terça-feira, 15 de outubro de 2024

Jorge Luís Borges

 
Jorge Luis Borges

A última entrevista de Jorge Luis Borges
por Carlos Willian Leite
“O escritor morreu alguns meses depois de ter concedido a entrevista ao jornalista e apresentador Roberto D’Ávila, em 1985
“Não criei personagens. Tudo o que escrevo é autobiográfico. Porém, não expresso minhas emoções diretamente, mas por meio de fábulas e símbolos. Nunca fiz confissões. Mas cada página que escrevi teve origem em minha emoção.”
Jorge Luis Borges nasceu em 1899 na cidade de Buenos Aires, Argentina, e morreu em Genebra, Suíça, em 1986. Entrelaçando ficção e fatos reais, Borges concentrou-se em temas universais, o que lhe garantiu reconhecimento mundial. É considerado o maior escritor argentino de todos os tempos e um dos mais importantes nomes da história da literatura.
Na entrevista, que foi concedida em julho de 1985 ao jornalista Roberto D’Ávila, Jorge Luis Borges fala sobre a infância, a cegueira, a morte. Afirma que o fracasso e o sucesso são impostores. E traduz o seu amor pela literatura em uma frase: “Se recuperasse a visão eu não sairia de casa. Ficaria lendo os muito livros que estão aqui, tão perto e tão longe de mim”. Borges morreria menos de um ano depois de ter concedido a entrevista.
 
