quinta-feira, 7 de julho de 2022

Os bichos

Ziggy


    É, eu me acostumo, mas não amanso, por Deus! Eu me dou melhor com os bichos do que com gente [...] e quando acaricio a cabeça do meu cão sei que ele não exige que eu faça sentido ou me explique.
                                                        Clarice Lispector

Desde que me conheço que me habituei à companhia de bichos. Não para escrever sobre eles  como  Torga o fez , mas porque habitavam o meu espaço. Nasci no Norte. Numa cidade ancestral em que muitas das habitações eram quintas . Tinham , além de grandes casas , terrenos frondosos a rodeá-las. Nesse tempo, havia espaço , tempo e afeição pelos bichos, que carinhosamente eram assim  designados nessas terras nortenhas. Muitas das nossas brincadeiras infantis estão pejadas de lembranças com animais. Desde o galo a lançar o grito matinal, ao cortejo colorido das galinhas que nos  ofereciam, em  desafio aliciante,  a descoberta  dos ovos, escondidos num circuito labiríntico. Mas o animal, que nunca me deixou,  foi o cão. Ao conhecê-lo, uma afeição imediata eclodiu. Nem sei nomear todos os que fizeram parte da minha já longa vida. Sei que nasci e que  já lá estavam à minha espera. Eram vários. O meu pai era caçador. Juntava matilhas de lindos e elegantes exemplares. Comecei a conhecê-los e eles a mim. E iniciámos uma parceria que perdura. Não sei viver sem um cão. Faz parte integrante do meu agregado familiar. Não é mais um. É apenas um: ele, o meu cão. Também não sei quantas lágrimas verti pela morte de alguns. É tamanha a dor que me toma um pesado luto prolongado. Sair desse torpor doloroso é sempre violento. Por mais que tente, a dor permanece e a lembrança  está por todo o lado.  A morte é a ausência que não cessa de se evidenciar, de reclamar.
Quando a mágoa abranda , há sempre alguém que me traz um cachorro. Vê-lo, faceiro,  a sorrir , liberta qualquer resistência ao possível retorno a uma nova perda. A parceria é reatada de imediato. E começa aquele enlevo que rodeia um novo amor. Um animal  pequenino que depende de nós e se entrega sem reservas. Tem sido sempre assim. 
Vive-se com algum sobressalto. Há dias de indisposições, de leves doenças, de alguns sustos por precárias fugas. Mas há a certeza de um sentimento único que afaga o coração. 
Hoje , o dia é de muita incerteza . Ziggy, o meu doce cão, adoeceu. Está internado , numa luta pela vida. A casa ficou vazia. Não sei  como suprir esta dor porque nunca  é a mesma .  A espera pesa e alonga-se. No entanto, e apesar de todos os receios, acredito que se restabelecerá e regressará ao lugar onde sempre pode  ser feliz. 
Que Deus o proteja, pois também é dele o reino dos céus.
MJVS

3 comentários:

  1. O nosso rapaz é forte, temos esperança que rápidamente volta ao colo da sua familia onde é mimado e amado.

    ResponderEliminar
  2. Ele é lutador vai certamente voltar ás corridas e brincadeiras convosco. Fico com muita esperança . M

    ResponderEliminar