sábado, 5 de maio de 2012

Padrão

O esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.

A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.

E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.

E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma
E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.

Fernando Pessoa,"Mensagem", in Poesia completa de Fernando Pessoa", Edições Ática

1 comentário:

  1. Fernando Pessoa celebrou em poesia na sua "Mensagem" a nossa gesta marítima de Quinhentos e mais alguns episódios dignos de nota na História de Portugal. O Estado Novo nunca lhe agradeceu, e só, por influência de António Ferro, um Prémio lhe chega às mãos no ano da sua morte. Porém, toda a gesta dos Descobrimentos cedo iria começar a desfazer-se, iria diluir-se paulatinamente esse Império imprescindível e megalómano, mas dotado de uma iluminação inesperada e tangível, envolta no sonho e na ambição. O século XVII já claramente dava mostras da derrocada que se seguiria. Chegámos longe e com mérito, mas não tínhamos, nunca tivemos meios, especialmente gente e armas e engenho, para nos mantermos simultaneamente em vários teatros do planeta, quer na ocupação, quer no comércio, quer na guerra. Grandes sonhos, grandes portugueses, grandes actores no palco do mundo conhecido até então, descobrindo outros desconhecidos lugares, e também homens e mulheres de uma estatura fora do comum que aproveitaram oportunidades e momentos únicos. Assim decorreu! Assim se fez!

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