quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Crónicas da Infâmia


Crónicas da Infâmia
4 – De 2014. O Ano da DOR
Gostava de escrever belas frases e de tecer louvores a 2014. Não o faço. Não porque as palavras me falhem , mas apenas porque renitentes não se juntam em frases belas. E os louvores escondem-se e quase me esconjuram por os querer ligar a 2014. E teimo  em querer entender por que assim acontece. 2015 aproxima-se. Estará aí dentro de poucas horas.
Retomo 2014 e, em jeito de revisão, concluo que se trata de um ano que pretendemos expulsar. Se tivéssemos que apor sentimentos a cada ano que passa, este conjuga bem com Dor. Não porque o escrevo na primeira pessoa. Experimentei dores fundas que não conhecia. É verdade. Uma verdade muito dura e muito real.  Foram dores que deixaram marcas e que passaram a integrar o meu espólio vivencial. A dor sofrida na primeira pessoa é uma dor que não é falante, que não se traduz em palavras. No entanto, não é essa a razão por que 2014 poderá ser o Ano da Dor. Não. A dor é um sentimento forte que não se confina ao coração. Ela invade-nos por dentro e não se deixa esconder. Desgarrada mostra-se aos outros. A quem a quiser ver. A quem não tem a capacidade de tornar invisível o que não quer ver. E eu vi-a por aí. Espalhada em milhares de rostos. Nos olhos vazios de tanta gente. A dor da guerra, a dor da fome, a dor dos espoliados , a dor do fracasso, a dor da perda, a dor da doença, a dor da solidão, a dor do abandono, a dor da velhice, a dor da exploração, a dor da morte,  a dor de um país onde a esperança definha sem sonhos de futuro. A dor que estatiscamente não é dor. 
Após um 2013  que foi a imagem da revolta feita Raiva, 2014 cristalizou-se em Dor. A revolta, a raiva de tanta perda, de tanta injustiça que foi grassando   transformou-se numa dor que se vestiu de escuro. Não há diferentes e variadas dores. Quanto a mim existem várias causas para a provocar. Ela surge no grau de intensidade correspondente à causa que a fez emergir e tendemos a atribuir-lhe  esses epítetos . Assim  as acabei de nomear.
Henry de Montherlant, um dos maiores e fecundos  escritores franceses, escreveu um livro admirável, “ O caos e  a noite”.  Toda a espantosa arquitectura deste romance  me tocou profundamente. Há uma frase que quero destacar, aqui e agora. Rica, expressiva, genial supera e encerra mil frases em poucas palavras. Representa o que se acaba e pretende afirmar. Refere-se ao olhar de Pascualita, uma das personagens, filha do herói Celestino Marcilla . Ei-la:  "(…) fitando-o com o olhar com que a pantera olha o domador ( de pupilas cheias de coisas destruídas).”.
É isso. “ de pupilas cheias de coisas destruídas”  é o olhar  de 2014.  Foi o resultado de tanta afronta que, ao longo destes anos, caiu em 2014. A dor de 2014 é essa. A dor  que resulta da perda da raiva domada. 
2014 é a dor da ausência da Dignidade, do roubo que lhe fizeram. É a maior dor . Aquela que debilita e anula qualquer ser humano.
E que não há maior infâmia, não há!
Que venha 2015.
                                                          Praia da Rocha ,  31 de Dezembro de 2014
Maria José Vieira de Sousa

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