quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Aquela estrela clara

“Estava frio, o céu limpo. Sobre a meia escuridão das ruas, sobre os telhados negros, era o céu nocturno e estrelado. Pierre, olhando apenas para o céu, não sentia a baixeza insultuosa de todas as coisas terrenas, tão longe das alturas em que lhe pairava a alma. Ao entrar na Praça Arbátskaia abriu-se-lhe diante dos olhos o enorme espaço escuro do céu recamado de estrelas. Quase no meio daquele céu, por cima do Boulevard Pretchístenski, estava parado o gigantesco cometa, rodeado por todos os lados de salpicos de estrelas; aquele cometa de 1812 distinguia-se de todas as estrelas por estar mais perto da Terra, pela sua luz branca e pela sua cauda comprida e levantada; e, dizia-se, pressagiava horrores e o fim do mundo. Mas aquela estrela clara de longa cauda irradiante não provocava em Pierre um sentimento de horror. Pelo contrário, olhava com alegria e lágrimas nos olhos para aquela estrela clara que, tendo percorrido a uma velocidade indizível, na sua trajectória parabólica, os incomensuráveis espaços, parecia, qual flecha espetada na terra, ter-se cravado no ponto do céu negro que escolheu e ficado ali, erguendo energicamente a cauda, luzindo e brincando com a sua luz branca no meio de inúmeras estrelas cintilantes. Parecia a Pierre que esta estrela correspondia plenamente ao que se passava na sua alma aplicada, animada e desabrochando para uma vida nova.”  Lev Tolstói, in Guerra e Paz, Editorial Presença

Sobre o Livro:
"Guerra e Paz é um verdadeiro monumento da literatura universal. Tolstói descreve as guerras movidas por Napoleão contra as principais monarquias da Europa, dissecando as origens e as consequências dos conflitos e, principalmente, expondo as pessoas e as suas vulnerabilidades com uma aguda percepção psicológica. O enredo deste romance cobre toda a campanha de Napoleão na Áustria, a invasão da Rússia pelo exército francês e a sua retirada, entre 1805 e 1820. Neste quadro épico movem-se mais de 550 personagens, além dos elementos das famílias aristocráticas principais, Tolstói criou um retrato realista e incisivo da sociedade russa de inícios do século XIX, denunciando o preconceito e a hipocrisia da nobreza, ao lado da miséria dos soldados e servos. Este romance presta-se ainda a expor as ideias do autor sobre o sentido da vida e a desenvolver as suas reflexões filosóficas em favor de uma sociedade mais justa e fraterna. O legado literário de Tolstói figura a par do de outros grandes escritores russos do século XIX entre os quais se destacam Dostoiévski, Pushkin, Turgueniev e Tchekov.
Considerado como um dos nomes maiores da literatura, este escritor, filósofo, pedagogo e até profeta, foi um defensor acérrimo das minorias e dos mais desfavorecidos, e um dos primeiros a insurgir-se contra a escravatura. Apesar das muitas perseguições a que foi sujeito, Lev Tolstói encontrou na escrita um refúgio e foi de forma sábia que abordou temas tão inquietantes quanto complexos. Entre 1865 e 1869 escreveu e publicou aquela que é talvez a sua obra-prima e uma das maiores criações literárias de sempre: Guerra e Paz. "
Guerra e Paz não é um romance, é o romance, a definição de uma cultura que é russa e também europeia, nesse eixo que anuncia a modernidade e que vai de São Petersburgo a Paris. Ninguém escreveu sobre a guerra como Tolstói e ninguém o fará. - Clara Ferreira Alves, Expresso

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