segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Celebrar Aquilino Ribeiro

“Os 50 anos da morte de Aquilino Ribeiro vão ser o tema de diversas acções da Associação Portuguesa de Escritores (APE), numa iniciativa coordenada por Luís Machado.
Hoje,  25 de Fevereiro  no Panteão Nacional, onde estão os restos mortais de Aquilino, José Manuel Mendes, Mário de Carvalho, António Valdemar e Serafina Mendes evocam o homem e o escritor.
A 19 de Março  Alfredo Caldeira, Fernando Rosas, Mário Cláudio e José Manuel Mendes lembram, na biblioteca do Parlamento, o tempo da clandestinidade e exílio. Depois, a 20 de Abril  será a vez de uma visita guiada por Henrique Monteiro às Terras do Demo, onde nasceu Aquilino.
No dia seguinte, será Mário Cláudio a guiar o itinerário de Romarigães, no Minho, tema de um dos romances de Aquilino e casa da família da sua mulher.
A 22 de Maio, em Paris, Coimbra Martins, Eduardo Lourenço e José-Augusto França recordarão os tempos de exílio do escritor; dois dias depois, no restaurante La Closerie des Lilas (favorito de Aquilino e Hemingway), Luís Machado fala sobre os locais do escritor em Paris.
As comemorações terminam a 27 de Maio, quando se completam 50 anos sobre a morte, com uma conferência de António Valdemar e Luís Machado: "De Garfo e Faca com Aquilino".”Expresso
A  Casa Grande de Romarigães
" Em poucas remadas a barca endireitou o rumo, em linha recta para a margem. Que energia acordara dentro de Luís,  para que o remo vergasse na sua mão e não cedesse à violência do monstro? Dobrado para a proa , olhos fitos  no fluxo da água , via-a murmurar, num murmúrio quase animal, de choro, de raiva, espadeirada, desviada, cortada do seu caminho à fina força. O outro remador secundava Luís Antas com alma, embora impando. E a barca penetrou como uma flecha na terra impaludada de Portugal.
Luís levou Joana nos braços para a terra firme, um bosque de carvalhos e amieiros onde não chegara a babugem fluvial e não longe do ponto em que os criados aguardariam com duas montadas. Depô-la na relva,  semimorta pela emoção. Tanto um como outro tinham sentido soprar o vento infrene que sopra das fronteiras da vida e da morte. Luís agora exultava. Quando ela derregelou do colapso, sobrepondo-se a todas as limitações, testemunhados pelas estrelas, que bem elas os miravam, com um ralo, ao cabo do almargeal, a entoar a flébil cantiguinha e que não interrompeu para não ouvir  e ter de contar, mataram sua sede de amor.
Dali até Romarigães, por Cerveira, serra de Ovas, Ponte, ora a chouto, ora a galope , foi uma passeata embevecida. O padre-mestre, reverendo Sebastião Mendrugo, deitou-lhes a benção na capelinha da casa , consagrada a Nossa Senhora do Amparo. Pequena resistência teve a vencer de parte do pai, Domingos  da Cunha, tão correntão e desenganado em aparência, no fundo o mais  atrido dos homens, e igualmente da terna e lacrimosa mamã. O padre incorria na pena de anátema substituindo-se ao pároco próprio, sem estar habilitado com licença da Câmara Eclesiástica a ministrar-lhes a benção nupcial, e o casamento era nulo segundo um reescrito do Concílio  Tridentino. Mas que se importava  ele com as consequências dum acto praticado à sombra do todo-poderoso Domingos da Cunha e que estivesse válido ou nulo? 
Dos irmãos de Luís da Cunha, apenas Cristina se achava na Casa Grande.(...)  Cristina era amada por um moço de Ganfei. Nele não concorria porém a prosápia do sangue  com a do espírito, e que mais não fosse,  no intuito de se forjar uma aliada, acolheu Joana , como a maninha preciosa, leal e verdadeira.
Nessa mesma tarde que ela chegou à varanda, curiosa de conhecer os lugares onde estava, Luís veio de seguida, não menos curioso também de receber a sua impressão.
- Como é bonito!"
 Aquilino Ribeiro, in " A Casa  Grande de Romarigães". Círculo de Leitores, 1988
O que escreveu Agustina Bessa-Luís sobre  Aquilino Ribeiro: " As novas gerações aprendem com Aquilino a honrar a linguagem. Não é próprio do nosso tempo honrar seja o que for , a inflação da desonra é quase um mérito aconselhado. Mas, em qualquer altura, alguém que tenha a inclinação solitária, ou atenta, ou simplesmente erudita, abrirá um livro de Aquilino ( sobretudo refiro-me às obras de grande densidade regional) e amará o seu verbo. Não é imprescindível a cultura. Pode-se passar sem ler Virgílio e Homero. Mas um dia deparamos com uma página assim e achamos que alguém assim esgotou na terra a sua energia e os seus dons. E o seu fantasma não anda disperso  a tentar confundir-se à variedade de discursos e acções humanas, para completar o seu ciclo criador,." Agustina Bessa-Luís, in " Colóquio Letras nº 85 - Maio de 1985
