quarta-feira, 25 de maio de 2011

EUGÉNIO LISBOA

"Os homens verdadeiramente grandes estão muito próximos dos outros pela mesma simplicidade que os afasta até ao infinito. Porque os homens verdadeiramente grandes conservam, na sua relação com as coisas profundas e difíceis com as quais estabelecem sua intimidade, as mesmas atitudes que têm com toda a gente; são ao mesmo tempo familiares, delicados e verdadeiros."
Paul Valéry

Há pessoas que nos marcam e outras ficam de fora da  memória,  não  merecendo  qualquer referência laudatória. E se nos marcam é porque delas sobreleva uma imagem que nos tocou pela grandeza que difundiam e pela simplicidade verdadeiramente genuína que emanavam quando nos abordavam.
Ao longo da minha vida, conheci algumas dessas pessoas. Eugénio Lisboa faz parte desse círculo de gente maior que nunca esquecerei.
Conheci-o em 1996, como Presidente da Comissão Nacional da Unesco e ,apesar de ser um artífice da escrita que já há muito me deleitava e enriquecia, foi como responsável por essa Instituição em Portugal, que descobri a sua imensa capacidade de organização, de gestão e de motivação para as causas culturais e sociais.
EUGÉNIO LISBOA nasceu em Lourenço Marques , em 25 de Maio de 1930. É um crítico literário notável que se afirmou com independência e uma singularidade extraordinária. Poeta, ensaísta, escritor, diplomata, professor,Doutor Honoris Causa pela Universidade de Nottingham, do Reino Unido (1988) e pela Universidade de Aveiro (2002), oficial da Ordem do Infante D. Henrique é detentor de uma jovialidade natural e de uma simplicidade que só os homens verdadeiramente grandes possuem. A facilidade de acesso ao seu contacto traduz a riqueza com que valoriza o outro e a sua relação com o mundo.
Numa entrevista concedida  á Revista "Artes e Letras", Porto, em 2010,  Eugénio Lisboa respondeu a algumas questões que lhe foram postas. Transcreve-se um pequeno excerto porque retrata a sua agudeza de espírito e o seu pensamento :
AeL – As suas experiências cosmopolitas modelaram de alguma forma o seu pensamento?E.L. – Tenho, de facto, viajado muito e, sobretudo, vivido longamente em latitudes e longitudes diversas: tenho 38 anos de Moçambique, onde nasci, 17 de Inglaterra, 23 de Lisboa, um ano de África do Sul e um ano de Suécia. Isto ajuda poderosamente a um alargamento de perspectivas. Mas o cosmopolitismo não depende só – ou fundamentalmente – disto: está dentro de nós. Adolescente, em Moçambique, fui francês com Voltaire, Balzac, Stendhal, Anatole France ou Roger Martin du Gard, inglês, com Dickens, Charlotte Brontë, Wilde, D. H. Lawrence, Conrad ou Huxley, alemão, com Thomas Mann, italiano com Pirandello e D’Annunzio, romeno, com Panait Istrati, americano, com Mark Twain, Hemingway, Faulkner, Saroyan ou Steinbeck, russo, com Tolstoi, Dostoiewsky, Turguenev, Tcheckov ou Sologub. A filosofia, na adolescência, levou-me a Atenas, a Paris ou a Londres (e a mais de uma cidade na Alemanha e na Suíça...) Estive em Paris, sem estar em Paris e em Londres sem estar em Londres. O provincianismo é um estado de espírito e não uma consequência da geografia. Viajar ajuda mas não é tudo. Os lisboetas que olhavam de alto para a presença, porque esta se fazia em Coimbra, sofriam de provincianismo interior, aquele que de facto estreita perspectivas. Eugénio de Andrade não precisou, para nada, de viver em Lisboa, para ser o grande poeta que foi: bastou-lhe o Porto. Há provincianos em Nova Iorque e cosmopolitas em remotas terras do interior. Quando, em 1947, vim de Lourenço Marques para Lisboa, para cursar engenharia, eu, africano do cabo do mundo, achei que a maior parte dos meus colegas de curso era mentalmente e inacreditavelmente provinciana.
AeL – O que releva da sua experiência de Conselheiro Cultural?
