| Papa Francisco cumprimenta à chegada da audiência geral semanal na Praça de São Pedro, Vaticano, 15 de Novembro de 2023 © Gregorio Borgia/Copyright 2022 The AP. All rights reserved |
por Luciana Taddeo Derla Cardoso e Felipe Pereira
"Argentino Jorge Mario Bergoglio tinha como foco os pobres, os refugiados e o combate à crise climática
Jorge Mario Bergoglio nasceu, no seio de uma família de origem italiana, no dia 17 de dezembro de 1936, em Buenos Aires. Era o mais velho de cinco filhos e foi criado no bairro portenho de Flores.
Até se tornar pontífice, ele percorreu um longo caminho na Igreja Católica, foi arcebispo na capital argentina e marcou a história do país.
Como seus avôs sempre conversavam no idioma nativo, ele afirma que o piemontês, dialeto italiano, foi sua língua materna. Esse era apenas um dos seus vínculos com a Europa: as notícias da Segunda Guerra Mundial na rádio e a reação dos pais ao escutarem sobre as atrocidades de Adolf Hitler o marcaram quando pequeno.
Mas a infância de Bergoglio, no bairro portenho de Flores, foi profundamente argentina. Todos os domingos, ele ia com toda a família assistir aos jogos do San Lorenzo de Almagro, clube no qual o pai jogava basquete e do qual ele se tornou admirador apaixonado.
O clube foi fundado por Lorenzo Massa, um padre. Ele também frequentava a missa com a avó Rosa na Basílica de San José de Flores e estudou em algumas escolas católicas. No internato salesiano, aos 12 anos, sentiu pela primeira vez a vocação sacerdotal.
Na autobiografia “Vida – Minha História Através da História”, lançada em Abril de 2024, Francisco conta que chegou a conversar com um padre do internato sobre isso e fez algumas perguntas, mas que o desejo permaneceu adormecido, até se manifestar definitivamente nos anos 1950.
Ele conta, inclusive, que chegou a ter uma namorada. Bergoglio a descreve como “uma menina muito doce, que trabalhava no mundo do cinema e que depois casou-se e teve filhos”.
Depois dela, já no seminário, ele teve “uma pequena paixão”. “É normal, ou não seríamos seres humanos”, explicou no livro, relatando que a conheceu no casamento de um tio e ficou encantado.
“Ela virou a minha cabeça com a sua beleza e inteligência. Por uma semana, fiquei com a sua imagem na mente, e foi difícil conseguir rezar! Depois, felizmente, passou e me dediquei de corpo e alma à minha vocação”, relata, qualificando o episódio como uma “provação”.
Na adolescência, Bergoglio formou-se em técnico em química pela Escola Técnica Industrial e chegou a fazer estágio num laboratório de análises químicas.
Mas em 21 de setembro de 1953, quando estava a caminho de um encontro com amigos para um piquenique, sentiu necessidade de entrar na Basílica de Flores, que costumava frequentar.
Durante a confissão, ele conta que “algo estranho aconteceu”, mudando a sua vida para sempre: “Eu estava maravilhado por ter encontrado Deus subitamente. Ele estava lá me esperando, antecipou-se a mim”, descreveu na sua autobiografia.
“Mais do que um piquenique com os amigos! Eu estava vivendo o momento mais bonito da minha vida, estava me entregando totalmente nas mãos de Deus!”, detalhou no livro.
Francisco não falou com ninguém da família do chamamento para o sacerdócio até obter o seu diploma. Também não contou para os amigos, com os quais jogava bilhar, falava de política e dançava tango. Mas em 1955, quando já tinha que escolher a faculdade, decidiu conversar com o pai.
Segundo Francisco, ele ficou contente. O temor era contar para a mãe. “Sabia que ela não aceitaria minha escolha, e por isso, inventei que estudaria Medicina”, explicou. Mas um dia, limpando a casa, ela viu os seus livros de teologia, e não aceitou bem a revelação.
Apesar do pedido materno para que ele fizesse uma faculdade e depois decidisse, Bergoglio entrou no seminário arquidiocesano aos 19 anos.
Dois anos depois, ainda no seminário, conta que se viu à beira da morte, quando todos os colegas pegaram uma gripe. Todos se curaram, mas a febre dele não cedia.
“Um dia eu piorei: minha temperatura corporal estava altíssima, e o reitor, assustado, levou-me correndo ao Hospital Sírio-Libanês. Fui diagnosticado com uma séria infecção, e naquele dia tiraram um litro de líquido dos meus pulmões”, contou.
O pontífice dizia dever a vida à freira italiana Cornelia Caraglio que o acompanhou no hospital e lhe administrou doses de penicilina adicionais , ao perceber que as prescritas pelos médicos estavam baixas demais.
