quinta-feira, 22 de outubro de 2009

"MASS MEDIA" E BIOÉTICA: REPENSANDO A ÉTICA NA INFORMAÇÃO


No início dos anos 1960, quando o sociólogo canadiano Marshall McLuhan decretou que os meios de comunicação de massa haviam reduzido o mundo à dimensão de uma “aldeia global”, sua afirmação foi considerada revolucionária,quase profética. Na época, ainda não havia a proliferação dos canais de televisão a cabo, a informática estava apenas engatinhando e a palavra internet não existia. Entretanto, as revoluções tecnológicas das últimas quatro décadas provaram que, em parte, McLuhan estava certo: o mundo vive hoje uma comunicação planetária, exigindo dos profissionais da imprensa uma responsabilidade que vai muito além dos normativos e limitados códigos deontológicos.
Como observa Cornou, o trabalho dos jornalistas enfrenta, actualmente, muitas dificuldades porque esses profissionais estão mais sujeitos a pressões tradicionais dos poderes e do dinheiro, mas também à pressão cada vez mais constrangedora da velocidade, cuja expressão última é a informação em tempo real (CORNOU,1994).
Entretanto, o mais preocupante é que em tempos de intercâmbio planetário nos quais a informação se tornou instantânea, sendo transmitida para um número cada vez maior de pessoas, aumentou significativamente o risco do rompimento dos valores éticos que devem reger os profissionais da imprensa. Em contrapartida, ao mesmo tempo em que essas novas técnicas fortaleceram o poder da informação e a responsabilidade do jornalista perante a sociedade, aumentou seu grau de fragilidade. Hoje, esses profissionais estão mais sujeitos à vulnerabilidade do que nunca, pois precisam lidar com temas complexos e globalizados que exigem tomada de decisão reflexiva. Diante dessa realidade, é preciso questionar se os profissionais da informação estão preparados eticamente para gerar práticas jornalísticas responsáveis.(...)
Resgate Histórico e Múltiplas Abordagens
A palavra bioética foi utilizada pela primeira vez, em 1970, por Van Rensselaer Potter, que definiu bioética como uma ponte para o futuro, uma ética necessária para a reflexão sobre a vida no planeta. Essa definição, bastante abrangente, foi em 1988 baptizada pelo próprio Potter de “Bioética Global” (POTTER, 1971; POTTER, 1988).
Desde sua concepção, há três décadas, foram agregadas à bioética novas definições que a transformaram num campo de estudo interdisciplinar. A bioética é a articulação, a integração e o consenso de várias disciplinas, não só da área da saúde, mas também de outras áreas, como: antropologia, biologia, sociologia, psicologia, economia, direito, política, ecologia, filosofia, teologia etc. Envolve profissionais de saúde e todos aqueles que, com competência e responsabilidade, se dispõem a reflectir eticamente sobre a melhor conduta a ser prestada à pessoa humana (CORREIA, 1996).
Esse carácter pluralista da bioética é reforçado por outros autores ao preconizar que esse campo do saber trata da vida da natureza, da flora, da fauna e da vida humana, à luz dos valores humanos aceites numa sociedade democrática, pluralista, secular e conflitiva (PESSINI & BACHIFONTAINE,1991). Dessa forma, pode-se dizer que a bioética é uma proposta de diálogo não só na esfera individual, mas, principalmente, no campo colectivo. É acima de tudo uma área de estudo preocupada em propor uma reflexão sobre o novo e quais serão suas consequências para a humanidade.
Com base nesses conceitos, pode-se afirmar que a bioética já extrapolou a área médica e, hoje, deve ser compreendida como um campo de estudo pertinente a todos os profissionais, inclusive os jornalistas que, como intérpretes da realidade, devem estar em sintonia com os problemas contemporâneos e saber reflectir sobre eles. Para isso, a imprensa precisa ser ética, autónoma e reflexiva.
É necessário que os empresários da comunicação assumam uma posição menos mercantilista, actuando como “cães de guarda” do cidadão e não do poder estabelecido, como frequentemente vem acontecendo. Por outro lado, os profissionais da informação precisam sair de sua confortável posição de “menoridade” e fazer uso da palavra – seu instrumento de trabalho – com mais criticidade e com uma visão de mundo menos míope e mais holística. Como propõe Capra, há uma crise de percepção e os problemas da nossa época não podem ser entendidos isoladamente (CAPRA, 1996). Para o autor, são problemas sistémicos, ou seja, estão interligados e são interdependentes. Há soluções para os principais problemas, mas estas exigem mudança radical de paradigma. E esse reconhecimento ainda não atingiu as corporações, os profissionais e nem os professores das nossas maiores universidades.
