quarta-feira, 7 de abril de 2021

CANÇÃO PARA LUANDA




CANÇÃO PARA LUANDA

A pergunta no ar
no mar
na boca de todos nós:
– Luanda onde está?
Silêncio nas ruas
Silêncio nas bocas
Silêncio nos olhos

– Xê
mana Rosa peixeira

– Mano
Não pode responder
tem de vender
correr a cidade
se quer comer!

“Ola almoço, ola amoçoéé
matona calapau
ji ferrera ji ferrerééé”
– E você
mana Maria quitandeira
vendendo maboque
os seios-maboque
gritando
saltando
os pés percorrendo
caminhos vermelhos
de todos os dias?
“maboque m’boquinha boa
dóce dócinha”

– Mano
não pode responder
o tempo é pequeno
para vender!

Zefa mulata
o corpo vendido
batom nos lábios
os brincos de lata
sorri
abrindo seu corpo

– seu corpo-cubata!
Seu corpo vendido
viajado
de noite e de dia.
– Luanda onde está?

Mana Zefa mulata
o corpo cubata
os brincos de lata
vai-se deitar
com quem lhe pagar
– precisa comer!

– Mano dos jornais
Luanda onde está?
As casas antigas
o barro vermelho
as nossas cantigas
trator derrubou?

Meninos nas ruas
caçambulas
quigosas
brincadeiras minhas e tuas
asfalto matou?
– Manos
Rosa peixeira

quitandeira Maria
você também
Zefa mulata
dos brincos de lata
– Luanda onde está?

Sorrindo
as quindas no chão
laranjas e peixe
maboque docinho
a esperança nos olhos
a certeza nas mãos
mana Rosa peixeira

quitandeira Maria
Zefa mulata
– os panos pintados
garridos
caídos
mostraram o coração.
– Luanda está aqui!
                  (1957)
Luandino Vieira,
"Canção para Luanda", Mensagem, Boletim da Casa dos Estudantes do Império, ALAC, v. I., ano I (1958), nº 3, pp. 27-29.

Sobre o autor
Luandino Vieira , poeta, contista, tradutor, com o  nome de registo  de José Vieira Mateus da Graça, português de nascimento, no ano de 1935 ,em Vila Nova de Ourém. Partiu aos três anos de idade para Angola  tendo passado  a juventude em Luanda. Detido pela PIDE, pela primeira vez em 1959, foi condenado a 14 anos de prisão, em 1961.A sua estreia literária foi feita na revista Mensagem, da Casa dos Estudantes do Império de Lisboa, em 1950, tendo colaborado nesta revista em anos posteriores (1961-1963) e ainda em O Estudante (Luanda, 1952), Cultura (Luanda, 1957), Boletim Cultural do Huambo (Nova Lisboa, 1958), Jornal de Angola (Luanda, 1961-1963), Jornal do Congo (Carmona, 1962), Vértice (Coimbra, 1973) e Jornal de Luanda 1973 , entre outros.
A Sociedade Portuguesa de Escritores, então presidida por Jacinto do Prado Coelho, atribuiu-lhe o Grande Prémio de Novela pela sua obra Luuanda,  em  21 de Maio de 1965. Na sequência deste facto a SPE foi assaltada e destruída por elementos da polícia política PIDE. De regresso a Luanda, desempenhou vários lugares importantes. Voltou a Portugal em 1992 onde vive isolado, na quinta de um amigo.
Saiba mais AQUI

Sem comentários:

Enviar um comentário