sábado, 20 de junho de 2020

Restamos solamente nosotros

Pablo Neruda e Jorge Amado 
Bahia , 1966  - aeroporto

" No aeroporto  Zélia e eu aguardamos Neruda que, estando  no Brasil, vem passar o fim de semana connosco  na Bahia, matar saudades. Esbaforido  aparece  Ariovaldo Matos (1), a quem eu dera a informação. Ariovaldo publica um semanário, tem dificuldades de dinheiro e de censura , vive entre a redacção e a cadeia.
Pablo viajara ao Brasil para a cerimónia de inauguração em São Paulo do monumento em memória de Garcia Lorca.  Obra de Flévio de Carvalho, menos de uma semana  após a solenidade, o monunento foi destruído pelos esbirros  da ditadura militar, as forças armadas não estimam os poetas.
Acompanhado por Matilde , Pablo desce do avião, nos abraçamos peito contra peito, face contra face, faz tempo que não nos vemos. Tendo vindo para o júbilo do reecontro fraterno na cidade predilecta - o casario, a música , a capoeira, o vatapá, os camarões e as lagostas -  e não para a masturbação dos funerais , Pablo sussura-me ao ouvido, a voz magoada:
- No me perguntes  por nadie, compadre, se morieron  todos. Restamos solamente nosotros.
Sob a batuta  de Ariovaldo , as bahianas cercam o poeta , atam-lhe ao pulso a fita do Bonfim, a branca , a de Oxalá dão-lhe as boas -vindas."
Jorge Amado, in Navegação de Cabotagem, Apontamentos para um Livro de Memórias que jamais escreverei,  Publicações Europa-América, 1992, pp. 195,196

(1) Ariovaldo Matos ( 1926/1988) , escritor e jornalista

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