LIVRES PENSANTES

"A coisa mais indispensável a um homem é reconhecer o uso que deve fazer do seu próprio conhecimento" Platão

quarta-feira, 24 de maio de 2023

Celebrar o 93º aniversário de Eugénio Lisboa

Eugénio Lisboa , em Moçambique ,1957
 
As datas servem para isto mesmo: para se tornarem pretextos em que se pendure o nosso desejo de relembrar.
               Eugénio Lisboa, "Ler Régio"

Eugénio Lisboa   nasceu a 25 de Maio de 1930, em Lourenço Marques, Moçambique. Eis uma data em que um imenso desejo de relembrar é um pretexto inadiável.  Eugénio Lisboa completa 93 anos.  
Sem nunca ter interrompido  uma longa e profícua produção literária, Eugénio Lisboa é o mais importante  vulto da  Cultura, na actualidade portuguesa. Tem sido uma voz firme, interventiva , sólida em aprofundado saber que  tem permitido a várias gerações aceder ao conhecimento de movimentos, inúmeras obras literárias e de tantos outros  autores através dos seus mais variados estudos e críticas literárias.  
T.S. Eliot  afirmou que : "Tal como Democracia , a palavra Cultura precisa não só de ser definida mas também ilustrada , cada vez que a empregamos". Ora, o autor da  magnânima  "Acta est Fabula" nunca cessou de ser ilustrado. Há depoimentos registados de muitos escritores, analistas sobre  a sua obra , o seu profundo saber e  singular erudição. 
De entre tantos, consideramos extrair um exemplificativo texto , que faz parte  , entre muitos,  de uma homenagem que  foi prestada a Eugénio Lisboa pela Universidade de Aveiro, onde foi Professor, no seu 80º aniversário,  registada no livro Eugénio Lisboa, vário, intérprido e Fecundo -  Uma Homenagem.
É ab imo  core que nos juntamos a esse coro de grande apreço pelo Professor, pelo ensaísta, pelo  crítico literário, pelo memorialista, pelo diarista, pelo poeta, pelo homem, pelo amigo para lhe apresentar os nossos mais reiterados votos de felicitações  e a nossa profunda gratidão.
Eugénio Lisboa com o casal Eduardo Lourenço e respectiva mulher.
EUGÉNIO LISBOA
- UMA VOZ PRESENTE
por Guilherme D’Oliveira Martins
“Eugénio Lisboa é um ensaísta singularíssimo. Ao longo da sua vida tem sido um incansável estudioso do segundo modernismo português e da nossa cultura, com especial atenção para José Régio. Contudo, é um escritor multifacetado, com luz própria, com uma sensibilidade e uma argúcia dignas de referência especial. Com inteligência fina, tem sabido aliar a grande erudição à capacidade de compreender a realidade literária, cultural e social, distinguindo o que tem valor do que não tem. Percebe-se bem que Eugénio Lisboa apreende, com grande lucidez, os valores seguros, isto é, o que tem condições para ficar para além do sucesso efémero e passageiro. Há dias, falando de lusofonia, perguntavam-me sobre as grandes referências da literatura de Moçambique – e não tive dúvidas em referir, com Craveirinha e Mia Couto, o magistério fundamental de Eugénio Lisboa e de Rui Knopfli. E se me lembrei da relevância literária de ambos , nomes de primeira grandeza na idiossincrasia moçambicana , não me esqueci ainda da memória saudosa de ffernando Gil, filósofo relevante  no panorama contemporâneo , nado e criado no cadinho moçambicano

UMA VOZ INDEPENDENTE
Eugénio desde sempre afirmou-se como uma voz independente, não vulnerável a tendências ou modas. Sendo engenheiro de formação, soube ligar um sentido prático da vida à consideração da cultura como o modo mais sublime de dominar a natureza. Não há, pois, dois compartimentos na vida do intelectual – o engenheiro e o escritor completam-se naturalmente. Conheci-o em Londres e depressa percebi que nos iríamos dar muito bem, o que de facto tem acontecido. Temo-nos encontrado muitas vezes (desde a UNESCO às batalhas da cultura e da cidadania, passando pelos amigos comuns) e a empatia é natural, por convergência de valores e preocupações, de atitude e de obrigação crítica. Desconfio das torres de marfim, e Eugénio Lisboa também. As suas conferências, os seus ensaios, as suas críticas têm sempre algo de muito especial e próprio. Cada citação, cada referência corresponde à ênfase necessária e adequada de um sentido crítico. Nunca vi em Eugénio Lisboa uma concessão ao fácil, ao imediato ou à tendência do momento. E em momentos cruciais, usufruímos do seu acutilante sentido crítico, em termos que conduzem a que o tempo lhe dê razão, apesar das perplexidades imediatamente sentidas. No fundo, é um justo, que procura dizer o que pensa e o que sente, mesmo que não seja compreendido no curto prazo ou surpreenda pela rispidez da crítica. E o certo é que a sua fidelidade a José Régio e à “presença” tem correspondido a um equilíbrio sábio entre o reconhecimento da importância dessa plêiade e a capacidade para perceber quer fragilidades ou limitações quer a força inovadora e a perenidade desse grupo que tornou possível a projecção universal do “Orpheu” e de Fernando Pessoa. Hoje, é natural sentirmos que o primeiro modernismo português se afirmou por si, graças à genialidade do poeta dos heterónimos e à relevância dos seus companheiros, no entanto a qualidade dos animadores da “presença” permitiu a compreensão (e a projecção) da riqueza excepcional do grupo do “Orpheu”. Eugénio Lisboa entendeu-o bem – pondo a tónica na continuidade e na descontinuidade dos dois modernismos: continuidade no assumir da modernidade, descontinuidade na tensão entre os diferentes caminhos dos dois grupos. De facto, a vida é sempre feita do que flui e do que se interrompe , do que segue e do que se transforma. E manda a verdade que se diga  que o primeiro modernismo , valendo por si, e pela força vulcânica ,ganhou novo impulso com o segundo movimento que teve Régio como epicentro.
 
UMA ATITUDE SERENA
A propósito da célebre consideração de Eduardo Lourenço sobre o alegado «contra-revolucionarismo» de Régio, Eugénio Lisboa usa com rigor  a " broca de análise" e não se deixa arrastar por qualquer simplificação cutânea. E se fala de simplificação do ensaísta de “Labirinto da Saudade”,  demarca-se de João Gaspar Simões numa certa obsessão de desagravo, já que para uma polémica ser interessante e rica é preciso que os argumentos sejam sólidos, em lugar de uma interpretação nominalista, mais baseada em supostas intenções do que na exigência crítica… Hoje sabemos que Eduardo Lourenço não quis dar um sentido político (em sentido lato) à sua apreciação, mas quis porventura salientar a diferença entre o carácter radicalmente inovador do “Orpheu” e um sentido de revisitação e de projecção da “presença”. 
A «contra-revolução» é nitidamente metafórica ou literária, sem o alcance pejorativo que Gaspar Simões julgou. E Eugénio Lisboa entendeu-o com clareza, defendendo, assim, muito mais eficazmente José Régio. “Comparando o ‘Orpheu’ e a ‘presença’, (diz Eugénio Lisboa) poderíamos resumir o confronto numa fórmula talvez sumária mas com algo de verdadeiro: o primeiro modernismo foi um momento de convulsão e o segundo um momento de reflexão e consolidação” («José Régio ou a Confissão Relutante», s.d., 1988). Depressa percebemos que é fundamental não misturar planos nem ferver em pouca água. 
 A convulsão e a consolidação são diferentes , disso não há dúvidas, mas uma e outra ligam-se e completam-se, mesmo que a distância seja grande. E se ligarmos  o ‘Orpheu’ e a ‘presença’, temos de dizer , sem grandes hesitações , que as síntese são muito ricas.
 
