sábado, 4 de novembro de 2023

Gente zangada



Gente zangada
por Eugénio Lisboa
 
Se não formos autorizados a rir
 no Céu, não quero ir para lá.
            Martinho Lutero
 
“Há gente, talvez bem intencionada, com bons propósitos de querer salvar o mundo, mas que está sempre zangada. Talvez por estarem zangados consigo próprios, não conseguem estar de bem com quase ninguém. O notável poeta e crítico inglês, do século XIX, Matthew Arnold, era por toda a gente considerado uma excelente pessoa, mas estava sempre zangado com tudo e com todos, de modo que se dizia, dele, que, boa pessoa que era, iria com certeza para o céu, mas que não iria gostar de Deus. São pessoas que, em vez de se rirem com uma boa piada, se zangam. Querem salvar o mundo e os homens, mas, no fundo, não gostam nem do mundo nem dos homens que querem salvar. Parafraseando o pérfido e brilhante Wilde, diria que é preciso termos um coração de pedra, para não desatarmos a rir com tanta zanga.
Lido com gente assim, há muito tempo. Visam a felicidade da Humanidade, mas são incapazes de a construir em casa. Não sabem rir, coisa perigosa. Mesmo, quando o fazem, como não foram formatados para isso, fazem-no com um rictus de sofrimento. Woody Allen dizia de si próprio: “A maior parte do tempo, não tenho muita graça. O resto do tempo não tenho graça absolutamente nenhuma.”  Esta gente zangada de que falo vive sempre no resto do tempo de Woody Allen. Repito, são perigosos. Como não sabem rir, não são capazes de se rir de si próprios e, por isso, não sabem fazer autocrítica. Acreditam em projectos grandiosos, mas não são capazes de resolver pequenos problemas domésticos. Têm visões planetárias, mas tropeçam na primeira pedra que lhes saia ao caminho. E, normalmente, riem-se quando não devem. São gente para fazer grandes purgas, quando não se pensa como eles. Diga-se, de passagem, que “pensar” não é o seu forte. Não gostam de pensar e odeiam visceralmente quem pensa pela própria cabeça. Preferem receber “directivas” de autoridades reconhecidas. Bertrand Russell dizia, com imensa graça, que, quando nos cortam a cabeça, a nossa capacidade de pensar diminui consideravelmente. É o que se passa com esta gente zangada, que pulula nas redes sociais: andam por aí, dando pulos desorientados, como galinhas decapitadas.”
Eugénio Lisboa, 04.11.2023

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