quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Interlúdio Musical

                                    Khatia Buniatishvili, em Chopin Funeral March. 

Sobre a belíssima Marcha Fúnebre de Chopin há várias explicações para a sua criação. Eis uma delas:
"Decorria a primeira metade do séc.XIX e na cidade de Nice o afamado artista e boémio Félix Ziem, gostava de reunir os seus amigos, Jorge Sand, Chopin, Alfredo de Musset, Balzac, Housay, Rossini e Delacroix ao entardecer e manter as elevadas e alegres práticas várias horas depois de ter jantado.
As “reuniões” efectuavam-se no atelier do artista, no qual, além dos móveis comuns, havia um grande relógio, um piano e… um autêntico esqueleto humano. Numa ocasião, em que a atmosfera parecia “carregada” dessas estranhas energias que os sensitivos conseguem perceber, à meia-noite e com as velas quase gastas, um dos assistentes solicita repentinamente a Ziem que faça tocar uma valsa ao esqueleto. Este leva-o ao piano e com as mãos esqueléticas do mesmo interpreta toscamente a música pedida. No cúmulo da indignação, Chopin, arranca os despojos ao seu amigo, colocando-os respeitosamente no local habitual, feito isto ocupa o banco do piano e começa a improvisar uma música tão bela e sentida que os assistentes ficaram estupefactos. Balzac, inflamado de dionisíaco entusiasmo, parecia transportado a mundos supra físicos de distinta beleza, Musset, tremendo de “frio astral” encolhia-se no seu cadeirão, enquanto Delacroix e Rossini ficavam imóveis, como que petrificados.
Quando, por fim, cessou a música, reinou um silêncio de morte e as velas apagaram-se todas de uma só vez. Ao chegar a sua casa, Chopin, escreveu de uma só vez a melodia que acabava de executar e quando os seus amigos o felicitaram por ela, simplesmente respondeu: “Não é a mim que devem felicitar, mas sim ao Espírito do esqueleto e ao de muitos mortos que vieram tocar diante de mim.”
Essa foi a “Marcha Fúnebre” de Chopin. Depois da sua viagem às Baleares, interpretou-se sobre o seu ataúde. A alma do artista voou até aos seus companheiros, músicos do espaço."
   Chopin: Funeral March from Piano Sonata No. 2 
(orchestrated by Elgar)

terça-feira, 5 de novembro de 2024

I remember you, my friend

Bruce Springsteen , em I'll See You In My Dreams (Lyric Video).

BREVE NOTA SOBRE A IDOLATRIA

Evocamos, com imperecível prazer, uma belíssima crónica de Eugénio Lisboa, que é um manifesto inteligente para os tempos que correm. A argúcia e o profundo olhar de Eugénio Lisboa perdurarão  sempre actuais  porque são parte intrínseca de um grande escritor e intelectual. Um homem de muito saber e profundamente culto.