ORIGINALIDADE E SINCERIDADE
Eugénio Lisboa procura ser fiel (com inteligência e sem cedências quanto à independência crítica) a uma preocupação de Régio, bem patente no citadíssimo artigo de fundo do primeiro número da “presença” (“Literatura Viva”) – “pretendo aludir (…) a dois vícios que inferiorizam grande parte da nossa literatura contemporânea, roubando-lhe esse carácter de invenção, criação e descoberta que faz grande a arte moderna. São eles: a falta de originalidade e a falta de sinceridade”. Enquanto a originalidade tem a ver com “dizer aquilo que nós realmente pensamos”, a sinceridade é um corolário dessa atitude fundamental, em nome da coerência entre pensamento e arte. 
E manda a verdade que se diga que Eugénio Lisboa é um mestre da clareza, ( valor fundamentalíssimo, num tempo em que tanta gente se esquece das ideias claras e distintas), que nos ensina e ler e a dizer o que se pensa do que se leu, em vez de fazer exercícios de estilo («acrobacias neogongóricas ou sistemáticos estupros»)  para dissimular ou esconder – porque se não leu, ou porque não se compreendeu. E os dois vícios, contra os quais Eugénio Lisboa se tem erguido, são muito mais comuns do que se possa julgar. Por isso, a primeira lição do mestre, parte do que dizia Spitzer – a regra de ouro da análise crítica é “ler, ler e ler” - «ler com atenção despreconcebida. Ler aguardando, sem a malícia de um programa prévio» (in Pórtico de «As Vinte e Cinco Notas do Texto», INCM, 1987). 
E este entendimento é fundamental, uma vez que através de Eugénio Lisboa sabemos com o que contamos. Sabemos que é um leitor criterioso, que nos dá a sua perspectiva, exigindo que ao lermos sejamos fiéis a um sentido crítico pessoal e próprio. Percebe-se, pois, porque insisto que não há dois Eugénios, escritor e engenheiro, há uma personalidade coerente e rigorosa, em que o engenheiro e o homem de cultura formam um só carácter. 
E sobre essa coerência ( que tanto preza , e nós nele) oiçamo-lo ainda: “há hoje uma espécie de receio neurótico da clareza, que anda, penso eu, a pedir diagnóstico. Dizia Vauvenargues que a clareza é a boa fé dos filósofos, que é como quem diz: quem não deve não teme. Eu diria, com maior atrevimento, que o desejo da clareza é a pedra de toque da boa fé de quem quer que se exprima” (Idid.). 
E António Sérgio vem à baila, com a conhecida afirmação de pedagogo: “Não confundamos. Um eclipse do sol é uma escuridão; mas a teoria dos eclipses é uma doutrina clara”… Se o poeta pode ser obscuro, o crítico tem de ser claríssimo. E neste mês em que assinalamos os cem anos da morte de Tolstoi, podemos citar o escritor russo: “Não alcançamos a liberdade, buscando a liberdade, mas sim a verdade. A liberdade não é um fim, mas uma consequência”. O ofício de ler é a grande exigência de Eugénio Lisboa, que o tempo tem revelado como lição perene e necessária. Insistir em ler é, contudo, pedir o essencial, para que a rama não ocupe o âmago da vida. E que melhor ensino podemos tirar de um mestre senão o culto das ideias claras e distintas? Muitos parabéns Querido Amigo!  "    
                                               Lisboa, Janeiro de 2010
                                                                              Guilherme d'Oliveira Martins

Texto publicado, em Eugénio Lisboa, vário, intérprido e Fecundo -  Uma Homenagem, organização de Otília Martins e Onésimo Teotónio Almeida, Editora Opera Omnia, Outubro de 2011, pp.151-155
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Até breve!

"O português não sabe guardar segredos , depois ou diz a verdade em que ninguém acredita  ou os que não acreditam inventam um boato com base na verdade. É assim , é assim mesmo, são quase oito séculos de História corcunda ."
Ruben A., in "Kaos", Assírio&Alvim, Lisboa , 2003

Tinha  pensado limitar  este post  , ao anúncio de uma pausa a ser iniciada hoje. No entanto, sem qualquer esforço,  chegaram-me  , de supetão , estas ilustres  palavras do saudoso Ruben A.  Sem pretender explicar a razão de tal reminiscência , remeto-a   para o momento  que se vive em Portugal,  como a possível causa mais próxima.
Assim, uma pausa de Livres Pensantes é talvez  uma boa escolha e um bom pretexto para retemperar a energia .  Regressar num futuro próximo é uma aposta que se deve à vossa zelosa  atenção de que somos  gratos. Até breve! 

NOTA:
Livres Pensantes publica, hoje e em antecipação,   uma pequena  homenagem a Eugénio Lisboa, cujo 93º aniversário se celebra amanhã , dia 25 de Maio.
Eugénio Lisboa é um nome maior da Literatura Portuguesa. Muito nos tem honrado a sua quase diária contribuição literária neste blog.
Saudamo-lo com todo o nosso apreço e amizade. 
Bem-haja.
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Uma voz e dois poemas

A voz de Amélia Muge deu som ao belíssimo poema de Eugénio Lisboa para tecer uma magnífica canção: Transparência.

Morrer é só não ser visto,
é sair de ao pé de ti,
apagar-me em tudo isto,
deixar de ver o que vi.

Morrer é não estar em ti,
e mais do que não te ver,
é não ser visto por ti,
no deserto do não ser.

Morrer é como apagar-se
a chama que houve em nós,
é uma espécie de ficar-se
vazio da própria voz.

Vive o amor da atenção
que se tem por quem se ama.
Mas a morte atiça em vão
o fio que não dá chama.

Morrer é só não ser visto,
é passar a pertencer
a um livro de registo
que guarda o nosso não-ser.
Eugénio Lisboa

Poema cantado por Amélia Muge no álbum “Não sou daqui" acompanhada por José Peixoto (guitarra acústica), Yuri Daniel (contrabaixo e baixo eléctrico), Catarina Anacleto (violoncelo), Filipe Raposo (piano e acordeão), José Manuel David (sopros) e Carlos Mil-Homens (cajón).
A música é de Amélia Muge, o arranjo de António José Martins, a produção de Amélia Muge/António José Martins

Ainda a bela voz de Amélia Muge, em cantando Entre o deserto e o deserto, poema  de António Ramos Rosa. 

