sábado, 29 de março de 2025

O Amor

 O amor  
por Marguerite Duras
«Um homem.
Um homem de pé, olhando: a praia, o mar. O mar está baixo, clamo, a estação indefinida, o tempo, lento.
O homem está em cima de um estrado de madeira, ao longo da praia.
Veste um fato sombrio. Tem um rosto distinto.
Os seus olhos são claros.
O homem não se mexe: olha.
O mar, a praia, há poças, superfícies isoladas de água morta.
Entre o homem que olha e o mar, junto do mar, alguém caminha. Um outro homem. Veste um fato sombrio. Mas a esta distância não se lhe distingue o rosto. Caminha, afasta-se e volta, torna a partir, a voltar, num caminhar longo, monótono.
Algures na praia, à direita daquele que olha, um movimento luminoso: uma poça esvaindo-se, uma fonte, um rio, rios, ininterruptamente, alimentam o sorvedouro de sal.
À esquerda, uma mulher de olhos fechados. Sentada.
O homem que caminha olha, olha apenas a areia à sua frente. Tem um andar incessante, regular, longínquo.
O triângulo fecha-se com a mulher de olhos fechados, sentada contra um muro que separa a praia do fim da cidade.
O homem que olha está entre esta mulher e o homem que caminha junto ao mar.
Como o homem caminha, persistente, com igual lentidão, o triângulo forma-se e deforma-se, sem nunca se quebrar.
Este homem tem o passo regular dum prisioneiro.
O dia morre.
O mar, o céu ocupam o espaço. Ao longe, o mar já está oxidado pela luz obscura. E o céu também.
Três. São três pessoas na luz obscura, na rede lenta.”
Marguerite Duras,
in  O amor, Editorial Presença, Abril de 1999 
Marguerite Duras. Foto de Ralph Gibson

Sobre a autora
"Marguerite Duras nasceu em Gia Dinh, na  Indochina  (agora  Vietnam),  em  1914,  onde  passou  a  infância  e  a adolescência.  A autora irá ficar profundamente marcada pela paisagem e pela vida da antiga colónia francesa, frequentemente referidas na sua obra literária.
O pai morreu quando tinha quatro anos de idade, e a  mãe, uma professora, lutou arduamente para criar três  filhos  sozinha.
Durante   a  adolescência,  Marguerite  Duras  teve  um  caso  com  um  homem  chinês  rico  e  retorna mais tarde a este período nos seus livros  (nomeadamente  O Amante e  O Amante da China do Norte). Aos 17 anos viajou para França, onde estudou Direito e Ciência Política no Sorbonne, formando-se em 1935.
Durante a II Guerra Mundial, Marguerite Duras tomou parte da Resistência Francesa, filiando-se também no partido comunista. Publica os  primeiros livros em 1943 e 1944, Os Imprudentes e A Vida Tranquila, respectivamente. A partir de 1959 começa também a escrever argumentos para o cinema, dos quais Hiroshima meu amor é sem dúvida o mais conhecido e marcante.  Em 1950, com Uma barragem contra o Pacífico, Duras esteve muito próxima de ganhar o Prémio Goncourt. É, no entanto,  apenas trinta anos depois que a injustiça lhe é reparada, ganhando o prémio por unanimidade com o romance O Amante. É uma autora muito fértil, com uma obra literária vastíssima, desde os romances aos argumentos cinematográficos. Afirma-se sempre com um estilo de beleza inconfundível, num tom duro e denso, por vezes até um pouco inacessível, mas sempre numa expressão profundamente genuína e humana das paixões, grandezas e misérias da vida. Marguerite Duras é por excelência uma escritora da condição humana, mas contudo não procura utilizar a escrita como forma de redenção e/ou salvação; antes, a escrita é uma exigência urgente, um valor supremo em que reside, uma vontade bruta de falar de si. As suas obras estão repletas de descrições belíssimas e soberbamente envolvidas na ambiência exótica da paisagem oriental, não sem deixarem reconhecer uma intensidade angustiada e desesperada, oriunda de uma constante luta da autora com as questões do amor e da morte."
O amante da China do Norte

«É um livro.
É um filme.
É a noite.

A voz a falar aqui é a voz escrita do livro.
Uma voz cega. Sem rosto.
Muito nova.
Silenciosa.

É uma rua a direito. Iluminada por candeeiros a gás.
Empedrada, dir-se-ia. Antiga.
Ladeada por árvores gigantes.
Antiga.
Marguerite Duras

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