
“Só quando
quis contar histórias é que se me colocou este desafio de deixar entrar a vida
e a maneira como o português era remoldado em Moçambique para lhes dar maior
força poética. A oralidade não é aquela coisa que se resolve mandando por aí
umas brigadas a recolher histórias tradicionais, é muito mais que isso”, disse,
na citada entrevista. E acrescentou: “Temos sempre a ideia de que a língua é a
grande dama, tem que se falar e escrever bem. A criação poética nasce do erro,
da desobediência.”
Foi nesse
registo que se sucederam romances, sempre na Caminho, como A Varanda do Frangipani (1996), Um
Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada
Terra (2002 – que o realizador José Carlos Oliveira haveria de adaptar ao
grande ecrã), ou O Outro Pé da Sereia
(2006). A propósito dos seus últimos livros, A Confissão da Leoa (2012), mas particularmente Jesusalém (2009), o escritor confessou
algum cansaço por a sua obra ser muitas vezes confundida com a de um jogo de
linguagem, por causa da quantidade de palavras e expressões “novas” que neles
aparecem.
Paralelamente
aos romances, Mia Couto continuou a escrever e a editar crónicas e poesia – “Eu
sou da poesia”, justificou, numa referência às suas origens literárias.
Na sua
carreira, foi também acumulando distinções, como os Prémios Vergílio Ferreira
(1999, pelo conjunto da obra), Mário António/Fundação Gulbenkian (2001), União
Latina de Literaturas Românicas (2007) ou Eduardo Lourenço (2012).
O anúncio do
vencedor foi feito ontem, no Rio de Janeiro, onde o júri se reuniu.
O júri
integrou os escritores José Eduardo Agualusa e João Paulo Borges Coelho, o
jornalista José Carlos Vasconcelos, a catedrática Clara Crabbé Rocha, o crítico
Alcir Pécora e o embaixador e membro da Academia Brasileira de Letras Alberto
da Costa e Silva.
A reunião
decorreu no Palácio Gustavo Capanema, sede do Centro Internacional do Livro,
Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Prémio criado
em 1988
O Prémio
Camões foi criado em 1988 por Portugal e pelo Brasil para distinguir um autor
de língua portuguesa que, "pelo valor intrínseco da sua obra, tenha
contribuído para o enriquecimento do património literário e cultural da língua
comum".
Em 2012 foi
atribuído ao escritor brasileiro Dalton Trevisan e no ano anterior ao escritor
português Manuel António Pina.
Ferreira
Gullar (2010), Arménio Vieira (2009), António Lobo Antunes (2007), Sophia de
Mello Breyner Andresen (1999), Pepetela (1997), José Saramago (1995) e Jorge
Amado (1994) também já foram distinguidos com o Prémio Camões que, na primeira
edição, reconheceu a obra de Miguel Torga.
Fundo do mar
Quero ver
o fundo do
mar
esse lugar
de onde se
desprendem as ondas
e se arrancam
os olhos aos
corais
e onde a
morte beija
o lívido
rosto dos afogados
Quero ver
esse lugar
onde se não
vê
para que
sem disfarce
a minha luz se revele
e nesse
mundo
descubra a
que mundo pertenço
Mia Couto, in “Raiz de Orvalho" (1983),Ed. Caminho
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