Entre o deserto e o deserto
numa viagem sem destino
procuras a água e o vinho
nenhuma pista nenhum signo

vivo de pouco ou de nada
sem nunca ter um lugar
sempre a insónia mais branca
e a sede de um novo ar

escurece já o olvido
e é noite quando amanhece
nenhum barco traz aquela
por quem a escrita se tece

talvez esteja perdido
como um náufrago na areia
talvez me reste a canção
e o vento que desenleia

Entre o deserto e o deserto
Entre o deserto e o deserto
António Ramos Rosa

* [Créditos gerais do disco:]
Amélia Muge – voz, voz de sala, coros e viola braguesa
António José Martins – darbuka, triângulo, bombo, bendir, estalo, djembé, bilha, maraca, chiquitsi, voz de sala, amostrador e sintetizador
Carlos Mil-Homens – cajón
Catarina Anacleto – violoncelo
Filipe Raposo – piano acústico, piano Rhodes e acordeão
José Manuel David – flautas transversal e de bisel, tarota, trompa, garrafas e voz de sala
José Peixoto – guitarra acústica sem trastos
Yuri Daniel – contrabaixo e baixo eléctrico
Arranjos – António José Martins, José Manuel David e Filipe Raposo (partes de piano, acordeão e trompa)
Direcção musical – António José Martins
Produção – Amélia Muge e António José Martins
Gravado por Samuel Henriques no Estúdio MDL, Paço d'Arcos (voz, piano, baixo, contrabaixo e cajón) e por António José Martins no estúdio da ETIC (Escola de Tecnologias Inovação e Criação), Lisboa, e no AJM Estúdio, Sobreda
Misturado e masterizado por António Pinheiro da Silva e António José Martins, no Estúdio Pé-de-Meia
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terça-feira, 23 de maio de 2023

Terminologias intrigantes

 
Terminologias intrigantes
por Eugénio Lisboa
“No actual duelo crispadíssimo entre os sociais democratas e os socialistas, mas também, de uma maneira geral, nos confrontos entre estes dois partidos, anda-se a dar como assente que se trata de uma confrontação entre a direita e a esquerda. Isto deixa-me profundamente intrigado, porque o próprio líder do PSD se assume como parte dessa direita, embora, ambiguamente, apenas rejeite aliar-se à extrema direita.
Em primeiro lugar, não me parece que um partido que se intitula “social democrata” se possa ter como de direita. Em seguida, um dos fundadores ainda vivo, o Dr. Pinto Balsemão, ainda há bem pouco tempo sublinhou bem claramente que o PSD era um partido do centro-esquerda. Pergunto: o Dr. Luis Montenegro revê-se nisto? Sá-Carneiro considerava o seu partido como sendo de centro-esquerda e, num cartaz eleitoral, não há muito publicado por Pacheco Pereira, o PSD de Sá-Carneiro ia até ao ponto de se considerar “socialista”. O Dr. Luís Montenegro revê-se nisto? A qualificação de “social-democrata” causa-lhe desconforto? Se causa, por que não propõe mudar-lhe o nome? Ou a ambiguidade é um modo de vida?
Seria muito importante que, antes das próximas eleições legislativas, os eleitores ficassem a saber, sem quaisquer dúvidas, se o PSD é o partido de centro-esquerda de Balsemão e Sá-Carneiro ou o partido aparentemente de direita de Luís Montenegro. A zanga, o desprezo e o acinte com que alguns gurus do PSD, incluindo o seu líder, se referem aos socialistas (como se estes tivessem lepra), leva-me a crer, com sólido fundamento, que o seu universo é de direita e mesmo de uma direita não particularmente moderada. E, seguramente, nada tranquila.
Seja como for, é importante que as palavras sejam utilizadas com todo o peso que têm e eu nunca tive conhecimento de uma social democracia que fosse de direita. A claridade de escrita não deve ser a boa fé só dos filósofos. Também fica bem aos políticos.

NOTA FINAL: Não sou nem nunca fui filiado em partido nenhum. Mas se tivesse de escolher entre o de Sá-Carneiro e o de Montenegro, não hesitaria. Montenegro não dá qualquer garantia de se poder vir a preocupar com o bem estar dos portugueses.
Torna-se óbvio que está apenas interessado na felicidade de ALGUNS portugueses.”
Eugénio Lisboa, 23.05.2023
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Pátios e Vilas de Lisboa


Pátios e Vilas de Lisboa - Bairro Alto/Chiado
O Centro Nacional de Cultura propõe um percurso pela zona do Bairro Alto / Chiado, onde os recantos se sucedem (alguns escondidos) e convidam a descansar e apreciar a cidade.
Durante o mês de junho, os pátios de Lisboa são percorridos por milhares de pessoas, os enfeites e rebuliço, próprios dos festejos dos Santos Populares, devolvem à comunidade uma característica única, tornando-os em motivo de orgulho para quem lá vive e para quem escolhe passar por lá.

Pontos de Interesse:

Pátio dos Quintalinhos
Pátio com entrada pela rua das Escolas Gerais. É um local de grande significado histórico visto ter sido aí fundado a primeira universidade em Lisboa a mando do rei D.Dinis, em 1290. A origem do nome não é explícita, mas poderá dever-se ao facto de ter existido na zona diversos quintais de edifícios. É muito provável que após a cessação da universidade o local tenha sido ocupado pela população. O pátio tem acesso através de um portal aberto no muro alto; no interior, no topo do lado direito, encontravam-se as fundações da universidade, no entanto, são pouco os vestígios que chegaram até nós, embora identificados e inventariados no século passado.

Pátio do Palácio dos Almadas Carvalhais
Palácio mandado construir, no séc. XVI, pelo banqueiro Rui Fernandes de Almada, com algumas modificações no século posterior. O pátio fica no meio do edifício, de influência genuinamente italiana, sendo necessário por isso, percorrer um túnel em rampa para o avistar. No seu interior encontram-se decorações nos capitéis, bases de motivos vegetalistas e representações simbólicas da iconografia apocalíptica, muito do agrado do banqueiro. Este pátio é sem dúvida um dos mais belos recantos de Lisboa mas necessita de facto de uma intervenção para a sua conservação.
Pátio da Galega
Situado na Rua da Boa Vista, é à semelhança do primeiro, um dos pátios da era pombalina, sendo formado por um beco aberto entre dois prédios em forma de T. A particularidade deste pátio é o recato proporcionado pela altura das construções vizinhas fornecendo uma sombra agradável nos quentes meses de verão. O beco que lhe dá acesso é formado por um túnel encimado por um arco.

Pátio da Cova
Este pátio parece datar dos finais do séc. XIX, precisamente do ano 1877, visto que ali se estabeleceu uma oficina de fundições. O acesso é providenciado pelo corredor criado por uma série de andares dos anos 30 e 40. De realçar no pátio, o palacete do século XVII, solar dos Marqueses de Sampaio, de estilo maneirista com frontão triangular interrompido, e ainda os vestígios arqueológicos da época romana. Hoje, infelizmente, o palácio encontra-se ao abandono, urge recuperar uma parte significativa da história da cidade.

