segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Manter viva a esperança


"O século XX, até agora, não tem sido uma honra para o género humano. É verdade que desapareceram  alguns imperadores  o que, na opinião dos homens  de 1793, deveria constituir  um progresso, Mas os resultados nem sempre foram felizes. Há quem pergunte se Estaline é muito melhor para o Mundo do que Nicolau II, se Hitler representava um grande progresso sobre o Kaiser Guilherme e se ( grande atrevimento) Hirohito era muito pior do MacArthur. Em qualquer caso, tais mudanças foram um pouco dispendiosas. Cada uma delas custou muitos milhões  de vidas humanas, muitos biliões de dólares  e um considerável aviltamento da civilização. Houve também horrores excepcionais, tais como a exterminação dos judeus , a deliberada miséria dos camponeses russos e a invenção da terrível morte atómica. Tais são , até agora , as realizações do século XX. E há ainda o risco, um risco iminente, que, gloriosas como são, tais realizações se afundem na insignificância ,ao lado das que nos reservam os próximos anos. No momento em que escrevo não sei,  e ninguém sabe , se Londres e Nova York existirão daqui a seis meses. Não sei também, e nenhum homem da minha idade na Europa Ocidental o sabe , se os filhos e netos  a que dispensaram tantos cuidados, sobreviverão ainda doze meses.  Ignoro igualmente, como toda a gente, o que restará, se alguma coisa restar, da estrutura da civilização ocidental, lentamente construída desde Homero. Sobre tudo isto reina a incerteza. Tudo depende do grau de histeria nos Estados Unidos , da coragem do seu Presidente, da independência da Europa Ocidental e da boa ou má disposição do Politburo. Não me aventurarei em profecias. 
(...) Falei , neste capítulo, na suposição de que uma terceira guerra mundial será evitada, mas é uma suposição muito duvidosa. De um momento para o outro ela pode desabar sobre nós. Se chegar a deflagrar , será muito mais  terrível do que as duas que a precederam e adiará por tempo indefinido  a realização das esperanças de que trato neste livro. Mas esse adiamento não será para sempre. Todos os que desejam esse Mundo que os homens podiam hoje criar,  não devem perder fé nem a esperança, mesmo que sobrevenha uma terceira guerra mundial. Isso não significará o fim do Mundo; será sem dúvida uma enfermidade longa, mas não a morte. Por isso,  quaisquer  que sejam as trevas  e quaisquer que sejam os sofrimentos , é nosso dever  manter  viva a esperança , e muito embora nos angustiem os presentes  infortúnios, devemos dirigir todos os nossos pensamentos para o futuro, para esse futuro de que as infelicidades actuais talvez sejam apenas as dores de parto. Os homens  são lentos  a compreender, mesmo quando se lhes ensina somente o caminho da felicidade. Talvez não o possam compreender senão depois  de terem vivido uma experiência ainda mais amarga do que  a que fizeram já no caminho oposto.  Mas se o conseguirem algum dia, se do tormento surgir o bom-senso em vez da loucura, será porque alguns homens conseguiram manter, apesar de tudo, o bom-senso e a esperança. E quanto mais numerosos forem esses homens, maior será a possibilidade da experiência proporcionar a sabedoria.  Cada um de nós, no seu âmbito, pode fazer alguma coisa para aumentar essa possibilidade, pela firmeza e coragem que demonstrar nos dias sombrios."
Bertrand Russell, in (Capítulo XV - O próximo meio século) de A Última Oportunidade do Homem,  Guimarães Editores, Lisboa, 1955, pp. 174, 175, 183, 184

Sobre o autor
Bertrand Russell (1872-1970) foi o mais influente filósofo britânico do século XX. Foi ensaísta,  crítico social, conhecido também pelo seu trabalho de lógica matemática e filosofia analítica.
Bertrand Arthur William Russell, o terceiro conde Russell, conhecido como Bertrand Russell, nasceu em Trelleck, País de Gales, Reino Unido, no dia 18 de Maio de 1872.
Russell mostrou grande interesse por matemática e ciências exactas, afirmando que elas constituíam a fonte de todo o progresso humano. Além de ter sido um grande filósofo, distinguiu-se em outras áreas, como a História, a Matemática ou o activismo a favor de diversas causas. Em 1950, foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura.
Após a Segunda Guerra Mundial, Russell tornou-se um dos principais representantes do movimento de oposição às armas nucleares. Em 1954, pronunciou-se contra os testes de bombas nucleares.
Em 1958 foi presidente da “Campanha pelo Desarmamento Nuclear ". Além das suas campanhas ao combate ao totalitarismo, destacou-se também contra a intervenção americana no Vietname. Demonstrou sempre grande interesse pelos problemas sociais e posicionou-se a favor da emancipação feminina.
Acreditava que a filosofia deveria preparar o terreno para uma ciência pragmática que permitiria ao homem dedicar-se ao aperfeiçoamento do mundo em que  vive.
Faleceu em Penrhyndeudraeth, País de Gales, no dia 2 de Fevereiro de 1970.
Sobre o livro
“A última oportunidade do Homem”, «New Hopes for a Changing World», foi escrito em 1951. Trata-se de  um depoimento pessoal, veemente, sobre a crise dos nossos tempos. Escrito com coragem, como afirma um crítico inglês, com simpatia humana e ilimitada esperança, este livro  é estimulante na sua interpretação da vida moderna. A época de transição, os momentos históricos que se vivem com angústia, preocupados, inquietos, perplexos, é analisada nesta obra em que o optimismo oferece uma razão da vida, ou melhor, a vida da razão."

Sem comentários:

Enviar um comentário