Fale-me de sua infância, de suas memórias…
Minhas primeiras memórias são da biblioteca de meu pai. Não me recordo de uma época em que não soubesse ler e escrever. Meu pai era professor de psicologia e me disse que a memória começa aos 4 anos de idade. Aprendi a ler e escrever entre os 3 e 4 anos. A biblioteca de meu pai era essencialmente de livros ingleses. De modo que quase tudo que li na vida foi em inglês e depois em outros idiomas, já que, em 1915, fomos para Genebra e tive que estudar francês e também bastante latim. Depois disto, eu me ensinei alemão para ler Schopenhauer. Mas antes passei pela poesia e pelos expressionistas alemães: Johannes Becher, Wilhelm Klemm, Kafka e outros. Quando perdi a vista como leitor em 1955, para não “abound in loud self pity”, para não abundar em sonora autocomiseração, como diz Kipling, empreendi o estudo do inglês arcaico. Depois estive duas vezes na Islândia e estudei um pouco do escandinavo antigo. O islandês é a língua mãe do sueco, do dinamarquês e, parcialmente, do inglês. Agora pensei em estudar japonês ou chinês, que são idiomas tão estigmatizados.
Das leituras da infância, o que mais lhe impressionou?
“As Mil e Uma Noites”. Livros de diferentes épocas da vida de Kipling, que comecei a ler quando criança. Sempre gostei muito dos atlas e das enciclopédias. Curiosa­mente, continuo a comprar livros. Não posso lê-los. Aqui tenho, por exemplo, uma excelente enciclopédia italiana, a Garzanti, tenho duas edições da Brockhaus, alemã, e uma edição da Britânica. Gosto muito. Acho que é a melhor leitura para um homem ocioso e curioso como eu. Infelizmente perdi a vista. Se eu a recuperasse, não sairia desta casa. Ficaria lendo os muito livros que estão aqui, tão perto e tão longe de mim. Mas perdi a vista. Diversos países me convidam para dar conferências. Vou agora à Califórnia, à Nova York e depois à Roma. Depois volto à Roma no fim do ano para falar de meus livros. Continuo a escrever. Que mais posso fazer? É que não gosto do que escrevo. Nesta casa não encontrará um só livro meu. Por que quem sou para ficar ao lado de Euclides da Cunha, Camões ou com Montaigne? Não sou ninguém! Continuo a adquirir livros porque gosto de estar rodeado por eles. Como quando era menino, já que minhas primeiras lembranças são de livros e acho que minhas últimas o serão também. Quanto à minha memória, a única coisa que consigo lembrar são citações, mas, dos fatos de minha vida, me esqueci. As datas, não me lembro de nenhuma. Tenho lembranças de meus pais a quem adorava, dos meus amigos. Agora meus amigos estão embaixo da terra.
E as lembranças dos amores?
Agora estão menos vivas. Lem­bro-me de uma frase muito triste de Emerson: “Life itself becomes a quotation”. “A própria vida se converte numa citação.” Tenho a memória cheia de versos em tantos idiomas. E continuo escrevendo. Bem, escrevendo é uma metáfora; ditando. Como passo boa parte do tempo sozinho, vou povoando esta solidão com projetos literários. Não vão durar muito porque, aos 85 anos, não se tem muito por vir. Entretanto minha mãe morreu aos 99 anos com o terror de chegar aos 100. Eu tentava convencê-la de que os 100 são uma superstição. Mas, mesmo assim, o número 100 a apavorava. Quando fiz 80, achei horrível. Espero não chegar aos 90. Eu preferiria morrer esta noite. Agora não, porque quero conversar um pouco com você. Quando vocês se forem, eu morro. Eu gostaria. Assisti a várias agonias no curso de minha excessivamente longa vida. Minha mãe acreditava em Deus, eu não. Todas as noites lhe pedia que a levasse durante o sono. Uns meses antes de fazer 100 anos morreu, que era o que queria. Ela acordava de manhã e chorava ao ver que não tinha morrido durante a noite e se preparava para outro dia. 
Como é a cegueira?
Uma das primeiras cores que se perde é o negro. Perde-se a escuridão e o vermelho também. Vivo no centro de uma indefinida neblina luminosa. Mas não estou nunca na escuridão. Neste momento esta neblina não sei se é azulada, acinzentada ou rosada, mas luminosa. Tive que me acostumar com isto. Fecho os olhos e estou rodeado de luz, mas sem formas. Vejo luzes. Por exemplo, naquela direção, onde está a janela, há uma luz, vejo minha mão. Vejo movimento mas não coisas. Não vejo rostos e letras. É incômodo mas, sendo gradual, não é trágico. A cegueira brusca deve ser terrível. Mas se pouco a pouco as coisas se distanciam, esmaecem… No meu caso, comecei a perder a vista desde o momento em que comecei a enxergar. Tem sido um processo de toda minha vida. Mas a partir de 55 anos, não pude mais ler. Passei a ditar. Se tivesse dinheiro, teria uma secretária, mas é muito caro. Não posso pagar.
Nunca ficou desesperado por causa da cegueira?
Não. Como foi um processo lento, não houve um momento patético. Mas se uma pessoa perde a vista de repente, pode, inclusive, pensar em suicídio.
O sr. já pensou em suicídio?
Quando era jovem, sim. Mas quando a pessoa é jovem, quer ser o príncipe de Hamlet, Byron, Edgar Alan Poe, ou Baudelaire. Mas agora procuro a serenidade. As pessoas são muito boas para mim. Claro. Sou um velhinho inofensivo. Quem vai me molestar? Não pertenço a nenhum partido político. Sou um velho anarquista spengleriano. Principalmente neste país, as pessoas se interessam muito por política. Eu não. Mas tenho minha consciência tranquila. Falei e escrevi contra Perón. Minha mãe, minha irmã e um sobrinho meu estiveram presos. Ameaçaram-me de morte, mas eu sabia que, se alguém lhe ameaça de morte, você não corre nenhum perigo. Depois vieram todos esses governos. Falei contra o terrorismo, muitas vezes, contra a ditadura militar. Depois escrevi contra uma possível guerra com o Chile. Contra a invasão das Malvinas, escrevi dois poemas e uma milonga, que foi proibida pelo governo.
Pode recitar?
