segunda-feira, 16 de outubro de 2017

A paleta de Renoir



"A paleta de Renoir era limpa "como uma moeda nova". Era uma paleta quadrada que se encaixava na tampa do estojo, que tinha a mesma forma. Num dos godés duplos, punha óleo de linhaça puro e no outro uma mistura de óleo de linhaça com essência de terebentina, em partes iguais. Numa mesa baixa, colocada ao lado do cavalete, tinha um copo cheio de essência de terebentina em que enxaguava o pincel, praticamente após cada aplicação de cor.
Na caixa, e em cima da mesa, tinha alguns pincéis de reserva. Nunca tinha em uso mais do que dois ou três ao mesmo tempo. Mal começavam a ficar gastos, esborratavam, ou por qualquer outra razão deixavam de lhe proporcionar uma absoluta precisão de pincelada, deitava-os fora. Exigia que destruíssem os pincéis velhos, não fosse ele pegar em algum deles por engano enquanto trabalhava.
Na mesinha havia também panos limpos, com os quais secava de vez em quando o pincel. 
A caixa, tal como a mesa, estavam sempre perfeitamente arrumadas. 
Os tubos de tintas eram enrolados a partir da dobra, de forma a obter, ao espremê-los, a quantidade exacta de tinta pretendida.  
No princípio da sessão de trabalho, a paleta, que tinha sido limpa no fim da sessão anterior, estava imaculada. Para a limpar, começava por raspá-la, vertendo os resíduos para um papel, que atirava logo para o lume. Em seguida, esfregava-a com um pano embebido em essência de terebentina até que não houvesse o mínimo resquício de tinta na madeira. O pano ia também para o lume.
Os pincéis eram lavados com água fria e sabão. Recomendava que esfregassem suavemente os pêlos na palma da mão. De vez em quando encarregava-me desta operação, o que me enchia de orgulho.
Renoir descreveu pessoalmente a composição da sua paleta numa nota que a seguir transcrevo e que data, evidentemente, do período impressionista:
Branco de prata, amarelo de crómio, amarelo-de-nápoles, ocre amarelo, terra-de-siena natural, vermelhão, laca de garança, verde-veronês, verde-esmeralda, azul-cobalto, azul-ultramarino, espátula, raspadeira, essência, tudo o que é necessário para pintar. O ocre amarelo, o amarelo-nápoles e a terra-de-siena são meros tons intermédios que são dispensáveis, pois podem fazer-se com outras cores. Pincéis redondos de pêlo de marta, pincéis chatos de seda.
Registe-se a ausência do preto, "a rainha das cores", como ele próprio iria proclamá-lo no seu regresso de Itália.
 À medida que se aproxima do fim da vida irá  simplificar ainda mais a sua paleta. A ordem de que me lembro na época em que pintava "As Grandes Banhistas" do Louvre, no ateliê de Les Collettes, era a seguinte: começando de baixo, junto da abertura para o polegar, o branco de prata, em quantidade generosa, o amarelo-de-nápoles num montículo minúsculo, tal como todas as cores que se seguem - o ocre amarelo, a terra-de-siena, o ocre vermelho, a laca de garança, a terra verde, o verde-veronês, o azul-cobalto, o negro-marfim.
Esta selecção de cores não era inalterável. Eu vi Renoir, embora em raras ocasiões aplicar vermelhão chinês que punha na paleta entre a laca de garança e a terra verde. Nem Gabrielle nem eu o vimos usar o ocre de crómio. 
Esta exiguidade de meios era impressionante.  Os montículos de tinta pareciam perdidos na superfície de madeira, rodeados de vazio. Renoir encetava-os com parcimónia, com respeito. Era como se achasse que iria ofender Mullard, que lhe tinha preparado meticulosamente aquelas cores, se atafulhasse a paleta com elas e depois não as usasse até à mais pequena parcela.
Quase sempre misturava as tintas na tela. Preocupava-se muito em que o quadro mantivesse, ao longo de todas as fases do trabalho, uma impressão de transparência."
Jean Renoir, in "Pierre-Auguste Renoir, meu Pai" , págs 336 a 338, 2005, Ed. Bizâncio, Lisboa.
"Young Gir in a Blue Hat"

"Mosque in Algerie" -1882
"Mademoiselle Demarsy" - 1882
La Grenouillère 1869

Pierre Renoir, auto retrato

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