Pátio da Encarnação
No plano de reconstrução da baixa pombalina devido à sua estrutura rígida, de valorização dos espaços amplos e organizados não contemplou os espaços característicos dos pátios, no entanto é possível encontrar exemplos desse tipo ocultos à vista desarmada. O pátio da Encarnação, é um corredor que acompanha as paredes laterais da Igreja da Encarnação em forma de ziguezague, terminando num pequeno recinto. De notar ainda o pavimento embelezado com uma calçada portuguesa de motivos geométricos.

Pátio do Correio Geral
Situado entre a Rua do Século e a Rua das Mercês. O Palácio construído nos finais do séc. XVIII, como muitos foi transformado em habitação comunitária. O pátio comunica com o exterior por intermédio de um túnel surpreendendo com um amplo espaço cujo traçado inclui influências italianas e francesas. Tornado auto suficiente com a instalação de lojas de comércio para abastecer os moradores.

Pátio do Curvo
Tem acesso pela rua do Paraíso. Considera-se como uma dependência do palácio que se encontra defronte e que pertenceu aos Curvos Semedos, hoje totalmente descaracterizada. Para ter acesso ao pátio é necessário envolver-se num corredor em forma de cotovelo. O interior esconde vestígios quinhentistas numa das habitações de dois pisos que possui uma escadaria em pedra.

Publicação  e Promoção do:
Centro Nacional de Cultura
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Feira do Livro de Lisboa 2023

 
93.ª edição da Feira do Livro de Lisboa 2023
25 maio a 11 junho 2023
Parque Eduardo VII
“A Feira do Livro de Lisboa, situada no Parque Eduardo VII, harmoniosa convivência dos livros com a natureza circundante, tornou-se num evento anual insubstituível na programação cultural da cidade de Lisboa.
Após três anos forçada a realizar-se fora do seu calendário habitual, a Feira regressa ao parque entre os 25 de Maio e 11 de Junho. Esta edição conta com 981 marcas editoriais representadas por 139 participantes – incluindo seis novos – distribuídos por 340 pavilhões e um renovado Espaço dos Pequenos Editores.
Com parcerias renovadas e novas atrações, a programação cultural é o ponto alto do evento. A presença de vários autores internacionais e a realização de mais de 2000 eventos, tornam o Parque Eduardo VII no local de encontro ideal para as várias gerações se relacionarem com a literatura, o livro, e os escritores.
Este ano a organização focou-se na consolidação do novo modelo de Feira, com melhorias funcionais e maior área de exposição nos pavilhões. Em comunicado de imprensa, a APEL refere que “o famoso passadiço foi atualizado, com mais zonas de estar e de sombra, o reposicionamento de alguns equipamentos de apoio, novos conceitos de restauração, com maior diversidade, acessos aos pavilhões revistos e instalações sanitárias do evento reforçadas com mais equipamentos para pessoas de mobilidade reduzida, completam as melhorias desta edição”. Para celebrar os livros à sombra das arvores. [texto: Luís Eça/ACL]
 
Segunda a quinta, das 12h30 às 22h | sextas-feiras e vésperas de feriados, das 12h30 às 23h | sábados, das 11h às 23h | domingos e feriados, das 11h às 22h
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Labels: Feira do Livro de Lisboa 2023.

segunda-feira, 22 de maio de 2023

O gato é quem mais ordena

Repousada no meu computador,
a minha gatinha Ísis, repete-me,
com assertividade e sem pudor,
que eu preciso dela e compete-me
 
em tudo, mas em tudo, obedecer
às suas directivas de felino.
Só assim, felicidade e saber
serão, de certeza, o meu destino.
 
Ao ocupar o meu computador,
com ar assertivo e ditador,
está simplesmente a explicar
 
que o que importa não é teclar:
o gato é quem mais ordena,
tudo dirige e tudo coordena!
                         22.05.2023
Eugénio Lisboa
 
 
Nota importante: A Ísis leu este poema e está, na generalidade, de acordo com ele. Mas fez um pequeno reparo: teclar não é de facto o importante, a não ser que se trate de teclar um soneto sobre ela ou outro qualquer felino.
 
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Labels: Literatura Portuguesa. Poemas. Poesia. Eugénio Lisboa em soneto inédito: " O gato é quem mais ordena".

O que fica por dizer

 
O que fica por dizer
por Eugénio Lisboa
 
Um homem é mais homem por aquilo que cala do que
por aquilo que diz.
                                                           Albert Camus
 
“ Os grandes escritores dizem muito mas calam mais do que dizem. É contra o pano de fundo do seu obstinado silêncio, que se destaca melhor o cintilar inquietante das palavras ditas. O que dizem pressupõe, com estremecimento, o que ficou por dizer.
Régio – e não só ele – passou a vida a confessar-se e a sugerir, sibilinamente, que calava mais e melhor do que aquilo que ousava dizer. Que o que dizia era apenas a ponta visível de um enorme iceberg. Que o que dizia era sobretudo um modo de esconder o que não dizia. Nada mais de desconfiar do que uma confissão, mesmo ardente. Quem se confessa também se esconde. É neste cache-cache que se movimenta – e secretamente se diverte – o instinto criador. Declarar que vai “dizer tudo” é um truque do departamento de publicidade que o escritor traz consigo. E é talvez um modo enviesado e pérfido de dar a entender que vai esconder muito mais do que vai dizer. Homero avisava que os poetas mentem muito. A mentira é um seu essencial utensílio de trabalho. Tenta penetrar no que não digo e analisa com cuidado o que digo. Tolstoi pregava freneticamente a castidade, enquanto assaltava sexualmente a mulher, com uma repetida gula que a importunava. A sua célebre e panfletária SONATA A KREUTZER (título roubado a Beethoven) é para ser lida sob suspeita.
Os versos de Régio, colhidos, curiosamente, num livro intitulado BIOGRAFIA -  “Que eu vivo a expor minh’alma nas estradas / Com chagas inventadas retocadas / Para esconder bem fundo as verdadeiras” – estão longe de denunciar apenas o percurso singular do autor de HISTÓRIAS DE MULHERES. Elas aplicam-se igualmente e talvez paradoxalmente, a todos os grandes confessados da literatura universal, não excluindo nem Santo Agostinho nem o turbulento Jean-Jacques Rousseau. As entrelinhas das grandes confissões estarão prodigiosamente ricas de surpresas.”
Eugénio Lisboa,  21.05.2023
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domingo, 21 de maio de 2023

OUT OF AFRICA

           Out of Africa , filme de Sydney Pollack,  
       com banda sonora de John Barry

OUT OF AFRICA
 
Em África, levantar cedo era
ver o mundo pela primeira vez,
era como se, antes, nada houvera,
com tudo a nascer, em grande avidez.
 
