domingo, 9 de junho de 2024

Ao Domingo Há Música


Celebram-se amanhã , dia 10 de Junho , quinhentos anos do nascimento de Luís Vaz de Camões. Muito se tem escrito sobre este grande poeta nacional. Seleccionamos um pequeno texto, escrito por Eugénio Lisboa, que não cessaremos  de celebrar ( deixou-nos no passado dia 9 de Abril), que, na sua  arguta ironia,  faz uma leitura ideológica   do célebre soneto de Camões, de acordo com os ditames deste dias que correm.
A Música deste domingo canta  Camões  e, com ela, nos despedimos para iniciar uma pausa.
Até sempre!
 
Uma interpretação ideológica de um soneto de Camões
por Eugénio Lisboa
“Todos conhecem aquele belíssimo soneto de Camões, que começa assim: “Alma minha gentil que te partiste”, seguindo-se-lhe treze versos, cada um mais belo do que o anterior.
Tem havido o mais variado leque de interpretações deste poema, que vale uma literatura, incluindo a inevitável “interpretação” biografista, que vê, na “alma minha” uma alusão à amante chinesa, morta afogada , no célebre naufrágio na foz do rio Mekong. Nesse naufrágio, cujas circunstâncias, em pormenor, se desconhecem, Camões teria salvo, a nado, OS LUSÍADAS, mas não conseguiu salvar da morte a sua Dinamene. Até aqui, tudo bem. As teses biografistas têm o interesse que têm, embora não sejam exactamente interpretações de um texto. Dizer que, sem o conhecimento biográfico deste episódio, o soneto ficaria incompreensível, é um rotundo disparate. O poema deve ser interpretado pelo que o poeta lá pôs e não pelas circunstâncias que estiveram na origem da sua escrita.
Mas, à luz de uma minha experiência recente, relacionada com o modo como alguns poemas meus têm sido “interpretados” por ideólogos superaquecidos, estranho que a mesma receita ideológica ainda não tenha sido aplicada ao imortal soneto de Camões. Uma coisa deste gosto: Camões era europeu, branco; Dinamene era chinesa, amarela. Amor, amor, raça aparte. Entre salvar uma inferior chinesa e OS LUSÍADAS, o bardo não hesitou, exibindo um conhecido preconceito racista: salve-se o manuscrito, pereça a chinesa. A partir daqui, o crítico ideológico esquecia os achados poéticos, as lindas metáforas, a linguagem poética de uma inventiva sem igual, e mergulhava, a fundo, nos malefícios das “descobertas”, do racismo, do colonialismo, da exploração do homem pelo homem, do capitalismo selvagem, dando Camões como um peão de forças malévolas e um precursor mal avisado do racismo do século XXI. Por que não? As redes sociais andam cheias deste tipo de sondagens. Vou terminar, contando uma história verdadeira, de que tomei conhecimento, no meu tempo de estudante de engenharia. Vivia na Av. Guerra Junqueiro, muito próxima do Instituto Superior Técnico. Frequentava então uma Pastelaria Mexicana, que ainda existe, a qual era também frequentada por um ideólogo da esquerda dura, obcecado com a ideologia e com Marx. Conta-se que, na sua primeira noite de núpcias, quando finalmente se libertou dos amigos e se fechou no quarto com a noiva, depois de se meter na cama com ela, debruçou-se carinhosamente sobre a amada e perguntou-lhe: “Você já leu O CAPITAL, de Karl Marx?” Consta que o casamento durou poucos dias e até se percebe porquê. Aquela pergunta cabia tanto naquela circunstância, como o racismo cabia no imortal soneto de Camões."
Eugénio Lisboa, em 14.08.2023

Amália Rodrigues, em Alma minha , soneto de Luís Vaz de Camões e Música  de Carlos Gonçalves. À  Guitarra Portuguesa: Carlos Gonçalves e Fontes Rocha ,  à  Viola: Jorge Fernando e à Viola Baixo: Joel Pina.
Com que voz chorarei meu triste fado, 
que em tão dura prisão [paixão] me sepultou,
 que mor não seja a dor que me deixou 
o tempo, de meu bem desenganado? 

 Mas chorar não se estima neste estado, 
onde suspirar nunca aproveitou;
 triste quero viver, pois se mudou 
em tristeza a alegria do passado. 

 [Assi a vida passo descontente,
 ao som nesta prisão do grilhão duro 
que lastima o pé que o sofre e sente!] 

 De tanto mal a causa é amor puro, 
devido a quem de mi tenho ausente
 por quem a vida, e bens dela, aventuro. 
Luís Vaz de Camões

Camané & Mário Laginha , em  Com Que Voz . Poema de Luís Vaz de Camões e Música de Alain Oulman.

 
LINA , em Desamor, com Poema de Luís Vaz de Camões e Música de José Francisco Cavalheiro Jr. Ao piano John Baggott e na Guitarra Portuguesa Pedro Viana.
 

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