Não me lembro. Tenho um poema que se intitula “Juan Lopez y John Ward”. São dois rapazes, um argentino e um inglês, que poderiam ter sido amigos, mas que se matam na guerra. Tenho uma milonga que se chama “Milonga del Muerto” sobre um soldado que morreu na guerra. As pessoas riem um pouco dessa guerra, mas toda guerra é terrível, até mesmo uma pequena como essa. Morreram 2000 argentinos e 500 britânicos. Conversei com sodados que me disseram que se tivessem um rifle na mão teriam matado seus oficiais. Os sargentos quando viram, fugiram e deixaram os soldados. É que não eram soldados; eram recrutas. Era gente trazida das províncias semitropicais do norte e os mandaram às cercanias do Polo Sul combater soldados verdadeiros. Eram todos rapazinhos de 18 ou 20 anos, ainda que houvesse uma superioridade numérica grande.
Quais foram as grandes sensações de sua vida?
São as grandes sensações da vida de todo homem. O amor, a amizade, a leitura, o gosto por escrever, embora não goste do que escrevo. Nesta casa não há livros meus nem sobre mim. A partir dos 30 anos, não li uma única linha que se escreveu sobre mim. Sei que há bibliotecas inteiras, mas não li nada. Acho que deve-se viver para o futuro. Quando publico um livro, não sei se teve êxito, se está vendendo. O que disse a crítica. Meus amigos sabem que não devem falar do que escrevo.
Por que?
Porque é incômodo falar da própria pessoa. Prefiro falar de outros autores. Deve acontecer o mesmo com outros escritores. Há uma frase muito bonita de Kipling que fala sobre o fracasso e o sucesso. O fracasso e o sucesso são impostores. Ninguém fracassa tanto como imagina. Ninguém tem tanto sucesso como imagina. Além disso, o que importa o sucesso e o fracasso? No fim das contas, todos seremos esquecidos, o que aliás é melhor. Não creio em imortalidade pessoal. Meu pai dizia: “Quero morrer eternamente — corpo e alma”. Segundo a Bíblia, depois dos 70, tudo é aflição. Mas eu diria que antes também. Não é preciso fazer 70 anos para conhecer a aflição. Segundo a tradição, os 33 são a idade perfeita, porque é quando morre Cristo e nasce Adão. Adão nasceu aos 33 anos. Na Idade Média, houve uma discussão muito séria sobre se Adão tinha ou não umbigo. Adão não pode ter umbigo porque não nasceu de mãe, porque foi criado do pó por Deus. Mas, ao mesmo tempo, se lhe falta o umbigo, é imperfeito. Então Adão tem que ter umbigo, embora não tenha tido cordão umbilical. Isto se discutiu com toda seriedade durante muito tempo. Havia teólogos encarniçados em ambos os lados. Sir Thomas Brown, um escritor do século 18, diz “The man without a navel lives in me”. “O homem sem umbigo vive em mim”; ou seja: “Adão vive em mim; sou também o primeiro homem”.
O sr. leu muitos de livros?
Não. Li muito poucos. Sempre reli os mesmos livros. Não conheço a literatura contemporânea. Desde que perdi a vista como leitor em 1955, não li nada de novo.
Mas quando era menino, na biblioteca de seu pai, lia muito?
Não lia muito. Folheava os livros. Não creio que tenha lido quase nenhum livro do princípio até o fim, salvo livros de filosofia. Romances li muito poucos. Para mim, o romancista é Conrad.
O sr. leu pouco, mas sua vida é a literatura. A realidade para o sr. não importa muito. O que importa são as sensações?
Se eu tivesse interesse na realidade europeia, leria jornais. Nunca li um jornal na vida. Pra que lê-los? É tudo bobagem. Só falam de viagens de presidentes, congressos de escritores, partidas de futebol. Por isso gostaria de recuperar a visão para poder folhear um livro, escolher o que vou ler ou omitir. Quase não li romances na vida, fora Joseph Conrad, que para mim é o romancista. Fracassei com grandes romances, com Zachary, com Flaubert.
Mesmo com “Cem Anos de Solidão” o sr. não foi até o fim?
Com “Cem Anos”, não. Completei no máximo 50 anos. Mas é um excelente livro. Gostaria de conhecer o autor.
Não o conhece?
Não tive oportunidade. E possivelmente nunca terei. Ele vive na Colômbia, não? Estive duas vezes na Colômbia. Todo mundo foi muito amável comigo, sobretudo porque sou um ancião inofensivo. Inimigos pessoais não tenho. Às vezes me ameaçam de morte, mas por telefone, o que não tem nenhuma importância. Se uma pessoa quer matar a outra, não avisa porque seria um imbecil. Bem, os assassinos são imbecis.
Queria mudar um pouquinho a assunto. Queria que o sr. falasse do amor.
Ocupou tanto lugar na minha vida, que ocupa pouco em minha obra. Estive casado por três anos e compreendemos que o único modo de continuarmos amigos era a separação. Mas agora também não somos amigos porque não a vejo nunca. Não sei se morreu ou não.
Quer dizer que o sr. acha que o casamento mata mais que o amor?
Três anos de casamento foram um pouco onerosos.
Fale-me de seu sentimento por Buenos Aires.
Mudou tanto a cidade… Já não a conheço… Nasci aqui no centro de Buenos Aires: Rua Tucumán, quatro ou cinco quadras daqui. Toda a Buenos Aires era de casas baixas com terraços, pátios, campainhas manuais. Só havia algumas casas altas perto da praça do Congresso. A cidade toda tinha casas com pátios, poços. Sempre havia uma tartaruga no fundo para comer os bichos: uma espécie de filtro vivo. Buenos Aires mudou completamente. Minha mãe se lembrava des­ta rua sem calçamento.
Mas o sr. é um homem universal, tem todos os sangues…
Não tenho tantos. Meu bisavô era lisboeta. Era Borges de Mon­corvo, uma cidadezinha de Trás-os-Montes. Depois tenho uma maioria de sangue espanhol, uma avó inglesa, algum sangue judaico-português e, muito distante, algum sangue normando dos Bittencourt, uma família de Rouen, noroeste da França. Devo ter ainda algum sangue escandinavo e isto é tudo. Mas eu trato de ser cosmopolita, de ser digno deste planeta.
A sua genialidade vem de que lado?
Não tenho genialidade de ne­nhuma espécie. Sou apenas um pequeno escritor sul-americano, um mínimo argentino."
Carlos Willian Leite, em”Entrevistas” da Bula Revista, 15/06/2013 - 11:16