BREVE NOTA SOBRE A IDOLATRIA
por Eugénio Lisboa
"A idolatria foi condenada por três religiões diferentes – e nem sempre convergentes – como um dos piores pecados que um ser humano pode cometer. A Bíblia, a Tora e o Alcorão convergem nisso sem a mais pequena reserva. O homem que idolatra não admira com fundamento: adora com fanatismo e vê, nos que ponham reservas a tão aquecida paixão, um inimigo arrogante, um desmancha-prazeres e um convencido. Quiçá um herético ou um infiel a abater. A idolatria renega o equilíbrio, a saúde mental e o sentido crítico.
Sobre a idolatria, o grande dramaturgo irlandês, George Bernard Shaw, disse várias coisas saborosas, entre elas, esta: “O selvagem dobra-se diante ídolos de madeira e de pedra, o homem civilizado, diante de ídolos de carne e osso.”
A nossa vida intelectual, depois de quarenta e seis anos de democracia e de muitas décadas de saudável pedagogia libertadora de um António Sérgio, vive ainda no comprimento de onda da mais provinciana e infecunda idolatria, como se torna evidente com a histeria obituária que por aí se despenha, de cada vez que se assinala o passamento de um vulto de algum modo mais destacado, no nosso meio cultural. A falta de perspectiva e de aconselhável comedimento que então nos assola é simplesmente assustadora. Uma avaliação honesta, modesta, comedida, e fora das ejaculações mais intemperadas é considerada inveja, mau feitio e desmancha-prazeres. O cronista A, o romancista B, o poeta C, o filósofo D são, no mínimo, verdadeiros gigantes, só que ninguém dá por eles, nos verdadeiros areópagos. Há nesta loucura não tão mansa como isso algo de muito doentio: uma espécie de sobrecompensação para a nossa pequenez e relativa pouca relevância internacional. Debita-se para aí uma ladainha de Bandarra, com promessas férvidas de triunfos que nos compensem de infortúnios pretéritos. Escrevemos então o melhor romance dos últimos cem anos, um poema tão grande como os Lusíadas e temos, entre nós, o melhor filósofo dos últimos três séculos ou mesmo de sempre. E fazemos uma festa com grande espalhafato, que só não nos torna mais ridículos porque ninguém, lá fora, dá por isso.
Na África do Sul, na língua Afikander, há uma palavra capitosa que significa um peixe considerado grande porque habita num lago pequeno. Se eu fosse linguista, inventava, em português, um vocábulo que se ajustasse a este conceito. Teríamos bom uso para ele.
O pior das idolatrias é que são um terrível entrave ao progresso do conhecimento. Este sempre se fez de um necessário acolhimento à contradição e ao encontrar sucessivo de melhores respostas para as nossas perplexidades. A admiração não faz mal, mas o embevecimento é de mau aviso. Além do mais, o idólatra tende a reduzir o diâmetro do foco da sua atenção: só vê o idolatrado e nada mais à sua volta ou para trás, numa espécie de “criacionismo” que a ciência de há muito rejeita.
Para terminar, direi que o Portugal de Bento Caraça, de Aniceto Monteiro, de Aurélio Quintanilha, de Tiago Oliveira, de António Sérgio, de Sílvio Lima, de Jaime Cortesão, de Raul Proença, de José Régio, de Rui Luis Gomes, de Abel Salazar, de Jorge de Sena e de tantos bons argonautas da Seara Nova não merece que lhe suceda um Portugalinho idólatra, provinciano, unânime e contente. Alguém dizia que um Professor é um cavalheiro de opinião diferente. Um verdadeiro pensador, um verdadeiro investigador, um verdadeiro artista criador é também isso mesmo: um cavalheiro de opinião diferente A idolatria não acolhe a opinião diferente e é sempre um triste sinal de atraso. Por mim, enquanto o vigor me não abandonar, terei sempre muito orgulho em pertencer à tribo dos cavalheiros de opinião diferente. Até porque, mesmo com a minha provecta idade, não quero ficar parado."
                  16.12.2020
Crónica de Eugénio Lisboa

domingo, 3 de novembro de 2024

84º Aniversário do poeta Manoel de Andrade

Manoel de Andrade com a mulher Neiva, em Sagres,
11 de Outubro de 2016

- A poesia, Gracinha ,
é cada grão que germina
é o corpo do camponês
inclinado sobre a terra
semeando a própria dor
são os ombros do proletário
suportando no salário
o peso imenso da vida.
Manoel de Andrade, O que é  a poesia..., meu irmão? , Poemas para a Liberdade

