por Marguerite Duras
«Um homem.
Um homem de pé, olhando: a praia, o mar. O
mar está baixo, clamo, a estação indefinida, o tempo, lento.
O homem está em cima de um estrado de
madeira, ao longo da praia.
Veste um fato sombrio. Tem um rosto distinto.
Os seus olhos são claros.
O homem não se mexe: olha.
O mar, a praia, há poças, superfícies
isoladas de água morta.
Entre o homem que olha e o mar, junto do mar,
alguém caminha. Um outro homem. Veste um fato sombrio. Mas a esta distância não
se lhe distingue o rosto. Caminha, afasta-se e volta, torna a partir, a voltar,
num caminhar longo, monótono.
Algures na praia, à direita daquele que olha,
um movimento luminoso: uma poça esvaindo-se, uma fonte, um rio, rios,
ininterruptamente, alimentam o sorvedouro de sal.
À esquerda, uma mulher de olhos fechados.
Sentada.
O homem que caminha olha, olha apenas a areia
à sua frente. Tem um andar incessante, regular, longínquo.
O triângulo fecha-se com a mulher de olhos
fechados, sentada contra um muro que separa a praia do fim da cidade.
O homem que olha está entre esta mulher e o
homem que caminha junto ao mar.
Como o homem caminha, persistente, com igual
lentidão, o triângulo forma-se e deforma-se, sem nunca se quebrar.
Este homem tem o passo regular dum
prisioneiro.
O dia morre.
O mar, o céu ocupam o espaço. Ao longe, o mar
já está oxidado pela luz obscura. E o céu também.
Três. São três pessoas na luz obscura, na
rede lenta.”
Marguerite Duras, in O
amor, Editorial Presença, Abril de 1999 Sobre a autora
"Marguerite Duras nasceu
em Gia Dinh, na Indochina (agora Vietnam), em
1914, onde passou a infância e a
adolescência. A autora irá ficar profundamente marcada pela paisagem e
pela vida da antiga colónia francesa, frequentemente referidas na sua obra
literária.
O pai morreu quando tinha quatro anos de
idade, e a mãe, uma professora, lutou arduamente para criar três
filhos sozinha.
Durante a
adolescência, Marguerite Duras teve um caso
com um homem chinês rico e retorna mais
tarde a este período nos seus livros (nomeadamente O Amante e O
Amante da China do Norte). Aos 17 anos viajou para França, onde estudou
Direito e Ciência Política no Sorbonne, formando-se em 1935.
Durante a II Guerra Mundial, Marguerite Duras tomou parte da Resistência
Francesa, filiando-se também no partido comunista. Publica os primeiros livros em 1943 e 1944, Os
Imprudentes e A Vida Tranquila, respectivamente. A partir
de 1959 começa também a escrever argumentos para o cinema, dos quais Hiroshima
meu amor é sem dúvida o mais conhecido e marcante. Em 1950,
com Uma barragem contra o Pacífico, Duras esteve muito próxima de
ganhar o Prémio Goncourt. É, no entanto, apenas trinta anos depois que a injustiça lhe
é reparada, ganhando o prémio por unanimidade com o romance O
Amante. É uma autora muito fértil, com uma obra literária vastíssima,
desde os romances aos argumentos cinematográficos. Afirma-se sempre com um
estilo de beleza inconfundível, num tom duro e denso, por vezes até um pouco
inacessível, mas sempre numa expressão profundamente genuína e humana das
paixões, grandezas e misérias da vida. Marguerite Duras é por excelência uma
escritora da condição humana, mas contudo não procura utilizar a escrita como
forma de redenção e/ou salvação; antes, a escrita é uma exigência urgente, um
valor supremo em que reside, uma vontade bruta de falar de si. As suas obras
estão repletas de descrições belíssimas e soberbamente envolvidas na ambiência
exótica da paisagem oriental, não sem deixarem reconhecer uma intensidade
angustiada e desesperada, oriunda de uma constante luta da autora com as
questões do amor e da morte."
O amante da China do Norte «É um livro.
É um filme.
É a noite.
A voz a falar aqui é a voz escrita do livro.
Uma voz cega. Sem rosto.
Muito nova.
Silenciosa.
É uma rua a direito. Iluminada por candeeiros a gás.
Empedrada, dir-se-ia. Antiga.
Ladeada por árvores gigantes.
Antiga.
Marguerite Duras
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