Aquilino Gomes Ribeiro nasceu a 13 de Setembro de 1885, em Carregal de Tabosa, no concelho de Sernancelhe, Beira Alta. A sua vida, como a de muitas das personagens que animou, foi movimentada e aventurosa. Tendo estudado no Liceu de Lamego (depois da escola de Soutosa), parte para Viseu, onde se inicia na filosofia. A pedido de sua mãe, D. Mariana do Rosário Gomes, entra para o Seminário de Beja, fazendo apenas o 1º. e parte do 2º. ano de Teologia, pois não lhe é reconhecida vocação religiosa.
Em 1906 vai para  Lisboa, onde começa a sua longa carreira de jornalista, com artigos (e princípio de um romance em folhetins – «A Filha do Jardineiro») na Vanguarda. Escreveu ainda para o Jornal do Comércio e O Século (tendo sido, mais tarde, correspondente deste jornal em Paris), foi redactor do diário A Pátria, colaborou na Ilustração Portuguesa, no Diário de Lisboa, na República e em muita outra imprensa diária. Para além de ser um dos fundadores da Seara Nova (1921), onde também colaborou, escreveu em revistas como Homens Livres e Lusitânia. Foi, com outros intelectuais seus amigos, à frente dos quais Raul Proença, um dos animadores da publicação do Guia de Portugal (1919). 
Em 1907, é preso  na sequência de uma explosão acidental no seu quarto, na qual morreram dois carbonários,Gonçalves Lopes( Professor) e Belmonte de Lemos (Adeleiro). No entanto, conseguiu evadir-se e exilou-se em Paris, só regressando a Portugal no início da Grande Guerra, em 1914.
Data de 1913 o seu primeiro livro, " Jardim das Tormentas", um livro de contos com dedicatória à  sua primeira mulher, Grete Tiedemann natural da Alemanha.O livro foi prefaciado por um monárquico,Carlos Malheiro Dias, um adversário político muito prestigiado no meio literário.Nunca descurando o seu trabalho de escritor, exerce na Biblioteca Nacional de Lisboa a função de segundo-bibliotecário e, depois, de conservador, cargo de que é demitido em 1927, aquando da segunda perseguição policial. Desta feita unira-se à revolta contra a ditadura militar que entroviscava a Nação. Foge para a Beira Alta e, em seguida, de novo para Paris – segundo exílio. Quando, clandestinamente, regressa a Portugal, esconde-se em Soutosa. Morre-lhe a esposa. No ano seguinte reincide, envolvendo-se noutra conjura contra o Governo. É encarcerado no presídio militar de Fontelo, em Viseu. Com António Mota, consegue evadir-se serrando as grades da prisão enquanto, numa grafonola, sacolejava, altissonante, um disco... Esconde-se em plena serra e foge para Paris – terceiro exílio. Casa com D. Jerónima Dantas Machado, filha do presidente Bernardino Machado, também exilado na capital francesa. Vão residir para o Sul de França (onde, em 1930, lhe nasce o segundo filho). Entretanto, em Lisboa, condenam-no à revelia. Vive depois em Vigo e em Tui até entrar semiclandestinamente em Abravezes (Viseu). Amnistiado em 1932, vai viver para Cruz Quebrada. 
Em 1933, a sua novela As Três Mulheres de Sansão ganha o Prémio Ricardo Malheiros. Sócio-correspondente da Academia Real das Ciências em 1935, só vinte e três anos mais tarde o elegem sócio efectivo. O Brasil presta-lhe homenagem e condecora-o em 1952. Apesar das forças políticas contrárias, é um dos mais entusiastas fundadores, o primeiro presidente eleito e o sócio nº. 1 da Sociedade Portuguesa de Escritores (1956). No ano seguinte, a Livraria Bertrand inicia a edição das suas Obras Completas, que se tinham agigantado em quarenta e quatro anos de profissão literária. Publicado em 1959, o incómodo romance Quando os Lobos Uivam é apreendido e o seu autor processado. Uma amnistia abrange este processo no ano seguinte, ano em que a intelectualidade portuguesa candidata Aquilino Ribeiro ao Prémio Nobel de Literatura.
Em 1963, a Sociedade Portuguesa de Escritores, sob a presidência de Ferreira de Castro, nomeia uma comissão encarregada de festejar os cinquenta anos da publicação do seu primeiro livro " O jardim das Tormentas". Aquilino Ribeiro adoece inesperadamente no decorrer de entusiásticas homenagens, que se iniciam no Porto. Morre ao meio-dia e trinta do dia 27 de Maio, no Hospital da CUF, de Lisboa. Dificilmente se contestaria tratar-se de um dos maiores escritores do século XX, e um dos mais originais e fecundos de toda a literatura portuguesa." Fonte: Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. III, Lisboa, 1994 e Óscar Lopes in " Introdução à Casa  Grande de Romarigães", Círculo de Leitores, 1988

1 comentário:

  1. Excelente artigo. Aquilino Ribeiro , um dos maiores prosadores de sempre, merece ser recordado e celebrado.

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