Ter o privilégio de conhecer e  conviver com um poeta é um prazer que vai crescendo com o tempo.
Manoel de Andrade faz hoje 84 anos . Tem sido um poeta de grande oficina poética   ao longo dos anos. Um poeta que começou por cantar a Liberdade, quando ela se escoava nas garras da ditadura que aprisionou o Brasil e muitos dos países da América Latina. Obrigado a exilar-se, correu esse extenso continente pugnando pelo Homem Livre, em belíssimos poemas que puseram em perigo a sua integridade física. Nunca desistiu e, já em solo pátrio, foi remetido ao silêncio para que a sua voz não denunciasse as atrocidades de um regime totalitário.
Quando a aurora despontou de novo no Brasil, Manoel de Andrade  retomou o lirismo da sua poesia para nos brindar , a todos nós, com obras de grande sensibilidade e de extraordinária  qualidade , cimentando o seu lugar entre os  grandes poetas vivos. 
Para ele,  com toda a gratidão por tantas páginas de soberba leitura, apresentamos a nossa homenagem pelo seu 84º aniversário.  
Homenagear um poeta é lembrar as suas palavras. Eis um excerto de uma profunda reflexão que  registou sobre a condição de poeta: 
"Nós, os poetas, temos plena consciência de que não podemos mudar o mundo, embora nosso DNA seja feito de sonhos. Por isso somos tão poucos e estamos cada vez mais sozinhos. Quem sabe por sermos os herdeiros solitários de tantas utopias!? A pós-modernidade aniquilou o homem. Tentou matar Deus, tentou matar a Verdade, está tentando matar a Arte e a Poesia. Na década de 70 perguntaram a Pablo Neruda o que aconteceria com a poesia no ano 2000. Ele respondeu que, com certeza, não se celebraria a morte da poesia. Que em todas as épocas deram por morta a poesia, mas que ela está sempre ressuscitada e que parece ser eterna. O grande poeta e revolucionário argentino Juan Gelman, prémio Cervantes de 2007, afirma que “Lo extraordinário es como la poesía, pese a todo, a las catástrofes de todo tipo, humanas, naturales, viene del fondo de los siglos y sigue existiendo. Ese es el gran consuelo para mí. Va a seguir existiendo hasta que el mundo se acabe si es que se acaba alguna vez”.
 (…) A poesia está inscrita no âmago da alma humana e ela é de todos os tempos. Desde Homero, há 3.000 anos, cantando as peripécias de Ulisses e os combates de Aquiles; desde Camões cantando a saga dos grandes descobrimentos, até Castro Alves cantando a liberdade para os escravos e Drummond de Andrade, dizendo-nos, poeticamente, que há sempre “uma pedra no caminho” de nossas vidas. A palavra, na poesia, foi e será sempre a mais bela forma de resistência contra um mundo desumano, e um profético aceno para um tempo melhor.
 (…) Eis porque nós, os poetas, sentimos que só resta a nossa própria plenitude, esse misterioso monólogo com a história e o incognoscível, porque habitamos o território do encanto e do amanhecer. Cantamos porque vivemos dessa partícula de sonho que nos sobrepõe ao real, como disse Ingenieros. Cantamos porque acreditamos na missão imperecível da beleza, apesar de todo esse desamparo e essa perplexidade ante um mundo cada vez mais violento e cruel. Cantamos “porque a canção existe” e essa é a nossa fortuna. Cantamos para dizer nossas verdades e repartirmo-nos em cada verso. Cantamos porque cada palavra, cada poema nosso é uma esperança de busca e de encontro, um mágico roteiro para a liberdade, uma proposta de diálogo com o mundo, um gesto de amor para legitimar a condição humana e também nossa gota de lirismo para salvar a poesia de sua angustiante agonia. (...)”
Manoel de Andrade, poeta brasileiro, em ensaio publicado no Blog Palavras todas as palavras, Novembro 4, 2008

Ao Domingo Há Música


Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.
Luís Vaz de Camões, Sonetos


O canto de Camões é sempre um canto maior. E , afora esta certeza, traz-nos a verdade que marca a vida ao longo do devir do tempo. Há quem a soube interpretar e lhe deu som e fez, dessa constante e ambígua mudança, canções que se imortalizaram.
Joni Mitchell , na belíssima canção Both Sides Now (Lyric Video).
 
Nina Simone, nos "inícios" da sua carreira com uma interpretação de excelência de  To Love  Somebody (Live in Antibes, 1969).
 
A voz inconfundível de Ray Charles, em  Song For You (Live at Montreux 1997).
   
E a famosa canção de Leonard Cohen  Hallelujah (Live In London).
 

