cordial, a do "pragmatismo responsável", que supostamente não se alinhava automaticamente com os Estados Unidos.
Surpreso, o funcionário angolano me esquadrinhou com mirada incrédula e afastou-se.
O que ambos ainda ignorávamos naquela noite, certamente teria chocado o angolano, merecendo aqui um incisivo parêntese. É que a Batalha de Quifangondo, que terminara um dia antes da declaração da Independência, provara de modo acachapante um pragmatismo – por assim dizê-lo - cínico do governo brasileiro. Se não, o que dizer da decisão tomada pela ditadura Geisel em julho de 1975, de enviar clandestinamente um grupo de doze agentes do Serviço Nacional de Informações (SNI) para assessorar a FNLA no norte de Angola? Entre eles encontrava-se José Paulo Boneschi, responsável na FNLA pela instrução de tropas, desminagem e preparação de explosivos. Porém, derrotada a FNLA em Quifangondo, a ditadura recuou seus agentes-mercenários para o então Zaire e adiantou-se em reconhecer o governo de Agostinho Neto. E qual era o currículo de Boneschi? Como agente policial do Destacamento de Operações de Informações (DOI) do Rio de Janeiro, atuava como torturador ligado à repressão politica da ditadura; denunciado na década de 1980 pela Arquidiocese de São Paulo e em 2014 pela Comissão Nacional da Verdade por múltiplas violações de Direitos Humanos. Retornando ileso da África ao Brasil, Boneschi faria carreira como empresário de segurança privada e, como centenas de militares e policiais, jamais seria condenado por seus crimes.
Mas voltando ao aeroporto de Luanda...
Terminada a recepção, fomos convidados a tomar assento em uma camioneta das FAPLA que nos conduziu a um hotel do centro de Luanda. Os soldados eram rapazes muito jovens, cuja conversa animada e piadas durante o percurso pareciam querer distrair o estresse da guerra estampado em suas faces e gestos.
Instalado no hotel 4 estrelas, iniciava-se minha cobertura de “enviado especial atrasado”, que perdera não apenas a celebração da Independência, como também a posse de Agostinho Neto, ocorrida na manhã daquele dia 12; manhã perdida em Lisboa à espera de uma segunda oportunidade de embarque. Fazer o quê? Vida que segue!, como dizíamos no Brasil. Em primeiro lugar, eu teria que conseguir junto ao novo governo cópias das gravações de ambos os eventos históricos.
Na capital devastada por meses de enfrentamentos armados, a paz não era uma certeza, antes uma frágil esperança. No cais do porto e no aeroporto, massas de portugueses se amontoavam para abandonar Angola, rumo a Lisboa, onde engrossariam as manifestações dos “retornados” contra a independência das ex-colônias africanas.
Em Luanda, foram dias seguidos sem água nas torneiras, porque a FNLA ou a UNITA haviam destruído a tubulação nos arredores da capital. Bem-humorado, um colega exibia seu rosto reluzente, sugerindo aos vizinhos do hotel que nos barbeássemos usando whisky como hidratante – e, precavidos, encher as banheiras, caso a água retornasse.
As ruas, ao contrário, não ofereciam extravagâncias. Diante das poucas padarias em funcionamento, formavam-se longas filas na disputa pelo pão. E não eram raros apitos de sirenes e gritos advertindo tiros ou algum obus inimigo sobrevoando as cabeças, porque a FNLA e a UNITA não aceitaram a declaração da Independência, nem a posse de Agostinho Neto, retomando a guerra civil.
Em julho de 1975, o MPLA expulsara a FNLA de Luanda e obrigara a UNITA a retroceder às suas bases no sul do país, apoiadas pela África do Sul. Em sua debandada, a FNLA deixara para trás rastros de chacina em vários mussekes de Luanda. Levado por jovens do MPLA a uma ruína, palco de atrocidades, ainda meses depois o cenário me parecia regurgitar gritos de desespero, com nauseabundo cheiro de morte no ar.
As emoções sucediam-se com altos e baixos de um tobogã.
Após uma entrevista à OMA (Organização das Mulheres Angolanas), enquanto petiscava o funge ao qual hospitaleiramente havia sido convidado, percebi sorrisos contidos e certo brilho em seus olhos. E perguntei se fizera algo errado – insegurança que as angolanas respondaram com riso coletivo. - É que voucê fala como u Roberto Carlos e o Caetáno Velosu!, explicou uma delas com sotaque aveludado, instruindo minha ignorância do sucesso da MPB em Angola. Instrução que se repetiria três anos mais tarde, em Sesimbra, litoral sul de Portugal. Ao comprar uma garrafa em uma tasca, um grupo de homens no balcão espiolhou-me da cabeça aos pés e um deles provocou: - U gaju será bras ́leiru? Fala como u Mundinho na Gabriela! Pedindo explicação ao português, este me repreendeu: - Então não assistes a novela, pá? Ah, vejam só, o romance do Jorge Amado adaptado para telenovela! Retrucando que não assistia, pois residia na Alemanha, assim, pela segunda vez, caiu minha ficha - e toda a freguesia do balcão caiu na gargalhada.
