quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Até logo

Orquestra, flor e Corpo

Orquestra, flor e Corpo:
doravante direi
Como do corpo a música se extrai,
Como sem corpo a flor não tem perfume,
Como de corpo a corpo o som se repercute.

Orquestra, sim: orquestra. E flor. E noite.
doravante dizendo orquídea negra
É logo o violoncelo nomeado;
E logo, logo, os instrumentos de arco
Arremessando vão a flecha ao alvo;
E é logo o alvo peito!
E é logo o amor,
E é logo a noite
Murmurando "Até logo!" à outra noite...

De corpo a corpo a noite se transmite.
Orquestra, sim: orquestra. E flor. e vaga.

E a noite é sempre o corpo anoitecido,
E o corpo é sempre a noite que se aguarda.

De corpo a corpo o som se repercute,
de vale em vale,
de monte em monte,
de címbalo, de cítara, et coetera,
ao tímpano sensível que o recebe.

Sem concha do ouvido,
                             o mar não tem rumor.
sem asa do nariz,
                             não voa a maresia.

E o mundo só é é mundo enquanto houver o corpo,
de música e de flor universal medida.

David Mourão-Ferreira, in «Os Quatro Cantos do Tempo», Canto I, Lisboa: Guimarães Editores, 1963

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