sábado, 2 de novembro de 2024

Quatro ilhas saindo do mar ao mesmo tempo

DE LISBOA AO CORVO
por Raúl Brandão
16 de Junho
"Na luz matutina e fria das quatro horas tenho diante de mim um espectáculo único, quatro ilhas saindo do mar ao mesmo tempo – a Graciosa dum verde muito tenro acabando dum lado e do outro em penhascos decorativos; a Terceira muito ao longe quase desvanecida; e a meu lado, por trás do biombo violeta de S. Jorge, que se estende ao comprido nas águas, o cone do Pico aguçado até ao céu, transparente como se fosse de cristal. Isto frio, nítido e ao mesmo tempo irreal, num céu de esmalte onde se destacam a buril as linhas regulares do Pico, com uma nuvenzinha quase pousada na extremidade. É só num ponto e passa num instante, porque o navio não pára – é no instante em que o Pico se revela erguido até ao céu e as manchas violetas das ilhas têm a cor passada da nuvem que vai desfazer-se – enquanto a Graciosa ali perto se mostra toda verde. Horizonte largo, mar e panorama à luz da madrugada. A limpidez da atmosfera mantém-se apenas segundos: ao nascente mexe-se já, dotada duma vida extraordinária, uma grande nuvem esponjosa e plúmbea, doirada nos bordos. Em aparecendo o Sol, as névoas começam a sua missão agitada.
É um momento – é só um momento de transparência e serenidade na primeira luz matutina que toca o céu e hesita. Esta luz gelada de sonho dura um segundo: amontoam-se logo farrapos sobre a Terceira, perdida ao longe...
Com o tempo que passa e a marcha do navio, deslocam-se as ilhas, aproximam-se ou afastam-se as falésias. Digo adeus para sempre à Graciosa – grande plaino entre dois montes redondos com a povoação branca no meio. Já S. Jorge toma à minha vista deslumbrada outra posição e relevo. Esta ilha esguia, que parece um grande bicho à tona de água, mostra-me no focinho penedos aguçados como dentes. Dá-lhe agora o sol.
Mas eu já sei que a luz que convém ao arquipélago não é esta. O sol é pior que a sombra. Os cabos metidos pelo mar dentro tornam-se agressivos, quase negros e mais duros... São dez horas: uma nuvem branca e esguia cortou o Pico pelo meio e o cone sai da nuvem suspenso no ar por milagre. Já se distinguem os montes do Faial envoltos em névoa como algodão em rama. Navegamos perto da muralha de S. Jorge, cortada a pique sobre o mar. Alguns paredões esboroam-se. No alto, campinhos muito verdes. À medida que nos aproximamos, a temerosa falésia parece maior e mais escura, e, logo que dobramos o cabo negro e dramático desta ilha, todo o Pico emerge inteiramente azul do mar esverdeado, tendo à direita o Faial dum azul quase violeta. E é entre estas manchas desmaiadas que torneamos o cabo a prumo, rasgado de escórias cinzentas, cortado de chapadas altas e sinistras, como se a ilha .tivesse bruscamente derrocado.