A recuperação foi longa, e o papa revelou que chegou a preparar-se para morrer. Como resultado da pleurisia, inflamação que atinge as membranas dos pulmões, e a formação de três quistos, Bergoglio teve que retirar o lobo superior do pulmão direito. A intervenção cirúrgica foi com as melhores técnicas da época. Pode imaginar o tamanho dos cortes e o quanto sofri”, descreveu Francisco sobre o procedimento, realizado em 1957.
Em 1958, ele entrou no noviciado da Companhia de Jesus. Bergoglio formou-se em Filosofia na Universidade Católica de Buenos Aires, em 1960, e ensinou Literatura e Psicologia no Colégio Imaculada, na Província de Santa Fé, e no Colégio do Salvador, em Buenos Aires.
Também se formou em Teologia em 1969 e foi ordenado padre aos 32 anos. Emitiu os últimos votos na Companhia de Jesus em 1973. Liderou a comunidade de jesuítas durante a década de 1970, no meio da ditadura militar argentina.
Por seis anos, até 1986, foi reitor da Faculdade de Filosofia e Teologia de San Miguel.
Papel na ditadura
Uma das grandes polémicas que o envolvem refere-se justamente ao seu papel na ajuda a perseguidos políticos da ditadura. Ele chegou a ser acusado, na Argentina, de omissão e até colaboração na prisão dos padres jesuítas Orlando Yorio e Francisco Jalic, em 1976.
Na sua autobiografia, o papa diz que a acusação é caluniosa e conta que falou com o ditador Jorge Rafael Videla e Emilio Massera, outro líder da junta militar que governava o país, para interceder pelos jesuítas. Eles acabaram soltos após cinco meses de prisão e torturas.
Ele também relata ter feito contatos para a libertação de outro catequista, e que chegou a ajudar um perseguido parecido com ele a se disfarçar de padre e fugir da Argentina com o seu cartão de identidade.
“Arrisquei muito daquela vez porque, se o tivessem descoberto, sem dúvida o teriam assassinado e vindo atrás de mim”, contou.
Naquela votação, quando o seu nome atingiu dois terços das preferências e ele foi aplaudido, o cardeal brasileiro Dom Cláudio Hummes, Arcebispo Emérito de São Paulo, aproximou-se, deu-lhe um beijo e disse: “Nunca se esqueça dos pobres”.
“Foi ali que escolhi o nome que teria como papa: Francisco”, contou no seu livro. A decisão, tomada após as palavras do brasileiro, foi uma homenagem a São Francisco de Assis, conhecido por ter exercido a vida religiosa na simplicidade e a dedicar - se aos pobres.
Além de ser escolhido como o primeiro papa sul-americano, Francisco foi o primeiro pontífice não europeu em mais de 1.200 anos, desde o sírio papa Gregório III, que liderou a Igreja Católica entre 731-741.
Hábitos discretos e posicionamentos fortes
O Papa Francisco sempre evitava aparições nos media, utilizava o transporte público e não frequentava restaurantes. Porém, tinha opiniões e algumas atitudes consideradas “extravagantes” para a Igreja Católica.
Como em 2015, quando junto do grupo de rock progressivo Le Orme, lançou um disco chamado “Wake Up!”.
Em 2019, durante uma visita aos Emirados Árabes Unidos, o papa se encontrou com Ahmed Al-Tayeb, Grande Imã de Al-Azhar, em Abu Dhabi. Eles assinaram o Documento sobre a Fraternidade Humana.
Francisco convidou os seus clérigos e os leigos para que se opusessem ao aborto e à eutanásia.
Trabalhou para restaurar a credibilidade do Vaticano, abalada por escândalos financeiros e denúncias de abusos sexuais.
Em abril de 2014, pediu perdão pelos casos de pedofilia cometidos por sacerdotes da Igreja Católica.
Foi forçado a reduzir o ritmo das viagens internacionais por causa de fortes dores no joelho direito. Para se poupar, passou a cumprir muitos dos compromissos em uma cadeira de rodas.
Papa diplomata
Francisco também tinha um lado diplomata, e usou a influência do Vaticano para tentar ajudar na solução de conflitos.
Mediou, por exemplo, conversas pela reaproximação entre Estados Unidos e Cuba. Também fez dezenas de apelos pelos direitos dos refugiados e criticou os países que fecharam as portas para os imigrantes.
Sempre foi um duro crítico da guerra da Ucrânia e chorou em público ao lembrar dos ucranianos que sofriam com a invasão da Rússia.
E continuou, apesar do agravamento dos problemas de saúde, manifestando preocupação com o bombardeio de civis em Gaza. Mesmo hospitalizado, o Papa continuou fazendo ligações diárias para uma paróquia na região, para acompanhar a situação.
Com o jeito informal nas palavras e nos gestos, cativou milhões de fiéis. "
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