segunda-feira, 3 de novembro de 2025

No 85º aniversário de Manoel de Andrade

  
Luís Represas (Trovante), em Perdidamente-Ser Poeta, 
poema de Florbela Espanca, Música de João 
Gil.
"Manoel de Andrade nasceu em Rio Negrinho, SC, Brasil, em 1940. Mudou-se  para Curitiba, onde permanece  e se formou  em Direito. Em 1965, recebe do Centro de Letras do Paraná, o 1º Prémio no Concurso de Poesia Moderna. Ainda em 1965, com Helena Kolody, João Manuel Simões , Paulo Leminski e outros participa na Noite de Poesia Paranaense, no Teatro Guaíra. Em 1968, a revista Civilização Brasileira publica a sua " Canção para os homens sem face" e junto com Dalton Trevisan (Prémio Camões 2012) e Jamil Snege é apontado, pela imprensa local, como um dos três destaques literários de 1968, no Paraná.
Perseguido pela ditadura, por fazer panfletagem do seu poema " Saudação a Che Guevara", é obrigado ao exílio, em Março de 1969. Peregrina pela América, escrevendo e divulgando os seus poemas. Em 1970, o seu primeiro livro, "Poemas para la libertad" , é publicado na Bolívia e, posteriormente, no Equador, nos Estados Unidos e na Colômbia,onde uma edição de 1.500 exemplares se esgotou em poucas semanas nas livrarias de Cali e Bogotá.
Ao longo da sua diáspora pela  América Latina,  as suas publicações eram rapidamente consumidas e o alcance da sua militância política como poeta pode ser avaliada pelo destaque que lhe deram os mais importantes jornais latino-americanos e as agências de informações , como a AP e a UPI.
É um poeta consagrado com vasta obra publicada, um nome maior da Literatura Brasileira.
Manoel de Andrade, em Lisboa-Portugal
Há alguns anos, numa entrevista que Manoel de Andrade deu para Oscar Ambrosio, da UNESP (Universidade Estadual Paulista),  quando lhe foi perguntado "O que é ser poeta?' respondeu o seguinte:

"Ser poeta ( ou escritor) é estar disposto a uma aventura imprevisível, uma viagem sem a certeza de um destino, porque o poeta é um ser desgarrado do mundo, vivendo no âmago de seu próprio desterro. É empunhar a bandeira da beleza num mundo cada vez mais cruel, marcado pela insensibilidade, pela irreverência, pelo hedonismo e por um consumismo alienante. Mas ainda assim é preciso encarar esse desafio. Para ser poeta é imprescindível ter sido bem amamentado pelo leite materno do idioma, para mergulhar no insondável oceano do conhecimento fazendo da leitura o seu pão de cada dia e assim descobrir o segredo das palavras, o poder mágico das metáforas, a estesia e o carinho do lirismo, e expressar este misterioso saber na sua criação literária.
Mas é também um processo de auto descobrimento. Um compromisso com o mundo, com a liberdade e o amor. Ser poeta é escavar na alma uma trincheira de esperança e conquistar o direito imperecível de sonhar.
A gente não se faz poeta, a gente nasce poeta e a poesia um dia surge misteriosamente neste mágico território do coração humano. O poema surge como uma brota, uma semente, como uma inquietude íntima, no significado misterioso de uma palavra, de uma frase, e é como uma gestação, um filho que palpita no útero da alma, que nasce um dia no primeiro verso, e não nos larga mais. Fica conosco dia e noite, semanas e ate meses até que possa estar emancipado para cumprir sua missão no mundo. Só então ele está realmente pronto, legitimado pelo encanto e só então podemos nos libertar de seu próprio encanto.
É assim que acontece comigo. Vivo e convivo intimamente com um poema, numa relação absoluta, mas só depois que ele realmente está pronto é que eu posso, finalmente, me libertar dele."

O Desterro dos Poetas
(excerto)

Viandantes milenares da estesia e do mistério,
hoje somos seres desgarrados e silentes.
Nossas imagens foram abatidas,
nossos símbolos calcinados,
globalizaram as metáforas,
plastificaram as rosas,
poluíram as estrelas.

Restou-nos o espanto e os pressentimentos,
e, nessa patética realidade,
entre rimas e a paixão pelo lirismo,
a poesia mendiga descalça pelo mundo,
trajando seu rosário de versos encolhidos.
Nossas páginas já não são abertas,
já não publicam nossos livros,
declamamos num palco de figurantes,
e ante os versos desse drama,
não há público nem aplausos...
Versejar é uma vocação solitária,
uma chama delirante que se apaga no coração dos homens.

Apesar de tanto desencanto,
nada vos direi que sonegue a esperança,
mas digo que os poetas jamais silenciarão seu canto,
porque ninguém poderá desterrar o sonho e a beleza
e porque sempre haverá um poema de amor a ser escrito.
Os poetas cantam desde a aurora dos tempos,
pela glória de Aquiles e pela paixão por Beatriz.
Cantam para gestar uma “Ode Triunfal”,
para compor “ Uma Canção Desesperada”,
ou para erguer uma bandeira libertária.
Manoel de Andrade, in As Palavras no espelho, Escrituras Editora, São Paulo, Brasil, 2018