Mais montes abruptos tombados para o lado; uma elevação negra e vermelha com estrias ferruginosas, onde palpita ainda a convulsão vulcânica e se sente a acção constante das águas – e deparam-se-me as Velas ao fundo da temerosa ribanceira. O S. Miguel fundeia, e o negrume das rochas desdobra-se no mar em negrume, onde a tinta azul quer entranhar-se e não pode: fica negra, reflectindo a falésia toda negra. É um panorama do princípio do mundo, dum mundo desolado de pedra e mar. Lá no alto o nevoeiro estendido derrete-se, apegado às rochas, e quando nas afastamos desvanece-se o verde dos grandes montes da ilha, tornam-se mais disformes as sombras que viajam sobre a terra, e esta costa áspera e brutal pouco e pouco empalidece, enquanto no Pico um ou outro risco mais nítido sobressai no violeta. Distingo agora perfeitamente os moinhos afadigados e os remendos das culturas: no meio da ilha, o pico, envolto no seu manto cinzento, assume a majestade do monte onde Deus falou a Moisés. Arrasta-se pela terra uma nuvem pegajosa que a engrandece e deforma. Ao lado, a sucessão de colinas azuladas do Faial vai-se tornando mais nítida. Estas grandes rochas que mudam de sítio e de cor fundem-se no azul, enquanto outras se aproximam e avolumam; o espectáculo imenso que se desenrola diante de meus olhos atónitos dá-me a impressão de que as ilhas nascem do mar e se vão formando à nossa vista pela mão do criador. É com febre que assisto à geração do panorama largo e renovado. De pé, à proa do barco, vou aportando a novas ilhas que emergem das águas, saídas da madre a escorrer tinta. Passamos pelos dois penedos avermelhados, entre o Pico e o Faial, que está a dois passos. Um grande morro verde, colinas dum verde tenro ao fundo e uma fiada de casinhas olhando todas para mim. Outro morro fecha a baia em semicírculo. Ponham sobre isto um céu baixo e uma humidade constante. Chove. Mas não é preciso chover: a nuvem esponjosa desce, envolve, impregna e dissolve. Até por dentro os seres e as coisas devem criar bolor.
A noite é irreal, a noite azulada dentro do porto, encerrado em chapadas de negrume com farrapos agitados. Dum lado aquela escuridão magnética cujo desconhecido me atrai – manchas sobrepostas de colinas, que se fundem num borrão imenso, mais escuro à medida que as horas desfalecem. Ao fundo, do outro lado do canal, destaca-se na atmosfera esbranquiçada o triângulo imenso do Pico, que cada vez se me afigura mais solitário e maior, como uma gigantesca figura de guarda ao Atlântico. A larga estrada do luar escorre, movendo-se num jorro de folhetas prateadas, que se sucedem e agitam até ao costado do navio. De quando em quando um chuveiro cai, numa profusão de joias. Ao longe ergue-se a vaga – todo o cume cintila – desfaz-se a vaga ao pé de mim em riachos de luar, que borbulham e se derretem por todos os lados na grande estrada de luar. Sucede-lhe e sobe logo outra vaga, sombria e enorme – e já a crista iluminada ascende, cintilando de pedrarias – para redemoinhar em luz, para se desfazer em luz. Só no horizonte aquela grande estátua imóvel e trágica enche o céu de negrume e espanto.
Ainda de noite, seguimos a caminho do Corvo, com o mar chocalhado, como se diz nos Açores. Este canal é amargo. Às cinco horas da manhã do dia 17 estamos à vista de duas manchas azuladas, Flores e Corvo, sob um céu velado e em águas revoltas.
Uma hora depois distingo perfeitamente o cone de bronze truncado, com escorrências de verdete no alto. Não se vê uma árvore naquele enorme pedregulho batido pelas vagas. É com apreensão que desembarco no sítio mais pobre e mais isolado do mundo."
Raul Brandão, in As Ilhas Desconhecidas, Quetzal Editora, pp.9-10

