sexta-feira, 13 de agosto de 2021

A propósito de Picasso

Pablo Picasso (Málaga, 25 de Outubro de 1881- 
– Mougins, 8 de Abril de 1973)

De uma guerra à outra (1936-45)

Como se imagina , Picasso foi particularmente sensível à guerra civil que dilacerou a sua Espanha natal. Exprimia, muito especialmente, os seus sentimentos na famosa tela. Mas este conflito era apenas o prelúdio de um desencadear da fúria que ia afectar o planeta. Quando a França é invadida, Picasso fica junto dos amigos, apesar da nacionalidade espanhola lhe permitir exilar-se. Jacques Prévert ficou-lhe agradecido.

As declarações políticas de Picasso são muito raras. Sobre a guerra civil que despedaça a Espanha a partir de 1936, pronuncia-se todavia de forma clara:
- A guerra de Espanha é a batalha da reacção contra o povo, contra a liberdade. Toda a minha vida de artista mais não foi do que uma luta contra a reacção e contra a morte da arte. No painel em que trabalho agora e a que chamo Guernica, exprimo claramente o meu horror pela casta militar que mergulhou a Espanha num oceano de dor e de morte.

(…)

Guernica, de Picasso , pintada a óleo em 1937.

A propósito de Guernica, Michel Leiris escreve:
«Num rectângulo preto e branco , tal como nos aparece a tragédia antiga, Picasso envia-nos a nossa carta de participação : tudo o que amamos vai morrer».

(…)
A Matisse que, face à rapidez do desastre que a França sofre em 1940,  pergunta o que fazem os generais franceses, Picasso responde:
 - Os nossos generais é a Escola de Belas-Artes.

Depois da derrota, Matisse escreve ao filho Pierre, que vive em Nova Iorque: « Se todos tivessem feito o seu trabalho, como eu e Picasso fazemos o nosso, isto não teria acontecido.»

Picasso tem direito , no início da ocupação, como muitos outros, a uma visita da Gestapo, que lhe vasculha o atelier. Um oficial nazi, ao ver sobre a mesa uma foto de Guernica interroga-o:
- Foi o senhor que fez isto?
Resposta de Picasso:
- Não, foram vocês.

(…)

Por vezes , grupos de alemães visitam o atelier para verem os seus quadros , que os deixam quase sempre embaraçados. Picasso diverte-se a oferecer-lhes bilhetes postais com reproduções de Guernica, dizendo-lhes:
- Levem. Souvenir! Souvenir!

O realismo socialista desconsiderado

Picasso tinha feito uma belíssima litografia representando um pombo. Aragon, (Louis Aragon, (1897-1982), escritor, jornalista, poeta , romancista francês , membro do PCF, Partido Comunista Francês), procurava uma ilustração para o cartaz do Congresso Mundial dos Partidários da Paz (1948), escolheu-a para servir de Pomba da Paz. Sob este nome , a ave será vista no mundo inteiro. Picasso diverte-se imenso com o entusiasmo de Aragon:
- O pobre Aragon …A pomba dele é um pombo! Não percebe nada de pombos! A lenda da terna pomba, que logro! Não há animais mais cruéis. Tive aqui uns que mataram à bicada uma pobre pombinha que não lhes agradou…Furaram-lhe os olhos, fizeram-na em pedaços, foi horrível…Que símbolo da paz!

Picasso, retrato de Estaline , 1953

Em 1953, pediram-lhe para o semanário do PCF, Les Lettres françaises, um retrato de Estaline, que acabava de morrer. O líder  soviético era sempre representado como um ««velho» bonacheirão. Picasso decide basear-se numa foto de Estaline jovem , e o retrato exprime uma certa brutalidade e não corresponde aos cânones do realismo  socialista. Este exemplo de arte decadente provoca uma reacção muito viva do Partido:
« Sem pôr em causa os sentimentos do grande artista Picasso, cuja dedicação à classe trabalhadora  é de todos conhecida,  o secretariado do Partido Comunista Francês lamenta que o camarada Aragon, membro do  Comité Central, que aliás luta corajosamente pelo desenvolvimento da arte realista, tenha permitido esta publicação. »
Aragon , chefe da redacção do jornal, aceita orquestrar um movimento de protesto dos leitores.

Uma relação complexa com o dinheiro
(…) Quando fazia arrumações , descobri uma coisa muito curiosa , uma frase que tinha escrito num álbum: « Agradeço a Deus ter-me dado a pobreza durante uma parte da minha vida , e depois o fastio.» Disse para mim mesmo: « Que felicidade , em breve tudo estará acabado. Deixarei de ter dinheiro. Será como antigamente. Imagina , uma segunda juventude.»

Gostaria de viver como um pobre com muito dinheiro.

Picasso, retrato de Gertrude Stein , (1905-1906) 


Da relação com o real
A Gertrude Stein , enquanto lhe pintava o retrato:
- Deixo de vê-la quando olho para ela.

Uma coisa é ver , outra coisa é pintar.

(…)

Picasso, a propósito do retrato de Gertrude Stein ( que exigiu mais de oitenta sessões de pose, mas que foi terminado na ausência da interessada):
- Sim , todos dizem que não está parecida , mas não faz mal, ela acabará por parecer-se com ele.
Mais tarde , quando Gertrude Stein corta os cabelos , a primeira reacção de Picasso, ao vê-la é perguntar, furioso:
- E o meu retrato?
Para imediatamente acrescentar :
- Ao fim e ao cabo, está tudo lá.

Picasso por Picasso, Pensamentos e várias memórias, organização de Paul Désalmand, Contexto Editora, Outubro de 2000, pp.43-75


Matisse e Picasso

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