quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Que nada fique por cantar


O CANTO DO CISNE
Nunca o ouvi.
Que seja inextinguível.
Ou então silencioso
por pudor e tremendo
de raiva.
E que dure o bastante
para que nada fique por cantar.
António Osório, in “A Luz Fraterna - Poesia Reunida”, Assírio & Alvim, 2009
O Sítio
O mundo sitiou o sonho, e o tem preso
em débeis cidadelas
— suas últimas guaridas.

Os soldados oníricos têm medo
sem armas
e suas caravelas
não têm velas.

Inúteis seus desvelos desarmados
até os sentinelas
fatigados
já estão cedendo ao peso das vigílias.

Vai longo o sítio, e já vão se esgotando
as frágeis provisões
dos sitiados.

O mundo tem seus ásperos soldados
nos dias
pontuais
que na luta não cedem nem recuam.
E nunca erram as duras cimitarras
os seus golpes
directos e fatais.

O assédio continua, já inúteis os galopes
dos bravos cavaleiros sitiados.

Têm cavalos de mar
e o sítio é em terra.
Têm cavalos de paz
e sítio é guerra.

Fácil de prever o resultado
dos combates travados
desiguais.
Já se aprestam os dias, bons guerreiros
aos ataques certeiros
e finais.
António Osório, in “A Luz Fraterna - Poesia Reunida”, Assírio & Alvim, 2009
"A Luz Fraterna" reúne toda a obra poética de António Osório, produzida de 1965 a 2009.
«A poesia de António Osório – e nela incluo, por assim dizer, todos os seus livros, mesmo os que, aparentemente, são de prosa — é sempre em verso livre (quando leio obras como a Libertação da Peste — livro notável — ou Crónica da Fortuna, o meu ouvido “diz-me” que estou a ler versículos, como quando leio A Raiz Afectuosa ou A Ignorância da Morte.)
Do já citado livro [A Experiência de Ler] de C. S. Lewis, recolho uma observação pertinente e que me parece ser digna de ser tomada em conta pelos leitores da obra de António Osório, que agora se publica “completa”. Diz Lewis ser “possível que aos jovens de hoje se tenha deparado demasiado cedo o verso livre. Quando este é veículo de verdadeira poesia, os seus efeitos auditivos são de extrema subtileza e, para uma verdadeira apreciação, exigem um ouvido longamente familiarizado com a poesia metrificada. Aqueles que acreditam poder apreciar verso livre sem experiência de métrica estão, creio eu, a enganar-se a si próprios, tentando correr antes de saberem andar. Mas na corrida literal as quedas magoam e o aspirante a corredor logo descobre o seu erro.” Um dos grandes prazeres que podemos deduzir da leitura dos livros do autor de Décima Aurora vem de podermos ir ajustando, com cuidado e alguma teimosia, o nosso ouvido à música subtilíssima que se esconde na só aparente “liberdade” que os versos sugerem.»Eugénio Lisboa  

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