Para Capra, o velho paradigma está alicerçado nos valores antropocêntricos, nos quais o ser humano é a centralidade; o novo paradigma, que ele chama de ecologia profunda, baseia-se nos valores ecocêntricos, centralizados na Terra. É uma visão de mundo que reconhece o valor inerente da vida não humana. E quando essa concepção se torna parte de nossa consciência quotidiana, surge um sistema ético radicalmente novo. Nessa linha de raciocínio, cabe discutir a responsabilidade moral dos cientistas e também dos profissionais da informação.
Em tempo de questões polémicas como clonagem humana, terapia génica, sequenciamento genético, transplantes de órgãos, pesquisa com seres humanos,aborto eugénico, transexualidade, alimentos geneticamente modificados, entre tantos outras que a tecnociência está trazendo à tona nesse início de século, os jornalistas, como transmissores de informação e formadores de opinião, não podem ficar à margem da discussão. Precisam participar dela como agentes activos, pois, caso contrário, correm o risco de pecar por omissão.
É ingénuo pensar que será possível informar correctamente o leitor sobre questões tão polémicas, usando apenas a relevante, mas insuficiente, ética do bom senso e os limitados códigos deontológicos. A reflexão sobre um conflito moral no exercício da profissão, realizada apenas sob o referencial do código deontológico, será, provavelmente, uma visão míope e muito restrita
da problemática ética nele contida (KIPPER & CLOTET, 1998). Neste sentido, a bioética tem muito a contribuir com a imprensa, pois busca no passado e no presente uma reflexão transdisciplinar que vai muito além da ética normativa. É uma ética de compreensão planetária e que resgata a visão global do homem. A imprensa, assim como a área da saúde, está vivendo um
novo paradigma frente aos avanços tecnológicos. Se no campo da medicina, a tecnologia tem interferido sensivelmente na relação médico-paciente, na comunicação não é muito diferente. Como defende Blázquez: a comunicação e a informação estão quase sempre em função da tecnologia e às custas da informação propriamente dita (BLÁZQUEZ,1994). É assim que surge o problema ético fundamental do conflito tecnologia-humanismo. As relações humanas directas são substituídas pelo meio técnico, que se torna mais importante do que a dimensão humana, deixando em segundo plano a qualidade das mensagens.
Portanto, pensar a bioética para repensar a ética na imprensa não é uma proposta fora de contexto; é uma alternativa contemporânea que propõe um novo olhar sobre a ética na informação. Mas isso exige também repensar a formação e a actuação dos profissionais da informação. É impraticável pensar que será possível abordar temas tão polémicos como descartes de embriões, eutanásia, alocação de recursos na saúde, clonagem humana ou terapêutica, terapia génica e esterilização de doentes portadores de anomalias graves, fazendo um jornalismo de reprodução de idéias ou tendo como base uma ética apenas normativa. É preciso beber em fontes mais seguras e profundas. Esse alerta deve começar nos cursos de comunicação social, que precisam de se preocupar em formar jornalistas mais preparados para o exercício da profissão num mundo globalizado e pulverizado de problemas complexos, como os citados.
Se o código de ética profissional é insuficiente para exercício pleno da profissão, é preciso buscar respaldo nos fundamentos filosóficos da ética jornalística como recomenda Bucci ao argumentar que a ética jornalística é um sistema com lógica própria (BUCCI, 2000). Não é um receituário; é antes um modo de pensar que, aplicado ao jornalismo, dá forma aos impasses que requerem decisões individuais e sugere equações para resolvê-los. O que se deve ter em conta, de início, é que a prática do jornalista não é auto-suficiente em sua dimensão ética, mas vai buscar em correntes filosóficas que trataram da ética em geral os parâmetros para enfrentar seus dilemas quotidianos. (...)

Celso Moreira de Mattos,Faculdade Metropolitana/IESB, Londrina e Faculdade Maringá, Maringá, Paraná, Brasil, in RBB vol.1, nº1
José Eduardo de Siqueira, Universidade Estadual de Londrina, Paraná, Brasil, in RBB vol.1,nº1

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