A África tinha um ar de começo,
de coisa inventada naquele momento:
uma luz formidável e sem preço,
um quase doloroso arroubamento!
 
Ali era que tudo se inventava:
juntar sal às mangas que comíamos
e, àquele jogo que ali se jogava,
 
aliar o sexo, que descobríamos!
Foi ali que se inventou o sol,
de que a Terra se tornou girassol.
                            21.05.2023
Eugénio Lisboa
 
 
 
NOTA, para uso dos chicos espertos: OUT OF AFRICA é o título famoso do não menos famoso livro de Karen Blixen (Isaac Dinesen), no qual se baseou o filme que, entre nós passou, com o título de ÁFRICA MINHA.
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Labels: Literatura Portuguesa. Poemas. Poesia. Eugénio Lisboa em soneto inédito: " Out of Africa".

Ao Domingo Há Música

   

                   
    O belo é tão útil quanto o útil. Talvez até mais.
                                 Victor Hugo

As vozes deste apontamento musical  vêm ilustradas por imagens deliciosas. A simplicidade é bela. Além de  bela é  sempre útil , quando   se converte na melhor ferramenta  para traduzir o valor do que ou de quem  se apresenta. 

Ella Fitzgerald & Louis Amstrong, em Cheek to Cheek, composição de Irving Berlin.
 
Diana Krall, em  Dream a Little Dream Of Me.
 
Ray Charles & Norah Jones ,  em  Here We Go Again.
 
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Labels: Ao Domingo Há Música:Ella Fitzgerald & Louis Amstrong em "Cheek to Cheek";Diana Krall em " Dream a Little Dream Of Me" e Ray Charles & Norah Jones em "Here We Go Again".

sábado, 20 de maio de 2023

E se fizéssemos um referendo...

E se fizéssemos um referendo ao passado?
"Os referendos são, obviamente, consultas sobre o que se irá fazer no futuro. O escritor búlgaro Georgi Gospodinov tem uma proposta mais intrigante sobre os desejos de uma população: perguntar-lhe que passado prefere.
A ideia é surreal, mas deriva daquilo a que Gospodinov chama de “défice do futuro”: o sentimento prevalecente na Europa actual (e em outras partes do mundo) de que as perspectivas são tão negras, que as pessoas preferiam fazer uma viagem retrospectiva para tempos melhores. A pergunta seria: qual o período da História que gostaria que voltasse?
Há quatro anos, Gospodinov escreveu um romance, “Time Shelter” (“Abrigo contra o Tempo”), agora na lista para o prestigiado Booker Price de 2003, cuja trama explora a ideia da nostalgia que se apoderou dos cidadãos, confrontados com estes tempos difíceis. Como agora tudo parece mau - poluição, guerra, inflação, estagnação política e económica, ameaças terroristas, radicalismo, exclusão, - onde achamos que está o antigamente que era bom? A resposta varia de país para país, evidentemente. Aliás, o escritor fala no assunto, num artigo no The Guardian, a propósito a invasão da Ucrânia pela Federação Russa. Segundo ele, o que Putin pretende não é que a guerra acabe, mas sim que se eternize, fazendo voltar a Rússia permanentemente para os “tempos felizes” da década de 1940, quando a União Soviética era um império poderoso e cheio de orgulho pelas suas realizações. Como escreve, “a última época em que os russos tiveram o reconhecimento de um mundo preparado para esquecer Estaline, os gulagues, o Holodomor e as crueldades do sistema soviético”.
Este exercício é puramente retórico, contudo, alguns dirigentes - como é o caso de Putin, precisamente - estão a fazer esforços para convencer os seus governados de que os podem levar de vez para a época supostamente gloriosa dos seus países. Uma recriação populista do nacionalismo, diz Gospodinov, e concordo eu. O “supostamente”, aqui é importante; temos tendência para ver o passado a uma luz muito mais favorável do que ele foi. Sobretudo quando o presente é desgastante e o futuro pouco promete. Foi o que Trump fez, e quer continuar a fazer, com o seu slogan MAGA, Make America Great Again (“Faça a América Novamente Grande”). Voltar o país para a “gloriosa” década de 1950, quando mandava no mundo e assistia a uma extraordinária melhoria do nível de vida em casa. Claro que também foi um tempo de racismo declarado e desigualdades sociais violentas, mas isso convém esquecer.
Então, numa divagação de pura perversidade, podemos imaginar como é que votariam alguns países. Os ingleses, por exemplo, provavelmente escolheriam os magníficos tempos da Rainha Vitória, quando o Império não via o Sol pôr-se e o engenho da Revolução Industrial lhes dava superioridade técnica e prestígio cultural. O outro lado da moeda - ou seja, a miséria da classe operária, a vida agreste dos soldados que mantinham os colonizados na linha, a escravatura -, isso não é para lembrar.E os franceses? Talvez a época de Napoleão, quando mandavam na Europa? Afinal de contas, mesmo o Imperador tendo pervertido completamente os ideais da Revolução Francesa e destruído o continente, tem um túmulo magnífico nos Inválidos, como se fosse um Deus do Olimpo. Hitler fez o mesmo, século e meio depois, e não ficou assim tão bem na História... Não, talvez preferissem o final do século XIX, quando Paris era o centro do mundo intelectual, artístico e recreativo, e o francês o idioma diplomático e de bom tom.
Quanto aos alemães, e esta é a opinião de Gospodinov, seria o final da década de 1980, quando se reunificaram e voltaram a acreditar que eram um país eficiente, mas também compassivo e igualitário. Os italianos provavelmente escolheriam a década de 1960, desafogada, criativa e despreocupada. O progresso no nível de vida tão visível como o cinema avant-garde e a moda chique. Será? Não sou italiano, não posso saber. Aliás, aqui está uma conversa interessante para ter com os nossos amigos de diferentes nacionalidades e saber quais as suas fantasias - ou fantasmas...
Também há aqueles países dos quais não fazemos ideia. Os espanhóis, mesmo aqui ao lado, escolheriam, como os portugueses, provavelmente, a época das Descobertas? Duvido, tanto para eles como para nós. Eu, que sou português, nem sequer imagino o que nós votaríamos. Receio que muitos escolheriam a década de 1960, quando ficámos em terceiro lugar no Mundial de Futebol.
Então e a repressão nas universidades e a Guerra Colonial, que são da mesma década? É pá, não me venham chatear com essas efemérides em vias de esquecimento. Já me chateia suficientemente o presente, e preocupa-me bué o futuro.
Pois é, hoje, mais do que antigamente, o antigamente é que era bom."
José Couto Viana ,publicado por  Sapo, em  07.04.2023
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sexta-feira, 19 de maio de 2023

Os espaços infinitos

Os espaços infinitos
 
O silêncio eterno dos
espaços infinitos aterra-me.
       Blaise Pascal
 
Je m’en fous prós espaços infinitos,
chegam-me bem os espaços finitos,
cheios, todos, de chicana merdosa
e de gente que não dá pela rosa!
 
