sábado, 29 de abril de 2023

A decadência do riso

A decadência do riso
por Eça de Queirós
“Eu penso que o riso acabou – porque a humanidade entristeceu. E entristeceu – por causa da sua imensa civilização. (...) Quanto mais uma sociedade é culta - mais a sua face é triste. (...) Tanto complicámos a nossa existência social , que a Acção, no meio dela, pelo esforço prodigioso que reclama , se tornou uma dor grande: - e tanto complicámos a nossa vida moral , para a fazer mais consciente, que o pensamento, no meio dela, pela confusão em que se debate , se tornou uma dor maior. O homem de acção  e de pensamento , hoje, está implacavelmente votado à melancolia.
Esse pobre homem  de acção, que todas as manhãs , ao acordar , sente dentro em si acordar também o amargo cuidado do pão a adquirir, da situação social a manter, da concorrência a repelir, da "íngreme escada a trepar", poderá porventura afrontar o Sol com singela alegria? Não. Entre ele e o Sol está o negro cuidado, que lhe estende uma sombra na face, lhe mata nela, como a sombra faz às flores, a flor de todo o riso.
(...) O Infeliz está votado ao bocejar infinito. E tem por única consolação que os jornais lhe chamem e que ele se chame a si próprio – O Grande Civilizado.”
                                                      Gazeta de Notícias, 1891
Eça de Queiroz, , in A Decadência do riso - Notas Contemporâneas, Lisboa, Edição Livros do Brasil,  pp.165-167

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