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Pensamento do dia


"Aquele que adere a uma lei não teme o julgamento que o reinstala numa ordem em que crê. Mas o maior dos tormentos humanos é ser julgado sem lei. Nós vivemos, porém, neste tormento.

Uma pessoa das minhas relações dividia os seres em três categorias: os que preferem não ter nada que esconder a serem obrigados a mentir, os que preferem mentir a não ter nada que esconder e, finalmente, os que amam ao mesmo tempo a mentira e o segredo. Deixo à sua escolha o compartimento que me convém.

Que importa, no fim de contas? As mentiras não conduzem finalmente à via da verdade? E as minhas histórias, verdadeiras ou falsas, não tenderão todas para o mesmo fim, não terão o mesmo sentido? Que importa, então, que sejam verdadeiras ou falsas se, nos dois casos, são significativas do que fui e do que sou?"
Albert Camus, "A Queda"

domingo, 13 de outubro de 2024

Ao Domingo Há Música

 

Verdes são os campos, da cor de limão 
Assim são os olhos do meu coração 
Campo que te estendes, com verdura bela 
Ovelhas que nela vosso pasto tendes
De ervas vos mantendes, que traz o verão
E eu das lembranças do meu coração 
        Luís de Camões

Portugal tem poetas e vozes que sabem dar à poesia o som que nelas se esconde. 
Apresentam-se três grandes vozes que vestiram belíssimas canções de  Zeca Afonso.

Cordis & Cuca Roseta, em Verdes são os Campos. Letra de Luís de Camões e Música de Zeca Afonso.
 
Sara Correia e Ângelo Freire, em Balada de Outono. Letra e Música de Zeca Afonso.
Águas passadas do rio
Meu sono vazio não vão acordar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai 
que eu não volto a cantar
Rios que vão dar ao mar
Deixem meus olhos secar 
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar
  
Dulce Pontes, em  Canção De Embalar, canção de Zeca Afonso.
 

sábado, 12 de outubro de 2024

Centro Histórico de Guimarães

Centro Histórico de Guimarães
Distrito: Braga
Concelho: Guimarães
Tipo de Património
Centros Históricos
Proteção Jurídica
Classificado pela UNESCO desde 2001
Descrição
O Centro Histórico da cidade de Guimarães é formado por um conjunto de edifícios, praças e ruas, de grande valor histórico e artístico. Encontra-se classificado pela UNESCO como Património Mundial.
Num território com povoamento muito antigo, onde se encontram vestígios arqueológicos da Pré-História (Citânia de Briteiros) e da Romanização, a cidade, protegida por muralhas, formou-se a partir da Idade Média e foi local de residência da corte no período da formação de Portugal. Da história do Castelo de Guimarães fazem parte vários cercos, como o efectuado pelos castelhanos no reinado de D. Fernando I, suportado vitoriosamente pelos sitiados, e durante a crise de 1385, em que demorou a rendição desta praça a D. João I.
Percorrer, a pé, as ruas do Centro Histórico e descobrir os segredos de um património cultural ancestral é a melhor forma de conhecer a cidade. Ao caminhar pela malha urbana de ruas estreitas, descobrirá a beleza de outros largos e praças, como a Praça de Santiago. A Rua de Santa Maria é uma das mais importantes, pela sequência harmoniosa de fachadas quinhentista, varandas de madeira e casas nobres, como a Casa do Arco. Nesta rua, destaca-se a fachada gótica do edifício medieval de Santa Clara, onde estiveram instalados os antigos Paços do Concelho.
O estilo gótico predomina na fundação dos edifícios de arquitetura religiosa monumental. Muitos deles foram remodelados nos sécs. XVII e XVIII com a introdução de decoração barroca. A igreja de S. Francisco e a Igreja de S. Domingos merecem uma visita. Os cruzeiros são monumentos característicos, com a representação da cruz e decoração escultórica. Não deixe de entrar na Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, onde está instalado o Museu Alberto Sampaio.

