segunda-feira, 24 de junho de 2013

Os bastidores da morte de Pablo Neruda


Anos depois, em isla Negra imagem do dia da exumacão do corpo do poeta Pablo Neruda
Fotos: Evandro Teixeira, F. Füllgraf, divulgação
Crónica de um assassinato presumido
Os bastidores da exumação de Pablo Neruda
14 de Junho de 2013 - 12:48 |  Revista Brasileiros 70
Por Frederico Fullgraf
"Pablo Neruda: 12 de Julho de 1904-23 de Setembro de 1973. O corpo do poeta, Prêmio Nobel de Literatura, foi exumado em 8 de Abril último. O relatório preliminar e parcial do SML, Instituto Médico Legal do Chile, de 2 de maio, sobre os exames radiológicos e histológicos, conclui que o poeta, morto na Clínica Santa María, em Santiago do Chile, “padecia de câncer de próstata em estágio avançado, com metástase”. A informação não é nova – ela foi veiculada após o falecimento de Neruda pela equipe médica e depois usada para fragilizar e desautorizar a segunda linha de investigação da efetiva causa mortis, que suspeita de um atentado, realizado mediante aplicação de uma injeção letal.
Junho de 1975
Durante as filmagens de Um Minuto de Escuridão não nos Deixará Cegos, estávamos em Valparaíso e Vinha del Mar, muito perto de Isla Negra, mas não era possível visitar a casa de Neruda, ela estava lacrada e vigiada por militares. Para a ditadura do general Augusto Pinochet, era a “casa maldita”. Mais de 30 anos depois, tenho permissão para visitar Isla Negra por um motivo insólito: a exumação do corpo de Neruda, que não foi apenas o diplomata-viajor.
Com sua obra traduzida para 35 idiomas, tornou-se “cidadão do mundo” e poeta da planetária. Autor do metafísico Residencia en la Tierra, com sua casa em Isla Negra, Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto, também conhecido por Pablo Neruda, decidira morar em frente ao mar. A casa seria seu barco, e ele seu capitão.
Escrivinhador anônimo dos Versos do Capitão, dedicados a Matilde Urrutía, sua terceira mulher, Neruda sentia-se um marinheiro frustrado, um marujo em terra, com os olhos teimosa e perenemente postos sobre o Pacífico. “Para Neruda, o mar é aquilo, onde tudo nasce e tudo termina”, observou Francisco Rivas, escritor e neurocirurgião nerudino chileno. De volta da Espanha – em cuja guerra civil apoiara os republicanos, por isso persona non grata e expulso pelos franquistas vitoriosos – em 1937, Neruda procurou um lugar para morar no litoral central do Chile.
Montado a cavalo, em uma tarde de 1939, descobre a pequena praia de Las Gaviotas, que abrigava uma modesta casa feita de pedras, onde Don Eladio Sobrino, um velho capitão de navio espanhol, aposentado, resolvera passar seus últimos dias. Neruda compra o terreno de Don Eladio, mas rebatiza-o com o nome de “ilha” por necessidade poética e de “negra” por causa das rochas pretas. As mesmas rochas pretas que em um domingo de 2013 estão apinhadas de jornalistas em busca de um ângulo favorável para acompanhar o momento em que se interromperá o sono etéreo do autor das Odes Elementais, aqui sepultado, cara a cara com o mar.
O pescador
O convite para acompanhar a exumação partiu de Don Manuel Araya, ex-motorista, dublê de secretário e segurança do poeta, que me foi apresentado em março deste ano pelo líder pescador Cosme Caracciolo, com quem eu preparava as filmagens de um documentário. Araya e Caracciolo vivem a poucas quadras um do outro, na cidade portuária, San Antonio, distante 100 km de Santiago, 30 km de Isla Negra.
A exumação, ocorrida em 7 e 8 de abril, foi celebrada por Araya como uma vitória, embora salientasse com delicadeza que era a “vitória da verdade”. Araya é o pivô da exumação ordenada pelo juiz Mario Carroza, da Corte de Apelações de Santiago. Há 40 anos, esse senhor de pele morena e modos suaves, sempre trajando um terno impecável, insistia que Neruda não fora vitimado por um câncer, mas assassinado com uma injeção letal. Na condição de militante do Partido Comunista, filiação que compartilhava com o patrão, por oito vezes Araya interpelara o partido com sua denúncia, mas ninguém dera crédito.
