quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Parabéns, pai

SILÊNCIO

Assim como do fundo da música
brota uma nota
que enquanto vibra cresce e se adelgaça
até que noutra música emudece,
brota do fundo do silêncio
outro silêncio, aguda torre, espada,
e sobe e cresce e nos suspende
e enquanto sobe caem
recordações, esperanças,
as pequenas mentiras e as grandes,
e queremos gritar e na garganta
o grito se desvanece:
desembocamos no silêncio
onde os silêncios se emudecem.
                              1960
Octavio Paz,(1914 – 1998), “Antologia Poética – Poesia Século XX”

Meu querido pai

Há dias que nos tiram o fôlego. Levam-nos ao silêncio que brota do fundo e se reconstrói em silêncios de emoção,  de esperança,  de saudade dorida e intensa. Hoje,  o  fulgor desse grito, que se desvanece antes de nascer,  é a ausência longa e sentida do pai. É aquele seu dia que chegava todos os anos. Era o dia mais importante de um Setembro que, inexorável,  fecharia o Verão. Era o dia do seu aniversário. Continua  a ser , passados que são tantos anos desde que nos deixou. Mas tudo mudou. Não foi apenas a sua ausência. O mundo mudou e, com ele , mudaram os dias. Temos agora dias negros, carregados de sombra , de tragédias , de  tempestades incontroláveis que desabam sem clemência. Este Setembro, o mundo reviveu os vinte anos do terror  sobre a  América: o ataque ao World Trade Center.  Vinte anos que transformaram a Humanidade. Vinte anos perdidos que conduziram a iníquas guerras , a fogueiras de vaidades,  que se converteram em  agudas torres e espadas que crescem e  ficam  suspensas , tais cutelos à espera da vítima. 

A Peste continua por aqui. Todos os dias , os noticiários anunciam as baixas que vão dos infectados aos mortos. A luta  é feita através de uma vacina. Aqui , em casa, todos a tomámos , mas isso só reduz a intensidade da doença. As garras da facínora agarram-nos, ainda assim. E os beijos, os abraços, os afectos ficam em sobressalto. Foram quase banidos, como que proibidos por causa do fácil contágio que propagam. Pois, pai, não sei se o poderíamos beijar, abraçar quanto o desejamos neste seu dia. Imagina um aniversário sem isso?! Ora, se  sempre fomos afectuosamente ruidosos, seria como desembocar num deserto, sem emoções, sem sentido.

O ano lectivo está aí. As aulas vão começar e o martírio da imprevisibilidade arrasta-se. Os professores continuam  em itinerância forçada e os alunos desconhecem se  terão professores para todas as disciplinas. Há ainda a sempre e leviana pretensão dos Ministros da Educação de marcarem a sua passagem. Reformar, alterar, baralhar programas e arrasar o sistema educativo. Como sempre,  a confusão instala-se porque nem sequer os estudos de uma experimentação tida como ineficiente foi aferida, analisada e divulgada. A dita paz inicial continua a ser um mito. 

E, pai, estou a envelhecer. Há muito que pertenço à geração grisalha. Um termo novo para os idosos. Nem vale a pena analisar o que pode encerrar . Sei apenas que, se cá estivesse, concluiria que , apesar de tudo, a vida tem o seu lado belo. Apenas temos de o procurar. É impossível agarrá-lo de tão fugidio que é. Mas existe beleza no sorriso terno dos meus netos. Aquele encanto que o pai  descobria nos meus filhos. Eles continuam a sorrir-lhe. Evocam-no com muito carinho e estima. A saudade brilha-lhes na alma e as lágrimas acendem-se nos meus olhos. Sim, pai, uma saudade que tanto dói como rejubila de orgulho e alegria por o ter tido como avô e como pai.

Parabéns, querido pai. Temo-lo para sempre.

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