quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Habermas , o defensor da modernidade

 A esfera pública burguesa pode ser concebida, antes de mais, como a esfera em que pessoas privadas se juntam enquanto público; bem cedo, reclamaram que essa esfera pública fosse regulada como se estivesse acima das próprias autoridades públicas; de forma a inclui-las num debate sobre as regras gerais que governam as relações da esfera da troca de bens e de trabalho social basicamente privatizada, mas publicamente relevante», para concluir que «O meio deste confronto político era peculiar e não tinha precedente histórico: o uso público da razão pelos intervenientes (öffentliches Räsonnement). Habermas, 1962: 27

Jurgen Habermas

Habermas, 90 anos de inquietude filosófica
por Kersten Knipp e Sabine Oeize
"Chamado de "incendiário de Frankfurt", "defensor da modernidade" e "mestre da comunicação", o  intelectual alemão é considerado um dos filósofos vivos mais importantes do mundo.
Jürgen Habermas nasceu em Düsseldorf, vive na Baviera, mas o seu nome está ligado à Escola de Frankfurt.
Ao receber o Prémio dos Media Franco-Alemães por causa do seu compromisso com uma Europa democrática, o filósofo alemão Jürgen Habermas defendeu, em Berlim , uma Europa para além do nacionalismo.
Oh, Europa, murmurava Habermas num pequeno caderno publicado há alguns anos pela editora Suhrkamp, que reuniu as contribuições e discursos do filósofo sobre a integração europeia.
Isso é típico de Habermas, para quem a interacção entre reflexão filosófica e intervenção intelectual lhe é muito cara e inclui também o envolvimento público.
A 18 de Junho de 2019 , Jürgen Habermas – um dos filósofos e sociólogos vivos mais influentes da Alemanha – completou 90 anos. Mas o "incendiário de Frankfurt", como já foi chamado pelos media, não ficou nem um pouco mais quieto com o tempo. Pelo contrário.
Em Setembro do mesmo ano, a editora Suhrkamp publicou o seu mais recente trabalho com o modesto e contundente título Auch eine Geschichte der Philosophie (Também uma história da filosofia, em tradução livre) em dois volumes de 1.700 páginas, que mostram como o pensamento se desenvolveu desde a Antiguidade.
Para Jürgen Habermas, o que importa é o todo. E, por essa completude,  também está disposto a lutar e a comprometer-se, sendo um dos poucos intelectuais políticos da Alemanha. A sua tese de livre docência Mudança estrutural da esfera pública, que apresentou em Marburg em 1961, ainda é considerada até hoje inovadora em seu conceito.
Descreve o "público" como uma categoria histórica e mostra, por exemplo, que, num sentido preciso, só se pode falar de "opinião pública" a partir do final do século XVII, na Inglaterra, e no século XVIII, na França.
A geração de 68
Jürgen Habermas nasceu a  18 de Junho de 1929 em Düsseldorf, no oeste alemão. Hoje, vive em Starnberg, na Baviera, mas o seu nome está mais estreitamente ligado a Frankfurt. Como pai da Teoria Crítica (uma forma de continuação da crítica marxista ao capitalismo após o fracasso ou a ausência da revolução proletária nos países industrialmente desenvolvidos da Europa), foi um importante impulsor da Escola de Frankfurt.
Habermas fez doutoramento  em Bonn, com uma tese sobre o filósofo alemão Friedrich Schelling (1775-1854). Em 1964, assumiu a cátedra de Filosofia e Sociologia da Universidade de Frankfurt, que antes pertencia a Max Horkheimer (1895-1973). Ali, o "incendiário" permaneceu inicialmente até 1971 – época dos protestos estudantis.
Muitos dos membros da geração 68 aludiram às suas ideias e  viam-no como um mentor intelectual. Mas à medida que o movimento se tornou mais radical, Habermas  criticou-o abertamente.
Na sua obra principal, Teoria da acção comunicativa,  desenvolveu, em 1981, uma espécie de guia de acção para a sociedade moderna. Segundo essa teoria, os fundamentos normativos de uma sociedade estão na linguagem. Como ferramenta de comunicação,  é ela  que permite a acção social. Numa democracia, como se pode chegar à "coerção não forçada do melhor argumento?", à "situação ideal de fala", ao "discurso livre de dominação"?, indaga o filósofo na sua obra. Habermas acredita no poder da comunicação. A especial sensibilidade linguística do filósofo também se nota nos títulos das suas publicações: Conhecimento e interesse; Facticidade e validade; Verdade e justificação. Pelo menos no mundo académico,  ganharam alguma notoriedade, já devido à sonoridade quase mágica que interliga conceitos aparentemente conhecidos, expondo-os sob uma nova luz.
Assim se agrega o que por décadas foi a marca registada da filosofia de Habermas: o pensamento engajado e o estilo elegante – mesmo que esse estilo implique elevadas demandas à paciência e à capacidade de decifrar dos seus leitores.
Uma geração politizada
Mas é assim: as coisas não são fáceis. Acima de tudo, é preciso ser exacto ao abordá-las. Pois a ambivalência pode ser boa para a poesia, na filosofia, especialmente na filosofia política, ela está no lugar errado. E Habermas é um filósofo político por excelência. Isso dificilmente podia ser diferente para quem vivenciou o fim de uma catástrofe ainda quando jovem.
Como os escritores Martin Walser, Günter Grass e Siegfried Lenz, o sociólogo e jornalista Ralf Dahrendorf e todos os principais intelectuais e artistas da posterior República Federal da Alemanha, Jürgen Habermas também cresceu à sombra do nazismo.
Essa vivência marcou toda a obra de vida do filósofo: o que aconteceu para que se chegasse a isso? O que levou os alemães a eleger um antissemita enlouquecido e vulgar como chanceler do Reich em 1933? E principalmente, como se pode evitar que tal constelação e clima social voltem a acontecer?
Essas questões fazem parte do início da filosofia de Habermas. Elas o inspiraram a criar modelos complexos de comunicação, projectos de autoridade pública e mecanismos nos quais os membros da sociedade poderiam equilibrar juntos os seus diferentes interesses. "Consensual" foi o nome dado a esses modelos sociais – um termo que definiu como poucos a auto-imagem da República Federal da Alemanha.
Os cidadãos não deveriam receber mais nenhuma ordem de cima, em vez disso, deveriam intervir eles mesmos na vida pública, formular as suas opiniões de forma clara e incorporá-las numa abrangente discussão, em cujo final se encontrava o consenso.
Assim, os esboços de Habermas para a sociedade correspondiam exactamente à pacificação empenhada com o diálogo, com que a República Federal da Alemanha se comprometeu após cair no pecado nazi.
A República Federal da Alemanha dificilmente teria sido outra sem Habermas. Mas ter-lhe-ia faltado em parte aquele determinado tom com o qual Habermas filosoficamente comentou o surgimento dessa república. E esse tom correspondia exactamente ao que o pop e o rock haviam trazido para o país desde os anos 1960.
Assim se preparou a atmosfera cosmopolita que moldou cada vez mais a República Federal da Alemanha nos anos seguintes. E Jürgen Habermas tocou, à sua maneira, o fundo musical daquela longa marcha que a sociedade alemã do pós-guerra havia iniciado – e com a qual se afastou de uma vez por todas de seu caráter provinciano."
Kersten Knipp e Sabine Oeize, artigo publicado em 18.06.2019 , na  DW, (A Deutsche Welle ,DW,  é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas).

Sem comentários:

Enviar um comentário