A Pascal deslumbrava o infinito,
que dá tesão a tanto erudito.
Para mim, o finito tem que chegue
para que não deixe que eu sossegue.
 
Quanto menos infinito, melhor,
já nos chega, para chatice, o menor!
O infinito é falsa poesia,
 
que até descamba em astrologia!
O finito, pequeno e mesquinho,
dá-se bem com quem está sozinho.
                               19.05.2023
Eugénio Lisboa
 
Há dias em que não temos pachorra para glosar a grandeza dos espaços infinitos. Lembro-me sempre do Almada, a dizer que o homem, farto de se chatear à superfície da Terra, inventou o submarino, para se ir chatear debaixo da água. 
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Labels: Literatura Portuguesa. Poemas. Poesia. Eugénio Lisboa em soneto inédito: " Os espaços infinitos".

MÃE

Nas pregas do tempo , considera-se, como certo ou estabelecido , que Maio é o mês das rosas e das mães.  Se as rosas são flores belas e as há de todas as cores , a Mãe , aquela que é nossa, é apenas uma. Única.  Diferente de todas as outras. Um ser para quem  também sonos únicos. 
É para ela que se apresenta , em jeito de revisão, os poemas que se seguem.


Mãe
Conheço a tua força, mãe, e a tua fragilidade.
Uma e outra têm a tua coragem, o teu alento vital.
Estou contigo mãe, no teu sonho permanente na tua esperança incerta
Estou contigo na tua simplicidade e nos teus gestos generosos.
Vejo-te menina e noiva, vejo-te mãe mulher de trabalho
Sempre frágil e forte. Quantos problemas enfrentaste,
Quantas aflições! Sempre uma força te erguia vertical,
sempre o alento da tua fé, o prodigioso alento
a que se chama Deus. Que existe porque tu o amas,
tu o desejas. Deus alimenta-te e inunda a tua fragilidade.
E assim estás no meio do amor como o centro da rosa.
Essa ânsia de amor de toda a tua vida é uma onda incandescente.
Com o teu amor humano e divino
quero fundir o diamante do fogo universal.
António Ramos Rosa, em “Antologia poética”. [prefácio, selecção e bibliografia de Ana Paula Coutinho Mendes]. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2001.
De joelhos

“Bendita seja a Mãe que te gerou.”
Bendito o leite que te fez crescer
Bendito o berço aonde te embalou
A tua ama, pra te adormecer!

Bendita essa canção que acalentou
Da tua vida o doce alvorecer …
Bendita seja a Lua, que inundou
De luz, a Terra, só para te ver …

Benditos sejam todos que te amarem,
As que em volta de ti ajoelharem
Numa grande paixão fervente e louca!

E se mais que eu, um dia, te quiser
Alguém, bendita seja essa Mulher,
Bendito seja o beijo dessa boca!!

Florbela Espanca
, em “Livro de Mágoas”. Lisboa: Editorial Estampa, 2012.

Poema á  Mãe

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal…

Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.
Eugénio de Andrade, em “Primeiros poemas – As mãos e os frutos – Os amantes sem dinheiro”. Assírio & Alvim, 2014.
Fonte
II

No sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se
pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões
e órgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas sentam-se
nas cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens
enquanto o amor é cada vez mais forte.
E bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez mais belas.
Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo. São
silenciosas.
E a sua cara está no meio das gotas particulares
da chuva,
em volta das candeias. No contínuo
escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam
na combustão dos filhos, porque
os filhos estão como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,
e atiram-se, através deles, como jactos
para fora da terra.
E os filhos mergulham em escafandros no interior
de muitas águas,
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos
e na agudeza de toda a sua vida.
E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,
e através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos garfos.
E através da mãe o filho pensa
que nenhuma morte é possível e as águas
estão ligadas entre si
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até somente ser possível
amar tudo,
e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.
Herberto Helder, excerto do poema “Fonte” (‘A Colher na Boca, 1961). em ‘Poemas completos. Colecção Grandes Escritores Portugueses. Tinta da China, 2016.

Fala de Mãe e Filho

«Meu filho:
onde vais
que tens do rio o caminhar?»

Não espreites a estrada, mãe,
que eu nasci
onde o tempo se despenhou.

«Meu filho:
onde te posso lembrar
se apenas te dei nome para te embalar ?»

Mãe, minha mãe:
não te pese saudade
que eu voltarei sempre
como quem chega do mar.

«Meu filho:
onde te posso nascer
se meu ventre seco
nunca ninguém gerou?»

Mãe, nascerás sempre
na pedra em que te escuto:
a tua ausência, meu luto,
teu corpo para sempre insepulto.

Mia Couto, em “Tradutor de Chuvas”. Lisboa: Editorial Caminho, 2011.


Canção para a minha Mãe

E sem um gesto, sem um não, partias!
Assim a luz eterna se extinguia!
Sem um adeus, sequer, te despedias,
Atraiçoando a fé que nos unia!

Terra lavrada e quente,
Regaço de um poeta criador,
Ias-te embora antes do sol poente,
Triste como semente sem calor!

Ias, resignada, apodrecer
À sombra das roseiras outonais!
Cor da alegria, cântico a nascer,
Trocavas por ciprestes pinheirais!

Mas eu vim, deusa desenganada!
Vim com este condão que tu conheces,
E toquei essa carne macerada
Da vida palpitante que mereces!

Porque tu és a Mãe!
Pariste um dia aos gritos e aos arrancos,
E parirás ainda pelo tempo além,
Mesmo ser madre e de cabelos brancos!

És e serás a faia que balança ao vento
E não quebra nem cede!
Se te pediu a paz do esquecimento,
Também a força de lutar te pede!

Respira, pois, seiva da duração,
Nos meus pulmões até, se te cansaste;
Mas que eu sinta bater o coração
No peito onde em menino me embalaste.
                        (S. Martinho de Anta, 13 de Julho de 1946)

Miguel Torga, do (‘Diário III’), em “Diário. Vols. I a IV”. 5ª ed., Lisboa: Dom Quixote, 1999.
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quinta-feira, 18 de maio de 2023

Opinar não é conhecer


Ser iletrado é condição triste,
mas ser iletrado ressabiado,
de baba envenenada, em riste,
é pior do que ser só iletrado.
 
O raivoso tem só opiniões,
que dispara sem fundamento.
O fundamento pressupõe serões
de muito estudo e algum tormento:
 
só assim, valem as opiniões,
que melhor vivem sem ressentimento.
Contudo, os iletrados pimpões
 
dão pouca atenção ao conhecimento:
preferem eles opinar à toa,
propondo lixo que se amontoa!
                             18.05.2023
Eugénio Lisboa

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quarta-feira, 17 de maio de 2023

A voz em "Regnava nel silenzio"

 
Maria Callas (1923-1977),  em  Regnava nel silenzio (Lucia di Lammermoor, act I, scene 2) de Gaetano Donizetti (1797-1848) , acompanhada pela Philharmonia orchestra and chorus, sob a direcção do Maestro Tullio Serafin, 1959.