Então, o pescador Cosme Caracciolo – ex-militante do MIR (Movimento de Esquerda Revolucionária), preso político torturado durante meses pelos sicários de Pinochet, hoje um livre-pensador da oposição – teve uma ideia engenhosa: chamou o jornalista Francisco Marín, correspondente no Chile da revista mexicana Proceso, e juntou-o a Araya em torno da mesa da copa de sua casa. O resultado dessa conversa foi a reportagem ¿Mataron a Pablo Neruda?, publicada em 31 de maio de 2011, que repercutiu nos meios de comunicação de língua espanhola. Só então o PC reconheceu em seu militante o homem obstinado que batera o pé e obrigara o Chile a reescrever sua história. Depois de entrevistar-se duas vezes com Araya, o advogado do PC, Eduardo Contreras – o mesmo que, em 1998, processara Pinochet por crimes de lesa-humanidade – não pestanejou, registrando ação criminal por homicídio e acobertamento da morte de Neruda, exigindo sua exumação.
Araya e Marín voltariam a se encontrar várias vezes, o que resultou o livro-reportagem El Doble Asesinato de Neruda, lançado no Chile no final de 2012, mas já em vias de contratação no Brasil pela Geração Editorial.
Sobre a causa mortis de Neruda, a sociedade chilena está rachada, mas a maioria admite que o poeta pode ter sido assassinado, como ilustração de tantos casos ainda mal explicados, mais de 20 anos após o fim da ditadura do general Pinochet.
Portanto, encontrar-se em Isla Negra significa embarcar em uma dolorosa retronarrativa. Empossado no governo dos EUA havia menos de um ano, em uma célebre entrevista de 1970, o presidente Richard Nixon comparava a América Latina com Fidel Castro no poder em Cuba e Salvador Allende no Chile, com a imagem de um “sanduíche” esmagado por dois “polos marxistas”. Medindo consequências, ordenou a derrubada de Allende e seus assessores desenvolveram o Track II – um plano de desestabilização generalizada das instituições chilenas, com infiltração de agentes da CIA, financiamento do jornal El Mercurio para combater o governo, fomento de greves, visando ao desabastecimento do país, treinamento de militares chilenos em atentados, assassinato de militares leais a Allende e comprometimento da ditadura de Garrastazu Médici na conspiração." Frederico Fullgraf , em Crónica publicada na Revista Brasileiros, Brasil
Leia a Crónica completa AQUI ,Revista Brasileiros 70
Frederico Füllgraf, Brasil,cineasta, escritor, ambientalista , jornalista, tem uma extensa obra cinematográfica  cuja credibilidade,  conforme  escreveu o poeta Manoel de Andrade, "vem de uma longa trajetória de realizações cujos rastros foram deixados, em 2006,  no interior paranaense e na distante Namíbia, quando dirigiu a filmagem de Maack, o profeta pé-na-estrada, relatando as viagens e pesquisas geológicas feitas no Paraná, na década de 40, pelo cientista alemão Reinhard Maack, um precursor do ambientalismo, descobridor do Pico do Paraná e autor de estudos geológicos que ligam a bacia geológica paranaense à bacia de Gondwana, na Namíbia. 
Seu primeiro filme, Queremos que esta terra seja nossa, rodado em Portugal, em 1975, aborda a Revolução dos Cravos, golpe militar pacífico que derrubou o governo herdeiro da ditadura de SalazarEm 1985, pelo seu filme Dose Diária Aceitável, sobre as consequências dos agrotóxicos no Brasil, recebe no RIEENA ― Festival Internacional do filme ambiental, na França, o prêmio de Melhor Documentário de Conscientização, considerado o primeiro prêmio internacional do cinema paranaense. No seu invejável currículo acadêmico, Füllgraf, na década de 80, estudou Comunicação Social, Filosofia e Ciências Políticas na Universidade Livre da Alemanha, época em que realizou reportagens e filmagens de documentários para a ARD (rede pública de televisão da Alemanha). Em 1988, a Editora Brasiliense publicou seu livro (já esgotado) A bomba pacífica ― O Brasil e outros cenários da corrida nuclear.
Frederico Füllgraf é um respeitável intelectual"  com várias obras publicadas. Edita o Blog Füllgrafianas que considera "um diário de bordo da cultura na era do espanto".

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