sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O Mar


Na orla do mar

Na orla do mar,
no rumor do vento,
onde esteve a linha
pura do teu rosto
ou só pensamento
(e mora, secreto,
intenso, solar,
todo o meu desejo)
aí vou colher
a rosa e a palma.
Onde a pedra é flor,
onde o corpo é alma.
Eugénio de Andrade, in “ Até amanhã” , Fundação Eugénio de Andrade



Olhando o mar, sonho sem ter de quê

Olhando o mar, sonho sem ter de quê.
Nada no mar, salvo o ser mar, se vê.
Mas de se nada ver quanto a alma sonha!
De que me servem a verdade e a fé?

Ver claro! Quantos, que fatais erramos,
Em ruas ou em estradas ou sob ramos,
Temos esta certeza e sempre e em tudo
Sonhamos e sonhamos e sonhamos.

As árvores longínquas da floresta
Parecem, por longínquas, 'star em festa.
Quanto acontece porque se não vê!
Mas do que há pouco ou não há o mesmo resta.

Se tive amores? Já não sei se os tive.
Quem ontem fui já hoje em mim não vive.
Bebe, que tudo é líquido e embriaga,
E a vida morre enquanto o ser revive.

Colhes rosas? Que colhes, se hão-de ser
Motivos coloridos de morrer?
Mas colhe rosas. Porque não colhê-las
Se te agrada e tudo é deixar de o haver?

Fernando Pessoa, inNovas Poesias Inéditas” (Direcção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.) Lisboa: Ática, 1973

Viagem

Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.

António Gedeão in “Teatro do Mundo”, Coimbra, Atlântida

1 comentário:

  1. Perante a Poesia, o que importa é abrir-lhe as portas e deixá-la entrar...

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