Manoel de Andrade, no Castelo de Silves- Portugal
Aquando do 80º aniversário de Manoel de Andrade,  publiquei neste blog, o seguinte:
Manoel de Andrade é um poeta. Um poeta que jamais silenciará o seu canto. Tive o prazer de o conhecer através dessa música que é a poesia. E, quando os primeiros acordes me chegaram, soube que fora tocada pelo fulgor daquelas palavras. Vinham de um poeta que cantara uma Améríca Latina , pátria de todos os espoliados, vitima de uma liberdade roubada, de uma bandeira mutilada. Tirana, coartava a voz de quem a chorava . E Manoel de Andrade, o poeta que saíra do Brasil, de uma Curitiba aprisionada por uma Ditadura Militar, em exílio indesejado, caminhou pelos países que sangravam . Ai América,/que longo caminhar!//Eu venho com o trigo do meu canto/minha ternura aberta/e o meu espanto;/ e do fundo de mim e assombrado/e pelos meus lábios de vinho e gaivotas,/te trago o meu cantar de caminhante.//Para ti, amada minha,/para teu corpo de cansaço/e por tua fome/eu trago este meu verso frutecido.
Canção de Amor à América, poema desse belo livro (bilingue) ” Poemas para a Liberdade” , encontrei a essência libertária de um poeta que nunca mais deixei de saudar. Havia ,nesse canto profundo, o eco remoto de um passado quase irmão. Os anos da ditadura salazarista que se arrastaram por quatro décadas no meu país. Manoel de Andrade estendia a sua voz a todos os países agrilhoados da América Latina. Mas extrapolava-se nessa latinidade um velho clamor que era também nosso , de todos aqueles que viveram sem Liberdade. Este poeta teria estado entre nós, estudantes universitários, que na década de sessenta entoavam canções de protesto e desafiavam as forças da Pide. Seria um dos eleitos para o desafio que nos mobilizava. Descobri-o já a Democracia neste Portugal era uma verdade. Mas ao descobri—lo , soube que encontrara um arauto do tempo que todos nós ansiámos. O tempo de um sentimento global e fraterno da condição humana. Manoel de Andrade, brasileiro, lutava por uma bandeira libertária Latino-americana. Era o trovador, o semeador, o bardo que agregava, através do seu canto, os povos sem voz, acorrentados pelo poder de ditadores sem respeito pelo Homem, pela condição humana.
Manoel de Andrade acaba de fazer oitenta anos. Continua a escrever. Poeta, ensaísta, historiador é uma referência no mundo da Literatura. Tenho o imenso prazer de o ter como amigo. Visitou, por várias vezes, o nosso país. As suas palestras encantaram quem o escutou. É um exímio comunicador. Dele irradia o encanto dos homens inteiros e bons. Culto e loquaz, tem a sedução dos grandes poetas. É , no entanto, um homem simples que nos acolhe sem as pregas de qualquer vã fatuidade.
A Manoel de Andrade presto, com enorme apreço, a minha homenagem pela sua obra e louvo e exorto ao homem uma longa vida.
Parabéns, poeta amigo.


Hoje, redobro o prazer, o apreço por toda a obra deste grande poeta que continua a semear as palavras para encantar e libertar o homem . Saúdo o amigo que continua a dar-me a honra de um fraterno e frutuoso convívio.
No dia do seu 85º aniversário, é com inexcedível  ênfase que lhe presto a minha sempre rendida homenagem, sem esquecer as belas e ultimas palavras do seu poema "O Desterro dos Poetas":

Vos digo que num só “idioma” se entenderão os povos,
que a música renascerá na melodia,
que uma nova literatura deslumbrará a alma
e que o nosso canto, sedutor e palpitante, reviverá 
                                         [no coração dos homens.

5 comentários:

  1. Caríssima amiga Maria José Vieira de Souza, erudita e produtiva editora do Livres Pensantes!
    Recebo com humildade, alegria e gratidão esse original regalo pelo meu natalício. Que mais belo presente pode receber o coração de um poeta que as palavras escolhidas por um outro coração amigo. Não me lembro do ano em que nossos interesses literários “programaram” o encontro de nossa belíssima amizade e abriram, no teu Blogue, uma página luminosa para dar luz aos meus versos e espalhar, na magia da internet, os ecos de minha inspiração. E desde então, esse foi um tempo venturoso para nossas almas amigas. Tantos poemas publicados, pequenos ensaios e centenas de comentários que honraram minha presença nesse espaço de encanto que é o Livre Pensantes.
    Nunca me preocupei em ter uma biografia publicada na Internet, mas creio que este longo e pesquisado texto que você escreveu sobre minha trajetória de poeta já é suficiente para rastrear meus melhores passos pelo mundo. Eu nada peço da vida, pois só tenho a agradecer por tudo que recebi, e sobretudo, por Deus, me ter colocado na alma o dom da poesia. É desse mágico recanto que envio, com o lirismo dos meus versos, minha mensagem de amor, de paz e de esperança para o mundo, e de onde envio a ti, fraterna amiga, minha reiterada gratidão por festejar com um texto tão belo e para mim tão comovente, este dia e a minha nova idade.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A sabedoria é a maior herança que alguém pode receber de outrem. Diz-se que os poetas são os maiores sábios do mundo. E eu acredito. Sois o exemplo vivo dessa verdade. Mais ainda , se lhe acrescentarmos a humildade, a discrição, a simplicidade e a magia da palavra, sempre embrulhada numa profunda crença no Homem.
      Obrigada, poeta , por tanto ensinamento que tenho colhido em vós.
      Obrigada, poeta, por continuar indefectível na senda da utopia , na demanda de um mundo melhor.
      Obrigada , Manoel de Andrade, por tudo e pelo muito prazer e honra em tê-lo como amigo.

      Eliminar
  2. Manoel de Andrade, sublime poeta inspirado pela espiritualidade superior!

    ResponderEliminar
  3. excelente trabalho seu Manoel, parabéns que Deus te abençoe sempre.

    ResponderEliminar
  4. EIS , A NOSSA "LENDA VIVA"

    ResponderEliminar