UNESCO aprova ampliação de zona classificada como Património Mundial em Guimarães
"O Comité do Património Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO, na sigla em inglês) aprovou em setembro de 2023, a ampliação da zona classificada de Guimarães.
A proposta já tinha recebido parecer positivo para reclassificação e viu agora ser confirmada a ampliação da área classificada como Património Mundial.
A proposta da Câmara Municipal de Guimarães previa “duplicar a área classificada, inscrevendo a Zona de Couros na lista indicativa para obter o estatuto de Património da Humanidade”, como se podia ler num comunicado da autarquia de 2015.
“No caso de a candidatura ser bem-sucedida, a área de proteção passará a ser cinco vezes superior à atual, criando-se uma zona tampão desde o topo da montanha da Penha, onde nasce a ribeira de Couros, à Veiga de Creixomil, foz de cursos de água”, acrescentava o texto da altura.
A autarquia do distrito de Braga sublinhou, noutro documento, que “a área classificada agora proposta aponta um novo sentido à leitura do ‘Centro Histórico de Guimarães’, incorporando os espaços primitivos do trabalho na compreensão da génese e desenvolvimento”.

“Até à candidatura, estava consolidada a ideia de que a génese de Guimarães era bipolar: em torno da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira e em torno do Castelo, à cota alta. Hoje sabemos que, à cota baixa, se desenvolviam as atividades de curtimenta (certamente, entre muitas outras) e, nesse sentido, é incompleta a noção do burgo medieval sem a compreensão destas inter-relações”, pode ler-se no texto.
A Câmara de Guimarães acrescentou: “O que hoje se vê em Couros resulta do desenvolvimento da indústria nos últimos 100-200 anos, sobrepondo-se, por exigências funcionais, produtivas, às preexistências. Documentalmente, já no século XII o rio é designado como ‘rio de Couros’. Mas parece cada vez mais certa a hipótese da génese desta atividade, neste local, ser muito mais remota, por exemplo, considerando as referências às trocas comerciais presentes no testamento de Mumadona Dias (ano de 959)”.
Percorrer, a pé, as ruas do Centro Histórico e descobrir os segredos de um património cultural ancestral é a melhor forma de conhecer a cidade. Ao caminhar pela malha urbana de ruas estreitas, descobrirá a beleza de outros largos e praças, como a Praça de Santiago. A Rua de Santa Maria é uma das mais importantes, pela sequência harmoniosa de fachadas quinhentista, varandas de madeira e casas nobres, como a Casa do Arco. Nesta rua, destaca-se a fachada gótica do edifício medieval de Santa Clara, onde estiveram instalados os antigos Paços do Concelho.
O estilo gótico predomina na fundação dos edifícios de arquitetura religiosa monumental. Muitos deles foram remodelados nos sécs. XVII e XVIII com a introdução de decoração barroca. A igreja de S. Francisco e a Igreja de S. Domingos merecem uma visita. Os cruzeiros são monumentos característicos, com a representação da cruz e decoração escultórica. Não deixe de entrar na Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, onde está instalado o Museu Alberto Sampaio.