LUCIA 
Regnava nel silenzio
alta la notte e bruna... 
colpìa la fonteun pallido
raggio di tetra luna... 
quando un sommesso gemito
fra l'aure udir si fè 
ed ecco su quel margin, ah!
l'ombra mostrarsi a me...Ah!
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terça-feira, 16 de maio de 2023

Começar

Começar
por Eugénio Lisboa

O homem nasce criança,
o seu poder é o poder do crescimento.
         Rabindranath Tagore

"Ponho-me a olhar para trás, para esses dias intensos de uma Lourenço Marques hoje desaparecida e recordo momentos singulares. Na Rua Norte, no Alto-Mahé, na fronteira entre a cidade do cimento e a cidade do caniço, lembro-me de instantes desgarrados: o dia em que, vestido com um fato de veludo (teria três, teria cinco anos?), fomos à “baixa”, ao fotógrafo, para me fazer fotografar. Na Rua Norte, vivíamos (lembro-me!) numa casita manhosa, só com rés-do-chão, mesmo ao lado da cantina do sr. Almeida. Contornando esta, para a direita, subíamos, por terrenos de areia, até à “Padaria Serrano” e à Estrada do Zixaxa, que nos levava ao Xipamanini (o mercado africano). Era nessa área que viviam brancos pouco abonados (pequenos operários, polícias, pequenos funcionários), mulatos e negros. Era um reino colorido, informal e apetecido. Aí se compravam coisas saborosas como a tchintchiva, que se comia, deixando-nos na boca um travo ácido e um pó fino e alaranjado. Era um mundo pobre, mas cheio de vida. Vejo momentos que nunca saíram da memória: a minha mãe, com a caderneta na mão, a fazer compras na cantina do sr. Almeida, de onde se exalava um cheiro a vinho barato, a cebola, a café e a sacos de batata. Na “Padaria Serrano”, sentia-se o cheiro bom do pão a sair do forno – o gozo intenso que isso me dava! –: poder comer aquele pão todo! O apetite pantagruélico que aquele cheiro abria em mim e nos meus irmãos! Outra imagem: a rua em tumulto, ao fim da tarde e, nos lábios assombrados de cada um, a exclamação: “Morreu o Torre do Vale!” Tratava-se de um lendário caçador de elefantes, que fora, por fim, empalar-se nas presas de marfim de um elefante enfurecido. Dizia-se que tinha ficado feito em papa... O Torre do Vale simbolizava, para todos, a força imbatível, a certeza, a argúcia, a imortalidade. E, afinal, jogara e perdera. A mortalidade dele tornava-se, assustadoramente, a nossa. Afinal, éramos frágeis. Afinal, estávamos só em trânsito! Se até o Torre do Vale... Julgo que foi o meu primeiro confronto com a fragilidade da vida. Ao fim da tarde, regressado dos correios, o meu pai regressava sempre. Mas, depois do fim do Torre do Vale, aquele sempre soava a duvidoso. E se ao meu pai acontecesse alguma coisa? Se fosse atropelado? Se adoecesse subitamente? Afinal estávamos num mundo tão imprevisível! A morte do Torre do Vale aproximou-me, insuportavelmente, da possibilidade da minha. Era só uma questão de tempo. Nesta altura da vida, eu não lia quase nada, porque não dispunha de livros. Em casa, não havia, nem telefonia nem telefone. As informações vinham de boca em boca, quando vinham... Quando havia visitas, eu aproximava-me: queria ouvir, queria saber coisas. Bebia as conversas, com sofreguidão, e era assim que conseguia sair um pouco do universo da Rua Norte. O mais longe que ia era a “casa das tias”, logo no começo (ou no fim) da Pinheiro Chagas, ali a dois passos. Havia lá as avós (a avó gorda, que era mesmo avó, e a avó magra, que era tia-avó). E havia as tias, irmãs do meu pai, e o terrível tio Tropa, de bigodes em riste, severo, não dando muita confiança a ninguém, muito menos a putos. Stalinista e anticlerical assumido, perceberia eu mais tarde. A casa era, para mim, enorme, quase proibitiva, porque tinha rés-do-chão e primeiro andar e, como disse, uma pesada e majestosa porta de madeira trabalhada, a barrar severamente a entrada a putos. A avó gorda andava já a perder gás e lembro-me dela como de uma figura de mater dolorosa, já muito pisada pela vida. A avó magra era magra, de altura diminuta, eléctrica, sempre mal disposta e imensamente vituperativa. Revelar-se-me-ia, mais tarde, como solteirona amarga e irresignada. Perdia a cabeça com os solteirões endurecidos (mal empregados!) e fazia comentários brejeiros e maldosos, com insinuações alusivas a órgãos subaproveitados. Nunca a vi que não fosse a resmungar, movendo-se sempre a alta velocidade, levando a sua ira a todos os recantos da enorme casa. Estava contra o mundo, contra as pessoas e, suspeito hoje, contra si própria. Viver no deserto, sem a mais pequena esperança de oásis, deve ser terrível. 
Aos três, aos quatro anos, eu registava tudo isto, mas não percebia tudo isto. Só mais tarde o retrato se foi compondo e fui ligando uma coisa a outra coisa.
O tio Tropa tinha horror aos padres (a “padralhada”), como bom republicano da velha apanha, e as suas imprecações eram quase sempre deste gosto: “Ah, Cristo negro!” Crispava-se todo, quando via “aqueles homens de saias” e mobilizava, então, um glossário sonoro (extremamente sonoro!) com tonalidades junqueirianas e altitudes wagnerianas. Era um espantoso profissional, como marceneiro, um verdadeiro artista, que poderia ter ganho fortunas, se a sua ética lho permitisse. Trabalhou toda a vida, até morrer, já com os oitenta feitos, mas era sempre chapa ganha, chapa gasta, sendo a chapa quase sempre muito pequena. Lia, como era de regra, Zola, Victor Hugo, Junqueiro e... o Deão da Cantuária (e Stefan Zweig). E venerava, sem quaisquer reservas, “o homem dos bigodes” (Staline). 
Da Rua Norte, como disse, lembro-me pouco, ou, por outra, lembro-me com grande nitidez da rua mas não de coisas que lá aconteceram. Apenas de momentos isolados, mas, esses, com grande clareza, como se fosse hoje. A seguir, mudámo-nos para ali perto, embora um pouco mais longe da “cidade dos brancos”: fomos para uma casa de alvenaria, no Largo João Albasini. Esta humilde moradia situava-se num nível muito inferior ao do Largo e ruas que nele desembocavam, sendo o acesso a ela feito por meio de uma rampa tosca. Do Largo, saía-se para a Estrada do Zixaxa (que levava ao Xipamanini), para a Latino Coelho, para o Alto-Mahé... O proprietário da modesta moradia era um velho colono, antigo combatente, em Moçambique, na primeira Guerra Mundial (a Grande Guerra): o Silva Maneta – dizia-se que perdera a mão, em combate, daí a alcunha pouco generosa. 
Tinha uns portentosos bigodes republicanos e pouco aparecia por ali. A casa tinha um só piso, mas ficava sobreelevada, acedendo-se-lhe por uma íngreme escadaria. Possuía uma grande e escura cave selvagem, onde crescia o capim e onde suspeitávamos que houvesse cobras. E um pequeno quintal, escondido das vistas, apropriado para as “brincadeiras proibidas” com as raparigas da vizinhança. Quando perguntámos a uma delas – uma mulata lindíssima – quantas vezes poderíamos “brincar” com ela, respondeu, ladinamente, que um número de vezes igual ao número de cruzes que iria traçar na parede: e desatou a encher a parede altíssima da casa e os compridíssimos muros em volta de cruzes a nunca mais acabar... Ficámos em ânsias, com mais olhos que barriga! Havia também uma vizinha loira, a Fantina, maria-rapaz fogosa e sempre prestável: “Como é que queres fazer?”, perguntava, com ar dadivoso, “Deitados ou de pé?” Estava sempre disponível, de puro desejo de agradar. Um momento muito vivo na minha memória: à noite, ao jantar, uns amigos de meus pais, regressados de férias em Portugal, a contarem-nos coisas pavorosas da guerra civil espanhola. 
Eu andaria, por esta altura, na casa dos sete anos de idade ou coisa por aí. Mas a descrição viva de casos acontecidos, de coisas impensáveis, para uma criança, perturbou-me, de modo intenso, a imaginação. Começava-se a ver que o ofício de viver não era a brincar. Pouco tempo depois, já mudados para a Estrada do Zixaxa (cada vez mais longe da “cidade dos brancos”), vir-nos-ia bater à porta um velho pianista espanhol – Pagès Rosès – fugido à guerra civil, por ser republicano. Oferecia lições de solfejo em troca de dinheiro ou de habitação. Dinheiro, meu pai não o tinha: ofereceu-lhe uma garagem, onde se arrumavam malas velhas e alguns tarecos sem valor. O pianista aceitou gulosamente e ali se acomodou. Dava lições a domicílio, escarranchado numa bicicleta a cair de podre, ganhava uns magros cobres com que confeccionava umas refeições sobre o pobre e aceitava, sem orgulho, mas com dignidade espanhola, uma ou outra oferta de refeição, que os meus pais, condoídos, lhe faziam. Com a crueldade própria dos muito novos, gozávamos o pobre pianista, que assumia, para o nosso gosto, um formato demasiado ridículo. Quando, ao fim da tarde, vinha ensinar-nos o solfejo, escondíamo-nos dentro de casa e não respondíamos ao seu bater à porta. Insistia, durante algum tempo, depois, desistia, resmungando um “Bueno...”, meio amargo, meio áspero. E ia-se embora, tristemente rejeitado. Há um momento pungente, que hoje me visita a memória e me fere como um remorso: um dia, ao partir para a sua ronda de lições, saiu da garagem, montou na velha bicicleta e, ao começar a pedalar, a corrente, já podre, partiu-se: “Oiga, está podrida!” Eu e meus irmãos desatámos a rir. O ser humano, ao contrário do que pretendia Rousseau, não é naturalmente bom! 
Algum tempo depois, soubemos que o velho Pagès fora viver em Angola: o Estado Novo permitia a refugiados como ele a estadia, não na metrópole, mas, sim, numa das colónias – e sempre por tempo limitado em cada uma delas. Quem me dera ter podido reencontrar o pianista, para lhe pedir perdão pela nossa cruel irreverência! Mesmo assim, ainda pude dar-lhe uma alegria: um dia, vendo-me a ler uma decrépita edição brasileira da História da Filosofia, de Will Durant, cobiçou-ma. Emprestei-lha e autorizei-o a sublinhá-la onde lhe apetecesse. Foi como se lhe tivesse dado o melhor presente do mundo: sempre que nos víamos, desfazia-se em agradecimentos e lia-me passagens, que, de alguma forma, o impressionavam e confortavam dos desastres da vida. Foi, para mim, a primeira demonstração, ao vivo, de como a filosofia pode servir para nos compensar dos males do mundo! Pudesse ser esta a recordação que de mim levou aquele pobre destroço de uma revolução! Já velho, como era, e sem grandes condições de sobrevivência (má alimentação, higiene precária, habitação rudimentar em climas assassinos...), não é provável que tenha vivido muito tempo. Mas tem vivido dentro de mim, com toda a força de um remorso. Fora, parece – a julgar pelos programas de concertos seus, que nos mostrava – um pianista de alguma fama internacional, aclamado na Europa e nas Américas."
Eugénio Lisboa, in " Acta est Fabula. Memórias - I - Lourenço Marques ( 1930-1947)", Editora Opera Omnia, Novembro de 2012, pp.21-26
Posted by Livres Pensantes at terça-feira, maio 16, 2023 Sem comentários:
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Labels: Literatura Portuguesa. Eugénio Lisboa em "Começar " de Acta est Fabula I".

