segunda-feira, 15 de julho de 2013

Vozes da luta pela liberdade


Os comunistas na luta contra a ditadura 
O Brasil viveu um tempo negro sob a ditadura. Tempo de perseguições, de infâmia e de bocas amordaçadas. As vozes que se levantavam eram silenciadas pela força dos algozes que se multiplicavam por um país imerso nas teias da repressão. Portugal viveu igualmente, durante 4 décadas,  uma dolorosa ditadura . Tempos de muita resistência em que a luta pela liberdade foi o lema de muitas vidas. 
No Brasil, o livro recém lançado em São Paulo, Repressão e Direito a Resistência: Os Comunistas na luta contra a ditadura (1964-1985) traz o relato de militantes do PCdoB  e da Acção Popular na luta contra a ditadura". Prosa Poesia & Arte publicou  o texto de abertura desse documento de leitura fundamental que se transcreve.



Por Adalberto Monteiro e Augusto César Buonicore (*)
Vozes da luta pela liberdade
"Esta publicação é resultado de uma importante iniciativa do projeto Marcas da Memória, vinculado à Comissão da Anistia do Ministério da Justiça. Ao tomar conhecimento da “Chamada Pública” para o programa, a Fundação Maurício Grabois, através de seu Centro de Documentação e Memória, apresentou o projeto e recebeu a aprovação da Comissão, cujo presidente, Paulo Abrão, é um entusiasta do restabelecimento da verdade sobre os fatos ocorridos no período da ditadura militar entre 1964 e 1985. Em diversos momentos, ele destacou a importância de trabalhos como este “para a construção de uma memória oficial sobre a ditadura que vitimou o país por mais de duas décadas”. Segundo Abrão, esses são passos importantes para a criação de “um movimento nacional pela memória”. Movimento que ajuda a combater a cultura do esquecimento, uma cultura que provoca duplo dano: colabora para que os fatos criminosos e hediondos relacionados à repressão política não sejam desvendados e, em consequência, desarma a sociedade da necessária vigilância para que não se repitam.
O livro que o leitor tem em mãos abarca, basicamente, os depoimentos de militantes que pertenceram à Ação Popular (AP) e ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), duas organizações de origens diferentes que se aproximaram no final da década de 1960, processo que culminaria na incorporação da AP ao PCdoB, em 1973.
As entrevistas trazem informações originais sobre o processo de transformação da AP – uma organização juvenil originalmente ligada à igreja católica que se converteu numa organização marxista-leninista – e sobre os intensos debates ocorridos durante esse período. Contam a saga de dezenas de jovens – a maioria pertencente às camadas médias, provinda do movimento estudantil – que pagaram alto preço por sua atitude contestadora ao regime militar. Muitos foram presos e torturados, outros mergulharam na mais profunda clandestinidade ou tiveram de, em algum momento, abandonar o país.
Em seus depoimentos não há sinais de arrependimento ou rancor, mas apenas o sentimento de dever cumprido e a exigência de que se faça justiça histórica. No fundo, sabem que com sua ação decidida, ao lado do povo brasileiro e nas mais variadas frentes de luta, eles contribuíram para que a democracia pudesse retornar em 1985, quando a ditadura militar brasileira finalmente foi derrotada. E que a democracia então conquistada era mais avançada do que a existente nos períodos anteriores ao golpe militar, ainda que estivesse bastante aquém daquela com que eles sonhavam. Por isso, estes lutadores do povo têm a clara consciência de que a luta ainda não chegou ao fim.
Os ideólogos oficiais do regime militar, acuados pelas crescentes denúncias de abusos e de desrespeito aos direitos humanos, buscam vender a ideia de que travaram uma guerra em nome dos interesses nacionais e que combateram “terroristas”. Dizem que a anistia deveria significar esquecimento dos abusos cometidos “dos dois lados”. Não distinguem a violência do opressor da justa resistência dos oprimidos por sua liberdade. O direito à rebelião contra governos despóticos é reconhecido por todas as Cartas democráticas. É como diz os versos de Bertolt Brecht: “Do rio que tudo arrasta se diz violento, mas ninguém diz violentas as margens que o oprimem”.
Sabemos que resgatar os fatos ocorridos no transcorrer da ditadura imposta em 1964 é uma tarefa nem sempre fácil. Ainda hoje muitas portas continuam fechadas. As dificuldades para a construção de uma história da esquerda brasileira sempre estiveram ligadas aos longos períodos de falta de liberdade em que fomos obrigados a viver. Geralmente, e com certa razão, nessa hora, sempre lembramos o Estado Novo (1937-1945) e a Ditadura Militar (1964-1985), momentos em que a repressão política agiu de maneira mais desenvolta e violenta. Contudo, mesmo fora desses dois períodos históricos, o povo teve de conviver com uma democracia bastante restrita, pelo menos até 1985. Fiquemos apenas num único exemplo: nos seus primeiros 62 anos de existência (entre 1922 e 1984), o Partido Comunista do Brasil conheceu menos de dois anos de legalidade.
Para reconstituir essa luta subterrânea contra o arbítrio em nosso país, as fontes orais são imprescindíveis. Afinal, a repressão política dificultou a produção de documentos que descrevessem o cotidiano e as ações da resistência. O pouco que foi produzido perdeu-se nos ataques da repressão a casas de militantes e aparelhos clandestinos.
Devolver essa documentação a seus legítimos proprietários ou disponibilizá-la para o conhecimento do grande público seria um ato justo e democrático. Contudo, não há por que ficarmos lamentando. Na ausência de registros documentais, os realizadores deste livro foram ouvir militantes da causa democrática daquele período de chumbo.
Felizmente, o governo brasileiro vem – ainda que com dificuldades – tentando colaborar para este necessário resgate da história. Dentro desse espírito de jogar luzes sobre um passado sombrio, cabe destacar a atuação da Comissão da Anistia e a recente criação, pela presidenta Dilma, da Comissão da Memória e da Verdade. Aliás, as forças democráticas e progressistas devem apoiar e impulsionar essa Comissão para que ela, superando as resistências existentes, consiga apresentar o painel de desrespeito aos direitos humanos durante a ditadura e vá construindo os elementos para que os criminosos possam ser processados, a exemplo do que vem ocorrendo de forma exitosa em diversos países da América do Sul, onde também vigoraram ditaduras militares brutais.
O exemplo de vida dos militantes ouvidos nesta publicação iluminará os caminhos das novas gerações que ingressam na luta política e desejam ver nossa democracia ampliada, atingindo a mídia monopolizada, o poder Judiciário e a própria legislação eleitoral, que busca prender os partidos políticos aos interesses das grandes empresas privadas. E mais do que tudo, deseja ver mais direitos sociais ser agregados a essa democracia. A nossa esperança é que livros como este ajudem a reforçar as energias das correntes progressistas que no país ainda travam duras batalhas. Uma nação forte e socialmente justa se constrói valorizando os gestos, as condutas, as opções em defesa dos fundamentos sobre os quais ela deveria ser erigida: liberdade, soberania e bem-estar para todos
. "

(*) Adalberto Monteiro é jornalista e presidente da Fundação Maurício Grabois; Augusto César Buonicore é historiador e secretário-geral da Fundação Maurício Grabois

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