Guimarães
UNESCO aprova ampliação de zona classificada como Património Mundial em Guimarães
O Comité do Património Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO, na sigla em inglês) aprovou em setembro de 2023, a ampliação da zona classificada de Guimarães.
A proposta já tinha recebido parecer positivo para reclassificação e viu agora ser confirmada a ampliação da área classificada como Património Mundial.
A proposta da Câmara Municipal de Guimarães previa “duplicar a área classificada, inscrevendo a Zona de Couros na lista indicativa para obter o estatuto de Património da Humanidade”, como se podia ler num comunicado da autarquia de 2015.
“No caso de a candidatura ser bem-sucedida, a área de proteção passará a ser cinco vezes superior à atual, criando-se uma zona tampão desde o topo da montanha da Penha, onde nasce a ribeira de Couros, à Veiga de Creixomil, foz de cursos de água”, acrescentava o texto da altura.
A autarquia do distrito de Braga sublinhou, noutro documento, que “a área classificada agora proposta aponta um novo sentido à leitura do ‘Centro Histórico de Guimarães’, incorporando os espaços primitivos do trabalho na compreensão da génese e desenvolvimento”.
“Até à candidatura, estava consolidada a ideia de que a génese de Guimarães era bipolar: em torno da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira e em torno do Castelo, à cota alta. Hoje sabemos que, à cota baixa, se desenvolviam as atividades de curtimenta (certamente, entre muitas outras) e, nesse sentido, é incompleta a noção do burgo medieval sem a compreensão destas inter-relações”, pode ler-se no texto.
A Câmara de Guimarães acrescentou: “O que hoje se vê em Couros resulta do desenvolvimento da indústria nos últimos 100-200 anos, sobrepondo-se, por exigências funcionais, produtivas, às preexistências. Documentalmente, já no século XII o rio é designado como ‘rio de Couros’. Mas parece cada vez mais certa a hipótese da génese desta atividade, neste local, ser muito mais remota, por exemplo, considerando as referências às trocas comerciais presentes no testamento de Mumadona Dias (ano de 959)”.

Núcleos mais importantes:
Citânia de Briteiros
Citânia de Briteiros
Trata-se de um povoado fortificado da Idade do Ferro/época romana. Após quase um século de escavações mais ou menos contínuas, foi posto a descoberto um aglomerado de habitações (cerca de duzentas). Muitas têm planta circular com cerca de cinco metros de diâmetro, por vezes possuem um pequeno ou alpendre; outras têm a forma elíptica ou, ainda, rectangular.
Castelo de Guimarães
Castelo de Guimarães
A construção primitiva, possivelmente em terra e madeira, foi edificada entre 959 e 968, pela condessa Mumadona viúva do conde Hermenegildo Mendes, para proteger o seu mosteiro e a povoação local das invasões normandas. Mais tarde, o conde D. Henrique remodelou o castelo, em cuja alcáçova terá nascido D. Afonso Henriques, 1º rei de Portugal.
Igreja do Convento de S. Francisco., Guimarães
Igreja do Convento de S. Francisco., Guimarães
Igreja do Convento de S. Francisco 
É de raiz gótica e foi edificada no séc. XV. Da sua primitiva traça, resta, atualmente, o pórtico, flanqueado por dois elevados contrafortes, envolto pela decoração de semi-esferas das três arquivoltas que são sustentadas por seis colunelos de capitéis esculpidos, e a abside, poligonal, apoiada nos seus cantos por maciços contrafortes escalonados. Bastante acima do portal, abre-se o óculo da anterior rosácea.
Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, Guimarães
Igreja de Nossa Senhora da Oliveira
Também conhecida por igreja da Colegiada, supõe-se que o primitivo templo foi fundado, no séc. XI, pela condessa Mumadona. Daquele período não restam vestígios; o edifício pré-românico sofreu, ao longo dos tempos, acréscimos e alterações."
Fonte de informação
CNC / LUSA
Bibliografia
ALMEIDA, José António Ferreira de (orientação e coordenação), Tesouros Artísticos de Portugal, Selecções do Reader's Digest, Lisboa, 1982.
GIL, Júlio e CALVET, Nuno, As mais belas igrejas de Portugal, vol. I, Verbo, Lisboa, 1988.
LOPES, Flávio (coord.), Património Classificado - Arquitectónico e Arqueológico - inventário, vol. I, IPPAR, Lisboa, 1993.
OLIVEIRA, Manuel Alves de, Guia de Portugal de A a Z, Círculo de Leitores, Lisboa, 1990.
Data de atualização
22/09/2023
e-Cultura. pt , Centro Nacional de Cultura

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Canção

Canção
Que me nivela ao que me amarga! Voa
E acima , além da minha vil tristura,
Se eu não perdoo, tu perdoa!
José Régio, Mas Deus é grande

  . 