Em Luanda os dias esvoejaram em um piscar de olhos.
A secretaria provisória de comunicação do governo advertia sem parar os eventos em curso. Um deles parecia ressuscitar Ernest Hemingway reportando assombros da Guerra Civil Espanhola. Em uma conferência de imprensa de 17 de novembro, o Estado Maior das FAPLA apresentou-nos mercenários portugueses presos, que descreveram como haviam sido recrutados para a FNLA. Os portugueses foram apenas os primeiros detidos, logo sucedidos por uns duzentos e cinquenta franceses, britânicos, irlandeses e outros ocidentais atraídos pela CIA para combater o MPLA. Via de regra, eram ex-militares ou veteranos de outras guerras, que, traumatizados ou socialmente desajustados, postavam ou respondiam a anúncios de recrutadores como a revista “Soldier of Fortune”, fundada por Robert K. Brown, um ex-Boina Verde na guerra do Vietnã, que agia como intermediário “terceirizador” da CIA, à época pagando salários de até 2.000 dólares.
E então ocorreu uma curiosa e inédita façanha profissional.
Em um intervalo bem-vindo, porque relaxante, uma banda de jovens músicos de Semba –cujo nome não lembro, mas que poderia ter sido o Agrupamento Kissanguela – me convidou para acompanhá-la a uma estação de rádio de Luanda. O que fiz, gravando com o volumoso aparelho Nagra da emissora WDR, algumas de suas canções bailantes. Terminado o programa, me assaltou uma ideia, que deveria ter-me ocorrido antes: que tal se, dali daquela modesta emissora de Luanda, eu tentasse uma reportagem ao vivo para o noticiário da WDR na distante Alemanha? Mas será que a emissora dispunha de capacidade técnica para tanto, perguntei ao técnico do estúdio. Claro que sim, respondeu o angolano, mas alertando que uma chamada telefônica internacional seria muito cara, por isso teria que ser feita “de lá p ́ra cá”. E pediu-me o número de identificação internacional da WDR, que eu nem sabia o que era, mas que descobrimos em uma lista impressa. Pois eis que a WDR respondeu e no dia seguinte eu “estava no ar” para a audiência alemã. A primeira reação dos colegas “do lado de lá” não foi uma pergunta, mas uma insinuação: como é que eu conseguia falar de Luanda, se lá havia “censura”?
Questionamento que me fez rir, explicando que a cobertura da independência contava com dezenas, talvez centenas de correspondentes internacionais. Feito um resumo da situação em Angola, os colegas então questionaram: “E a invasão dos cubanos?”
Surpreso com a adjetivação, inspirei fundo, contei até 5 e repliquei que em Luanda não se via cubanos; o que era verdade, porque estavam espalhados fora da capital. Exliquei que haviam sido chamados para conter uma invasão – esta, sim, avassaladora - da África do Sul, e do Zaire, apoiada pelos EUA – por acaso na Alemanha não se sabia disso? Por alguns segundos fez-se silêncio “do lado de lá”, os colegas agradeceram a linha direta e desligaram o telefone.
Minha vontade de estender a permanência em Luanda crescia, mas eu sabia que em Köln o editor Peter Laudan olhava apreensivo para o calendário, que alertava os poucos dias faltantes para a transmissão do programa sobre a independência de Angola – programa de 60 minutos, que exigiria muito trabalho de tradução e edição.
A coroação da cobertura ocorreria um dia antes do retorno à Alemanha: uma entrevista histórica com o já renomado romancista luso-angolano Luandino Vieira. Após penar onze anos como preso político do MPLA em cárceres da ditadura Salazar - oito dos quais no Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde - ser libertado em 1972, mas submetido em Lisboa a regime de residência vigiada até 1974, Luandino regressara a Angola, onde fora nomeado diretor da TV Angolana. Inédita e exclusiva na imprensa brasileira e anexada a esta crônica, a entrevista seria publicada meses mais tarde pelo semanário O Pasquim com o título “Angola é o seguinte:
(https://memoria.bn.gov.br/DocReader/docreader.aspx?bib=124745&pesq=Luandino
%20Vieira&pagfis=12122) "
Frederico Füllgraf
Este é o Frederico que conheço: uma memória fotográfica, uma escrita irretocável, uma cultura que assusta qualquer grande intelectual. Já disse a ele que seu texto sempre faz a diferença, porque é brilhante. É um caleidoscópio de palavras com todas as geometrias da beleza.
ResponderEliminarAqui sou eu, Frederico, agradecendo à amiga e editora do blog, Maria José, pela gentil publicação, e ao amigo Manoel de Andrade por seu elogio, com palavras que recebo como estímulo e não como afagos à vaidade - palavras da pena, diga-se, de um dos mais viajados, sensíveis e expressivos rapsodos deste nosso Sul brasileiro, tão carente de luzes e criação. Abraços a ambos e às leitoras e leitores do Livres Pensantes.
ResponderEliminarTer-vos neste blog, Frederico e Manoel, além de uma honra é um imenso prazer .
ResponderEliminarAgradeço as vossas valiosas criações que nos enriquecem e deleitam.