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Para recordar...

Ainda que chova, ainda que doa. Ainda que a distância corroa as horas do dia e caia a noite sem estrelas, o mundo brilha um pouquinho mais a cada vez que  sorris.
Pablo Neruda
Guns N' Roses, em November Rain, com Sir Elton John - ao vivo nos MTV Music Awards '92. 
November Rain é uma canção da banda norte-americana  Guns N' Roses. Escrita pelo vocalista da banda, Axl Rose, a balada foi lançada em Fevereiro de 1992 como o terceiro single do terceiro álbum de estúdio da banda, Use Your Illusion I (1991).

Os meus livros de Novembro

Eis a Newsletter que  recebemos do editor da Guerra & Paz, Manuel S. Fonseca. 
"Esta newsletter começa com gatos e acaba com tigres. Parece que tem garras, mas vão ver que é meiguinha. Obrigado, queridas amigas e queridos amigos, por me lerem.
Os meus livros de Novembro
gatos e tigres brilham na noite escura
por Manuel S. Fonseca
Há gatos, uma fila de gatos a invadir esta newsletter. Deixem que os gatos, os gatos de Eugénio Lisboa, se aninhem no vosso colo. Manual Prático de Gatos para Uso Diário e Intenso foi o último livro que Eugénio Lisboa, antes de se ir passear pelas altas montanhas celestes, me deu, mão na mão. Em 31 sonetos, irmanado com Da Vinci ou T. S. Eliot, Eugénio canta os gatos, canta-lhes a sabedoria, a astúcia. Este Manual Prático de Gatos para Uso Diário e Intenso é lindo: cheio de fotos de uma comunidade de amantes de gatos. Otília Pires Martins trouxe-me as imagens; Onésimo Teotónio Almeida escreveu um substancial posfácio e o livro ficou felino, com faiscantes olhos de gato a brilhar na noite escura. É, juro, a mais bela prenda de Natal, um pudim de Abade de Priscos para adoçar consoadas.
E agora troco os deliciosos gatos do Eugénio pelo grande tigre que é a História. Dedico-lhe três livros. O primeiro é a História de Angola, da Pré-História ao Início do séc. XXI da autoria do historiador Alberto Oliveira Pinto. É uma história de três «émes»: monumental, minuciosa, múltipla. Uma edição ambiciosa, com mais de 800 páginas, que teve um mecenas exclusivo, o dstgroup, uma empresa privada com uma política cultural de responsabilidade social única: o dstsgroup vai levar esta História de Angola às bibliotecas públicas portuguesas, mas mais, aos leitores angolanos, numa acção inovadora, a anunciar. A Guerra e Paz faz a vénia ao Eng. José Teixeira, a quem já devíamos o apoio ao maravilhoso Entre a Lua, o Caos e o Silêncio: a Flor, a mais completa antologia de poesia angolana, e a quem, agora, em dois continentes, os leitores têm de agradecer esta História de Angola.
E há mais dois livros sobre esse fascinante tigre fulvo que é a História: dois Atlas, a saber, o Atlas da China, a Potência Alternativa, de Thierry SanjuanCarine Henriot, com mapas de Madeleine Benoit-Guyod, e o Atlas Histórico da Rússia, de Ivan III a Vladimir Putin, de François-Xavier NérardMarie-Pierre Rey, com cartografia de Cyrille Suss. São dois Atlas acutilantes, sínteses notáveis, com mais de 100 mapas, sobre essas nações gigantes, esses dois tremendos espectros (cheios de História e de irreprimível potência) que assombram a Europa. Mas, por favor, não tremam, leiam!
E há um sueco que não tem medo de enfiar um dedo e mexer o quente caldo da História (ou que puxou à História o rabo de fora do gato escondido). Estou a falar de Johan Norberg, um historiador que acredita no futuro, nas empresas, nos direitos humanos e no comércio livre.  Escreveu um livro com um título, O Manifesto Capitalista, que fez sorrir Marx no túmulo (eu vi, que costumo ir lá visitá-lo), a que acrescentou um subtítulo que nunca mais acaba e é um grande começo de conversa: O mercado livre global irá salvar o mundo. Como? Porquê? É o 19.º volume da colecção Os Livros Não se Rendem, a menina dos meus olhos, e menina dos olhos da Fundação Manuel António da Mota e da Mota, Gestão e Participações que nos dão o seu alto patrocínio. E como são sempre pessoas que decidem, agradeço ao Eng. António Mota e ao Dr. Luís Parreirão, os firmes três anos de apoio que deram para que os livros nunca se rendam.
E vamos lá ronronar de outro modo. «Chamo virgem à mulher que faz amor com um só homem!» É esta a porta – estive quase para dizer, a cama – de entrada de Emmanuelle, A Antivirgem, o segundo romance de Emmanuelle Arsan. É um romance, pura ficção (garanto que não é impura) à glória de um trio feliz, ou como diz Emmanuelle a outra personagem «é o amor de amar que faz de si a noiva do mundo». Lê-se e mesmo eu, com os meus 71 anos, acabo de maças do rosto rosadas.
E há uma jóia portuguesa que merecia e passa agora a ter um romance. A Jóia Que o Rei Não Quis, da autoria de Mónica Bello, é uma estreia em joalharia e prata. A cortante protagonista deste romance é uma faca de mato real, uma cobiçada obra de arte encomendada por D. Fernando II a um ourives de Lisboa. Comprada por ingleses, a peça acabou no fundo do mar. Resgatada, numa incrível aventura, a faca desagua agora neste A Jóia, romance Indiana Jon  es style assinado por Mónica Bello. Claro, a Fidelidade, proprietária há 148 anos dessa peça assombrosa, tinha de ser e é nossa parceira, com o seu alto patrocínio.
São estes os sete livros de Novembro da Guerra e Paz. Quantas vidas há neles: tantas ou mais do que as dos gatos do tão belo adeus que Eugénio Lisboa nos deixa?
E agora entram os gatos da Rita Fonseca – e é uma pena que Eugénio Lisboa nunca tenha conhecido a Nico, a negríssima e sumamente independente gata da minha filha. Os gatos da Euforia, a nossa nova chancela são dois romances de garras afiadas. Celebrity Crush tem um título inglês, mas é de uma autora lusíada, Clara Novo. Quase tudo se passa em Londres e a viagem vale a pena: é romântica, mas também é sexy.  E, surpresa, há uma via hilariante para a autodescoberta.
Já Um Amigo no Escuro é o título português de um romance americano de Samantha M. Bailey. Se se lembram com nostalgia dos amigos de liceu ou de universidade, que já não vêem há décadas, pensem bem antes de os voltarem a ver: desaconselha-vos que se metam num romance virtual escaldante quem já leu este Um Amigo no Escuro."
Manuel S. Fonseca, editor (Guerra & Paz)