segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A curva dos caminhos

É tarde, meu amor
É muito tarde.
O tempo implacável me consome
E destrói o vigor do corpo moço:
Apagou o fulgor do meu olhar
Roubou a altivez do seio cheio
Secou o rio manso do meu ventre
Cobriu de pergaminho a minha mão
É tarde, muito tarde
Mas… por dentro
Ainda bate, por ti, o coração.
Maria Aurora Carvalho Homem, in “Discurso Amoroso”, desenhos de Francisco Simões, Editorial Campo das Letras, Porto
Perante a morte estamos sempre sozinhos.
Umas vezes de pé, desassombrados.
Outras deitados em concha, no soalho.
Umas vezes dela falamos, outras não.
Nessas fingimos ter a fala neutra e esquiva,
Como se a tristeza não enchesse o horizonte.

Sozinhos perante ela certo é que estamos.
Dobramos o riso na curva dos caminhos,
Juntamos mãos a outros gestos já traçados,
Calcamos passos sobre a terra
E beijamos, nos nossos filhos,
A memória que, nossa, não teremos.

Traço as letras. Ao traçar as letras,
Sei de que falo.
Entretanto, nunca o saberei.

Helena Carvalhão Buescu, in “Ardem as trevas e outros lugares “, Editorial Campo das Letras, Porto, 2007

1 comentário:

  1. Gostei em especial do poema da Maria Aurora, uma escritora e comunicadora que muito fez em prol da cultura madeirense.

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