sábado, 4 de novembro de 2017

Naturalidade

Europeu , me dizem.
Eivam-me de literatura e doutrina
europeias
e europeu me chamam.

Não sei se o que escrevo tem a raiz de algum 
pensamento europeu.
É provável...Não. É certo,
mas africano sou. 
Pulsa-me  o coração ao ritmo dolente
desta luz e deste quebranto.
Trago no sangue uma amplidão
de coordenadas geográficas e mar Índico.
Rosas não me dizem nada,
caso-me mais à agrura das micaias
e ao silêncio longo e roxo das tardes 
com gritos de aves estranhas.

Chamais-me europeu? Pronto, calo-me.
Mas dentro de mim há savanas de aridez
e planuras sem fim
com longos rios  langues e sinuosos
uma fita de fumo vertical,
um negro e uma viola estalando.
Rui Knopfli, em " nada tem já encanto" de "Um país dos outros , (1959" Edições Tinta da China, Outubro de 2017, p 14
Rui Knopfli (1932 - 1997)
"Rui Knopfli nasceu em 1932, em Inhambane, Moçambique. Fez estudos em Lourenço Marques e viveu uns tempos em Joanesburgo.  Dirigiu o vespertino A Tribuna, coordenou páginas e suplementos culturais de jornais e revistas, escreveu crítica literária e cinematográfica, envolveu-se em polémicas. Com João Pedro Grabato Dias, fundou os cadernos de poesia Caliban, onde traduziu, entre tantos, Eliot. Publicou oito livros de poemas: O País dos Outros (1959), Reino Submarino (1962), Máquina de Areia (1964), Mangas Verdes com Sal (1969), A Ilha de Próspero (1972, com fotografias suas) e, já em edição portuguesa, O Escriba Acocorado (1978), O Corpo de Atena (1984, Prémio de Poesia do PEN Clube) e O Monhé das Cobras (1997). Memória Consentida: 20 Anos de Poesia 1959-1979 saiu em 1982, e a Obra Poética em 2003. Uma antologia, Uso Particular, é de 2017. Assumido opositor ao statu quo colonial, Knopfli não se mostrou menos crítico quando a situação mudou, e em 1975 viu-se forçado a abandonar de vez Moçambique. Exercerá durante duas décadas as funções de conselheiro de imprensa na Embaixada de Portugal em Londres. Faleceu em 1997. Está sepultado em Vila Viçosa." Tinta da China

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