sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

De Pessoa como pura virtualidade

476.
"Parecerá a muitos que este meu diário, feito para mim, é artificial de mais. Mas é de meu natural ser artificial. Com que hei-de eu entreter-me, depois, senão com escrever cuidadosamente estes apontamentos espirituais? De resto, não cuidadosamente os escrevo. É, mesmo, sem cuidado limador que os agrupo. Penso naturalmente nesta minha linguagem requintada. 
Sou um homem para quem o mundo exterior é uma realidade interior. Sinto isto não metafisicamente, mas com os sentidos usuais com que colho a realidade. 
A minha frivolidade de ontem é hoje uma saudade constante que me rói a vida.
Há claustros na hora. Entardeceu nas esquivanças. Nos olhos azuis dos tanques um último desespero reflecte a morte do sol. Nós éramos tanta coisa dos parques antigos; de tão voluptuoso modo estávamos incorporados na presença das estátuas, no talhado inglês das áleas. Os vestidos, os espadins, as perruques, os meneios e os cortejos pertenciam tanto à substância de que o nosso espírito era feito! Nós quem? O repuxo apenas, no jardim deserto, água alada indo já menos alta no seu acto triste de querer voar." Livro do Desassossego

Quando se celebram os 125 anos do autor de Livro do Desassossego, a Casa Fernando Pessoa reuniu mais de quarenta investigadores, críticos, tradutores e criadores de variados países que encontram neste escritor universal alento e inspiração para os seus percursos académicos ou artísticos. O III Congresso Internacional Fernando Pessoa realizou-se nos dias 28, 29 e 30 de Novembro, no Teatro Aberto em Lisboa, conforme anunciámos. No segundo dia, entre as 10 e as 11 da manhã, no painel Narrei-me à sombra e não me achei sentido, Eduardo Lourenço leu De Pessoa como pura virtualidade, texto que constitui um prefácio inédito, escrito para uma obra de Leyla Pérrone-Moisés . Participaram também nesta sessão, moderada por Maria Manuela Viana, Teresa Rita Lopes e Fernando Cabral Martins.
Eis o registo dessa apresentação.

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