E.L. – O gosto de fazer coisas e, também, o gosto de fazer coisas com alguém. E promover a cultura portuguesa, em Inglaterra, era, a um tempo, dificílimo e excitante. Os ingleses são exigentes, competitivos e rigorosos na negociação. Em Londres a competição é feroz. Podemos ter um grande produto a mostrar, mas é preciso publicitá-lo intensamente e isso custa dinheiro. Somos um país pobre, mas somos, sobretudo, um país em que os poderes políticos não gostam de gastar dinheiro com a cultura nem com os seus agentes que são, por regra, incómodos. É uma vergonha que o orçamento para a cultura ande ainda pelos mesquinhos 0,5% ou menos. E é uma vergonha para todos os partidos que têm estado no poder. Nisto, acabam sempre por ter a última palavra os detestáveis ministros das finanças, que percebem pouco de finanças e rigorosamente nada de cultura. Portugal não tem muito que lhe ajude a promover uma forte imagem: se despreza a cultura, despreza uma das mais poderosas influências subliminares que se conhecem. Ortega y Gasset escreveu, sobre isto, páginas admiráveis, que os nossos políticos evidentemente não leram. Ainda assim, promovi, em Londres, a tradução de clássicos antigos e modernos e a reedição de traduções já feitas mas esgotadas. Com o auxílio do meu amigo L. C. Taylor (director, ao tempo, da Gulbenkian, em Londres), fizemos uma boa sementeira editorial de que muito nos orgulhamos. Além de muitas outras actividades ligadas ao teatro, à pintura, à música, etc. Paralelamente à actividade propriamente profissional, viver em Londres 17 anos é um privilégio que só não publicito mais para não irritar os deuses
"AeL – Acha que as políticas editoriais têm um papel saudável na promoção cultural? E a comunicação social?
E.L. – Não sei bem a que se refere com “políticas editoriais”. Das editoras particulares? Quanto a isto, devia haver uma lei anti-trust, que impedisse que um grande grupo financeiro, que nada se interessa por livros, devorasse quase todo o mercado produtor e distribuidor de livros. O que se passa é quase obsceno. E mete medo. Entrar em quase 90% das livrarias causa náuseas: é o reino do mono-estilo, com a promoção sistemática e despudorada do que há de pior: o pimba, o piroso, o sensacionalão, o grande “best-seller” de lá de fora e de cá de dentro. O chover no molhado: promover, a grandes custos, o que por natureza da sua própria mediocridade já está promovido. Os grandes heróis dos editores e dos livreiros são os senhores-da-televisão-que-também-escrevem-livros e que despertam a concupiscência dos jovens e não tão jovens que sofrem de iliteracia aguda e por isso gostam de comprar os livros daqueles senhores e senhoras que aparecem muito no “petit écran”. A promoção via “petit écran” é, quanto a mim, um abuso de confiança. A comunicação social – televisão, jornais vários – faz como Deus é servido, quando Deus fica mal servido (roubo esta perfídia ao Pessoa – é para isso que servem os clássicos).
Eugénio Lisboa completa, hoje, 81 anos.Continua a cativar-nos com o seu dinamismo e a sua escrita prodigiosa.
Ao Presidente, ao poeta , ao professor, ao crítico, ao ensaista , ao homem afável, clarividente e valoroso apresento a minha homenagem .
Parabéns Engenheiro Eugénio Lisboa.


A Música das Cores
Ao Ângelo
A pintura; às vezes, sabe ser
uma forma de música: sugere,
no fluxo imparável do acontecer,
que a vida pode não acabar. Fere
o centro de nós mesmos. Amacia
e dissolve tensões que a vida impura,
em tantos momentos, cega, nos cria.
Como a música, é boa a pintura.
Eugénio Lisboa
Matéria Intensa
Lisboa, Instituto Camões, 1999


Algumas obras de Eugénio Lisboa:
José Régio
Crónica dos Anos da Peste
José Régio: A Obra e o Homem
José Régio: Uma literatura Viva
As Vinte e Cinco Notas do Texto
José Régio ou a Confissão Relutante
Objectivo Celebrado
Matéria Intensa
O Ilimitável Oceano
 Indícios de Oiro I
Indícios de Oiro II
Ler Régio
Essencial sobre José Régio

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