HAUSER e Aida Garifullina interpretando Les Contes d'Hoffmann: Barcarolle, de Jacques Offenbach, no Classic Gala Concert ,no Royal Albert Hall, Londres, Maio de 2024, acompanhados pela Royal Philharmonic Orchestra , sob a direcção do Maestro Robert Ziegler.

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Nobel da Literatura para escritora da Coreia do Sul

Han Kang , The New YorK Times

Nobel da Literatura para escritora da Coreia do Sul, Han Kang
"A poeta sul-coreana, sucede ao norueguês Jon Fosse ao receber a maior distinção literária do mundo, atribuído pela Academia sueca, pelo valor de 11 milhões de coroas suecas. A entrega do prémio decorrerá a 10 de dezembro.
O Nobel da Literatura 2024 acabou de ser atribuído à romancista e poeta sul-coreana Han Kang numa cerimónia que teve lugar em Estocolmo e foi difundida em streaming. Han Kang sucede ao romancista e dramaturgo norueguês Jon Fosse, que foi premiado o ano passado.
Como acontece anualmente, há dias que se especulava sobre quem seria o vencedor, sendo que as apostas recaíam sobre a chinesa Can Xue, o japonês Haruki Murakami e o australiano Gerard Murnane. Tinha-se a perceção de que o prémio não recairia sobre um autor europeu ou ocidental, o que acabou por confirmar-se.
“Quando lhe telefonámos, ela tinha acabado de jantar com o filho, num dia normal. Não estava preparada para isto mas já começamos a discutir os preparativos para dezembro, teremos muito gosto em tê-la aqui”, disse o secretário da Academia Sueca. A escolha do seu nome celebra "a sua prosa poética intensa que confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana”.
Nascida em Gwangju, na Coreia do Sul, em 1970, lançou-se como romancista em 1995, vencendo anos mais tarde o Korean Fiction Award. Em 2007, escreveu “A Vegetariana”, romance por cá publicado pela D. Quixote que acabaria por receber Man Booker International Prize em 2016. Além deste livro, em Portugal foram traduzidas outras obras suas, tais como “Lições de Grego”, “O Livro Branco” e “Atos Humanos”, pela mesma editora.
“Os seres humanos não hesitam em dar a sua própria vida para salvar uma criança que caiu na linha do comboio, mas também são autores de violências terríveis, como em Auschwitz. O vasto espectro da humanidade, que vai do sublime ao brutal, tem sido para mim, desde criança, um problema difícil e trabalhoso. Pode dizer-se que os meus livros são variações sobre este tema da violência humana", declarou em 2016 à “The White Review”.
Desde 1901, o Nobel da Literatura foi outorgado a 120 escritores. E Han Kang é a 18ª mulher que o recebe, ao lado de Annie Ernaux, Olga Tokarczuk, Doris Lessing, Herta Müller e Louise Glück, entre outras. A entrega do prémio, com o valor pecuniário de 11 milhões de coroas suecas - o equivalente a cerca de 967 mil euros - decorrerá numa cerimónia a 10 de dezembro." (Luciana Leiderfarb, Jornalista do Expresso)
Prémios Nobel 2024 já outorgados:
Nobel da Fisiologia ou Medicina - Victor Ambros e Gary Ruvkun
Nobel da Física - John J. Hopfield e Geoffrey E. Hinton
Nobel da Química - Demis Hassabis, John M. Jumper e David Baker
Nobel da Literatura - Han Kang
Próximos anúncios:
Nobel da Paz - sexta-feira, 11 de outubro
Nobel da Economia - segunda-feira, 14 de outubro

This is my song

 
VOCES8, em This Is My Song (Finlândia), de Jean Sibelius
 arranjos de  Blake Morgan
This is my song

This is my song, O God of all the nations,
A song of peace for lands afar and mine. This is my home, the country where my heart is, Here are my hopes, my dreams, my holy shrine. But other hearts in other lands are beating, With hopes and dreams as true and high as mine. My country’s skies are bluer than the ocean, And sunlight beams on cloverleaf and pine. But other lands have sunlight too, and clover, And skies are everywhere as blue as mine. *This is my song, O God of all the nations, A song of peace for their land and for mine. So let us raise this melody together, Beneath the stars that guide us through the night; If we choose love, each storm we’ll learn to weather, Until true peace and harmony we find, This is our song, a hymn we raise together; A dream of peace, uniting humankind.

