quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

O amor continua a chamar-nos


“Talvez desde o primeiro dia estejamos condenados a perder quem amamos. Possivelmente, o amor continua a chamar-nos do centro do labirinto e nós andamos às voltas sem sermos capazes de o encontrar. Porque o labirinto não é um jogo: é a defesa mágica dum centro, duma significação…”

História de um amor

Para que eu pudesse amar-te
os espanhóis tiveram que conquistar a América
e os meus avós
fugiram de Génova num barco de carga.

Para que eu pudesse amar-te
Marx teve que escrever O Capital
e Neruda, a Ode a Leninegrado.

Para que eu pudesse amar-te
houve em Espanha uma guerra civil
e Lorca morreu assassinado
depois de ter viajado até Nova Iorque.

Para que eu pudesse amar-te
Virgínia Woolf teve que escrever Orlando
e Charles Darwin
viajou até ao Rio de la Plata.

Para que eu pudesse amar-te
Catulo enamorou-se de Lésbia
e Romeu, de Julieta,
Ingrid Bergman filmou Strômboli
e Pasolini, os Cem Dias de Saló.

Para que eu pudesse amar-te
Lluís Llach teve que cantar Els Segadors
e Mulva, os poemas de Bertolt Brecht.

Para que eu pudesse amar-te
alguém teve que plantar uma cerejeira
no quintal da tua casa
e Garibáldi pelejar em Montevideu.

Para que eu pudesse amar-te
as crisálidas transformaram-se em borboletas
e os generais tomaram o poder.

Para que eu pudesse amar-te
tive que fugir de barco da cidade onde nasci
e tu resistir a Franco.

Para que nos amássemos, enfim,
aconteceram todas as coisas deste mundo

e desde o momento em que deixámos de amar-nos
existe apenas uma grande desordem.

Cristina Peri Rossi, "Poemas de Amor y Desamor",Barcelona, Plaza & Janés, 1998

Como queiras, Amor, como tu queiras

Como queiras, Amor, como tu queiras,
entregue a ti, a tudo me abandono,
seguro e certo, num terror tranquilo,
A tudo quanto espero e quanto temo,
entregue a ti, Amor, eu me dedico

Nada há que eu não conheça, que eu não saiba,
e nada, não, ainda há por que eu não espere
como de quem ser vida é ter destino.

As pequeninas coisas da maldade, a fria
tão tenebrosa divisão do medo
em que os homens se mordem com rosnidos
de malcontente crueldade imunda,
eu sei quanto me aquarda, me deseja,
e sei até quanto ela a mim me atrai.

Como queiras, Amor, como tu queiras.
de frágil que és não poderás salvar-me,
Tua nobreza, essa ternura tépida
quais olhos marejados, carne entreaberta,
será só escárnio, ou, pior, um vão sorriso
em lábios que se fecham como olhares de raiva.
Não poderás salvar-me, nem salvar-te.
Apenas como queiras ficaremos vivos.

Será mais duro que morrer, talvez
Entregue a ti, porém, eu me dedico
àquele amor por qual fui homem, posse
e uma tão extrema sujeição de tudo.

Como queiras, Amor, como tu queiras.
Jorge de Sena, in «Poesia vol. I e II», Edições 70, Lisboa 1988

3 comentários:

  1. O achado do Amor tem múltiplas causalidades. Não se ama uma pessoa no integral. Há sempre uma particularidade que nos desperta mais interesse, se identifica com o que gostamos, com o que nós idealizámos, algo que nos seduz, sejam as mãos, a cor dos olhos, o sorriso, a dedicação, a maneira de pensar, os objectivos a atingir nos trilhos da vida, o próprio carácter...

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  2. Não consigo explicar o amor entre pessoas como algo completo, pleno e indissolúvel. Com certeza é um sentimento forte, dominante, nobre,necessário, todavia, precisa ser alimentado para continuar existindo... Algo faz manter a sua intensidade, que é um conjunto de: sorrisos, alegrias, sonhos, diálogo, ternura, carinho, respeito, dedicação, fidelidade, verdade, atenção, ações e declarações. Vejo o amor carente de tudo isso para ser o que é. O amor dá sentido a vida...

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  3. O Amor é dádiva, doação, dedicação, renúncia, realização contínua em sinergismo de acção. Olharmos em frente, conhecendo de antemão que o outro o faz do mesmo modo, mas também nos olha, e que nós próprios também olhamos para quem connosco caminha, lado a lado. Dalva!... Apreciei o que afirma! Não existe nada indissolúvel na vida, pois a própria vida pessoal de qualquer de nós não o é. Todos os dias se dissolve algo em cada um de nós....Igualmente, em termos de completude, de plenitude... Imensa e atenta sensibilidade possui, quando diz que o Amor "precisa de ser alimentado". E se precisa!... Precisa, precisa!... O amor é algo que nasce e vive, e como tudo o que vive, necessita de alimento constante, em especial do melhor que podermos dar. Para o amor fornecer sentido à vida (e fornece, tem força e luz, tem capacidades para tal!...) é necessário - como muito bem o revela - possuir de tudo, possuir muito em pequena escala, a escala por que se mede a vida humana.

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