terça-feira, 23 de novembro de 2021

Para onde vou?

 " Donde venho eu e donde vem o mundo em que vivo e do qual vivo? Para onde vou e para onde vai tudo o que me rodeia? Que significa isto? Tais as perguntas  do homem assim que se liberta  da embrutecedora necessidade de ter de sustentar-se materialmente. E se virmos bem, veremos que sob estas perguntas não está tanto o desejo de conhecer um porquê quanto o de conhecer o para quê; não da causa , mas da finalidade. É conhecida  a definição que Cícero dava da filosofia, chamando-a  «ciência das coisas divinas e das causas humanas que nela se contêm», rerum divinarum et humanarum, causarumque quibus hae res continentur ; mas na realidade essas causas são, para nós , fins. E a Causa Suprema, Deus, que é senão o Supremo Fim? O porquê só nos interessa em função do para quê; só queremos saber donde viemos para melhor podermos averiguar para onde vamos.
(...) Porque quero eu saber donde venho e para onde vou, donde vem e para onde vai o que me rodeia, e que significa tudo isto? Porque não quero morrer totalmente, e quero saber se  hei-de ou não morrer definitivamente. E se não morro, que será de mim? E se morro, já nada tem sentido. E há tês soluções; a) ou sei que morro totalmente, e então é o desespero irremediável; ou b)  sei que não morro totalmente, e então é a resignação; ou c) não posso saber nem uma coisa nem outra, e então é a resignação no desespero, ou este naquela, uma resignação desesperada, ou um desespero resignado, e a luta.
« O melhor é», dirá algum leitor, «pôr de lado o que não se pode conhecer.» É isso possível? No seu formosíssimo poema  O Sábio Antigo ( The ancient sage) , Tennyson dizia: « Não podes provar o inefável  ( the nameless) , ó meu filho, nem podes provar o mundo em que te moves; não podes provar que és só corpo, nem podes provar que és só espírito, nem que és os dois num só; não podes provar que és imortal, nem mesmo que és mortal; sim, meu filho, não podes provar que eu, que falo contigo, não és tu que falas contigo mesmo,  porque nada digno de provar-se pode ser provado nem des-provado, pelo que sê prudente, agarra-te sempre à parte mais ensoalhada da dúvida e trepa à Fé para lá das formas da Fé!» Sim, talvez, como diz o sábio, nada digno de ser provado possa ser provado ou des-provado.
for nothing worthy proving can be proven,
not  yet disproven;
Mas  poderemos nós deter esse instinto que leva o homem a querer conhecer e, sobretudo, a querer conhecer aquilo que o leva a viver, e a viver sempre?  A viver sempre, não a conhecer sempre como o gnóstico alexandrino. Porque viver é uma coisa  e conhecer outra, e, como veremos , talvez haja  entre elas uma tal oposição que possamos dizer que tudo o que é vital é anti-racional, e não só irracional, e tudo o que é racional, antivital. E esta é a base do sentimento trágico da vida."
Miguel de Unamuno, in Do Sentimento Trágico da Vida nos homens e nos povos,  Círculo de Leitores, Setembro de 1989, pp.30,31,32

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