*modified from Stone’s original poetry 

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Duas garrafas de Chianti ou um verso de Racine?

Eugénio Lisboa

É impossível não publicar textos literários sem que Eugénio Lisboa não seja o primeiro grande nome que se insinue. É tal a dimensão da sua obra , que bastava para justificar. Mas não se trata apenas de dimensão, a qualidade mergulhou em toda a sua obra . Trata-se de um escritor maior, multifacetado, que nunca teve pejo de ir onde muitos não foram para abordar qualquer tema e, naquele franco falar, produzir obras de verdadeira genialidade.
O texto, que se apresenta, foi extraído do livro Portugaliae Monumenta Frivola ou As verdadeiras e as Falsas Riquezas, e recebeu o Prémio Jacinto Prado Coelho pela Associação Internacional dos Críticos Literários , em 2000.
 
Duas garrafas de Chianti ou um verso de Racine?
por Eugénio Lisboa
"Não há artes menores, só há artistas menores. Quando Mozart compunha uma música de fundo, para banquetes nos palácios dos seus patronos, não estava a produzir música menor. Quando Rui Coelho escrevia música orquestral séria e ambiciosa, fabricava pastelões abaixo de menores.
Uma cortina , o design de um copo ou de um vaso, uma máquina de fazer  café podem surpreender-nos, desencadeando em nós uma emoção estética tão forte como um alexandrino de Racine.
Julgo ter razões para pensar que, para um espírito como o de Leonardo, nada estava abaixo do seu apetite criador ou do seu olho voraz. " Se Botticelli estivesse hoje vivo " , dizia Peter Ustinov, " estaria a trabalhar para a  Vogue".
Há quem goste de troçar, sem razão, do grande químico inglês Humphry Davy que, ao ser-lhe perguntado que impressão lhe causavam as galerias de arte de Paris, respondeu: " São a melhor colecção de molduras que até hoje vi.". A resposta é menos tola do que possa parecer, porque não só uma moldura  pode ser uma admirável obra de arte como, em muitas galerias, se se não salvam as molduras, pouco se salvará.  Humphry Davy mostrou apenas uma grande e intrépida candura e um espírito esplendorosamente  despido de preconceitos.
Muitas vezes troça-se do que é admirável só porque o que é admirável não é pomposo.  Nada mais ridículo  - ou até odioso - do que pretender-se transformar a arte em Arte.  Um personagem da famosa peça  Equus,  de Peter Shaffer, fala da sua mulher com um desprezo mal fundado: " Tudo quanto a minha mulher  conseguiu trazer do Mediterrâneo - de toda essa vasta cultura  intuitiva - foram duas garrafas de Chianti, para as transformar em candeeiros, e dois burrinhos para condimentos, em porcelana, com os nomes de Sally e Peppy". Pensar que duas garrafas  de Chianti não podem  dar, com imaginação criativa, dois candeeiros elegantes e clássicos, releva daquela estupidez pomposa de quem não gosta de confundir arte com Arte.
Toda a arte começou por não ser pomposa mas arrisca-se a acabar soterrada em pompa. Muita da audiência para que Shakespeare  escrevia as suas peças  era apenas a escumalha de Londres. Thomas Mann via no artista  criador - mesmo no mais insigne - um "entretainer" e até um clown.
O design tem potencial e às vezes tem competência para produzir , em nós, a emoção equivalente à que em nós constrói um verso de Racine.  Comprei em Nápoles e em Barcelona, uma máquina de café e um pequeno bule de bronze, que gosto de revisitar como revisito -  com a mesma emoção - os versos que de há muitos anos nos devolvem , com elegância trágica, a mortal angústia de Fedra.
O moderno design dá à vida um estilo e uma elegância que a vida normalmente não tem. Só isso mostra que o design tem o estatuto de arte, se é verdade, como queria Voltaire, que o segredo das artes está em corrigir a natureza. Acrescentando-a, proporia eu."
Eugénio Lisboa, in Portugaliae Monumenta Frivola ou As verdadeiras e as Falsas Riquezas,  1ª edição,  2000, Universitária Editora, Lda. , pp.135,136.