segunda-feira, 15 de maio de 2023

Terras de Portugal - Trás-os-Montes

 
Trás-os-Montes | Mix | Belezas de Portugal.
Um resumo de paisagens, aldeias e cidades Transmontanas
Posted by Livres Pensantes at segunda-feira, maio 15, 2023 Sem comentários:
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Labels: Terras de Portugal - Trás-os-Montes: Registo videográfico.

domingo, 14 de maio de 2023

O fim do mundo

O mundo pode acabar amanhã
ou durar ainda biliões de anos.
Quer seja cortesã quer sacristã,
serão perfeitamente iguais os danos,
 
se esmagadas por imenso asteroide,
ou qualquer uma das cinco maneiras
de destruir esbelto ou mongoloide,
perdidos em poeiras ou fogueiras.
 
O mundo acabar amanhã, não chega
para nos dar tempo de cogitar.
E biliões de anos aconchega,
 
porque nos diz que não vamos lá estar.
Que interessa então o fim do mundo,
irmos ou não irmos, com ele, ao fundo?
                                       14.05.2023
Eugénio Lisboa
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Labels: Literatura Portuguesa. Poemas. Poesia. Eugénio Lisboa em soneto inédito: "O fim do mundo".

.Ao domingo Há Música

Foi assim que aconteceu
Eu viajei naquele olhar 
De tão certo que era meu 
Tão certo que queria ficar

E foi   assim que decidimos preencher este espaço de domingo com  novos temas  de talentosas vozes de Portugal. 

Marisa Liz, em   Foi Assim Que Aconteceu. Letra: Marisa Liz e Música: Marisa Liz e Diogo Branco. Produção: Moullinex e Marisa Liz.
MARO  e Sílvia Perez Cruz, em  juro que vi flores.
   
Salvador Sobral e  Jorge Drexler, em  al llegar (f videoclip oficial).
 
Posted by Livres Pensantes at domingo, maio 14, 2023 Sem comentários:
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Labels: .Ao domingo Há Música:Marisa Liz em "Foi Assim Que Aconteceu"; MARO e Sílvia Perez Cruz em " juro que vi flores" e Salvador Sobral e Jorge Drexler em "al llegar".
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