segunda-feira, 29 de março de 2010

Vejam bem

Vejam bem
que não há só gaivotas em terra
quando um homem se põe a pensar
quando um homem se põe a pensar

Quem lá vem
dorme à noite ao relento na areia
dorme à noite ao relento no mar
dorme à noite ao relento no mar

E se houver
uma praça de gente madura
e uma estátua
e uma estátua de febre a arder

Anda alguém
pela noite de breu à procura
e não há quem lhe queira valer
e não há quem lhe queira valer

Vejam bem
daquele homem a fraca figura
desbravando os caminhos do pão
desbravando os caminhos do pão

E se houver
uma praça de gente madura
ninguém vai
ninguém vai levantá-lo do chão

Zeca Afonso, in "Cantares de Andarilho", 1968

Vaya Con Dios - Don't break my heart

Do album "Roots and Wings", 1995, sai este registo harmonioso que merece ser fruido.

domingo, 28 de março de 2010

Manuel Alegre publica novela



Manuel Alegre
"O Miúdo Que Pregava Pregos Numa Tábua"
D. Quixote Editora
112 pp.
Preço - 12 Euros


Manuel Alegre presenteia-nos com mais uma obra numa prosa arrebatadora que só um poeta sabe produzir. Trata-se de uma novela que nas palavras do escritor é " uma viagem sobre mim mesmo", onde reflecte sobre o próprio processo criativo ou seja "na escrita sobre a escrita". "Deu-me muito prazer escrevê-lo e gostava que gostassem dele".
Que Manuel Alegre continue a revelar-nos o prazer da sua escrita para que possamos enlear-nos na provocação sublime das suas palavras.

Adeus sem partir


Sinais do tempo desaparecem
Em fuga de medo e de terror
Deixam-me só ,em pleno torpor
De fôlegos vãos que fenecem.
No vento , no mar e na terra
Em finitude escondo a guerra
Que de ti para mim vitupera.

Quisera lançar teus gritos fora
Reiniciar uma diferente era.
Do tempo infindo fico à espera
Que nados sejam em outra hora
Dois mundos livres sem discórdia
Cúmplices,quedos em nova história
Que de ti para mim faça penhora.

Adeus sem partir é palavra solta
Saudade perdida do que se tem
Não foge, não chora , não revolta
A pouca coisa de quem não vem
Ao mundo e de ti não fica refém.

M.J.Soares de Moura, in “ Poesias do Mar da Terra”

sábado, 27 de março de 2010

Versos para os pais lerem aos filhos em noites de luar

Com versos da cor da lua
és tão grande e pequenino
como esta página branca
em que leio o teu destino.
Dorme agora sossegado
como as nuvens à noitinha
que eu fico aqui a teu lado
com a tua mão na minha.
Com versos da cor da luz
é que eu embalo o teu sono
nessa cadência suave
das cantigas no Outono.

E vêm bruxas e fadas,
duendes e feiticeiras
com mantos feitos de bruma
para saltar as fogueiras.
Com versos feitos de sonho
é que eu te faço sonhar
que és golfinho e rouxinol
ou peixe de prata a brilhar.
E cada linha que tu lês
é perfeita como o traço
de um pintor que te envolve
com as cores de um abraço.
Cada palavra que leres
há-de alargar o teu mundo
acrescentando sentido
ao que sabes lá no fundo,
e aquilo que tu nomeias
passa a ter nome e lugar,
tesouro de sons soletrado
quando te pões a falar.
Cada palavra que aprendes
tem o gosto da aventura
e a magia secreta
que há no acto da leitura.
Cada palavra que escreves
é um fruto já maduro
que cai da árvore dos sons
e tem sabor de futuro.
Cada palavra aprendida
sabe a estrelas e a ilhas
e vai pela mão de Alice
ao País das Maravilhas.
Cada palavra já lida
ao mapa há-de acrescentar
mais uma rota esquecida
que os livros hão-de lembrar.
Cada palavra já lida,
seja em Lisboa ou em Tóquio,
há-de deixar-se
guiar pelo nariz do Pinóquio,
e mesmo se for mentira
aprenderá com o seu guia
o que vale para quem lê
esse dom da fantasia.
Cada palavra que nasce
mesmo no centro da fala
é como um tesouro oculto
no recanto de uma sala,
e pode ser um unicórnio,
dragão ou mesmo arlequim,
transformando-se numa pomba
quando a história chegar ao fim.
E há meninos luminosos
que nos livros já semeiam
com o som das suas vozes
as viagens que nomeiam.
São navegantes, corsários,
São os bravos almirantes
Dos sonhos que nos mostram
o mundo como era dantes.

José Jorge Letria, "Versos para os Pais lerem aos Filhos em Noites de Luar"
Porto, AMBAR, 2003

As Liberdades Essenciais


As liberdades essenciais são três: liberdade de cultura, liberdade de organização social, liberdade económica. Pela liberdade de cultura, o homem poderá desenvolver ao máximo o seu espírito crítico e criador; ninguém lhe fechará nenhum domínio, ninguém impedirá que transmita aos outros o que tiver aprendido ou pensado. Pela liberdade de organização social, o homem intervém no arranjo da sua vida em sociedade, administrando e guiando, em sistemas cada vez mais perfeitos à medida que a sua cultura se for alargando; para o bom governante, cada cidadão não é uma cabeça de rebanho; é como que o aluno de uma escola de humanidade: tem de se educar para o melhor dos regimes, através dos regimes possíveis. Pela liberdade económica, o homem assegura o necessário para que o seu espírito se liberte de preocupações materiais e possa dedicar-se ao que existe de mais belo e de mais amplo; nenhum homem deve ser explorado por outro homem; ninguém deve, pela posse dos meios de produção e de transporte, que permitem explorar, pôr em perigo a sua liberdade de Espírito ou a liberdade de Espírito dos outros. No Reino Divino, na organização humana mais perfeita, não haverá nenhuma restrição de cultura, nenhuma coacção de governo, nenhuma propriedade. A tudo isto se poderá chegar gradualmente e pelo esforço fraterno de todos.

Agostinho da Silva, in "Textos e Ensaios Filosóficos"

sexta-feira, 26 de março de 2010

O novo romance de Hélia Correia

"Adoecer" é o novo romance de Hélia Correia, uma "biografia romanceada", que retrata a vida de uma grande mulher, arrojada e diferente, que contra preconceitos e temores viveu um grande amor , na segunda metade do Sec. XIX. Esta relação amorosa entre a modelo, pintora e poetisa Elizabeth Siddal e Dante Gabriel Rossetti, pintor e poeta, cresce no seio de uma pesada sociedade vitoriana naturalmente adversa a este tipo de amantes.
Hélia Correia descobriu Elizabeth Siddal através da imagem de "Ofélia", um quadro famoso de John Millais, em que Siddal, a protagonista Lizzie do seu romance, serviu de modelo. Essa descoberta já tem muito tempo e confessa a escritora que se tratou de um deslumbramento que nunca mais a abandonou. Assim, percorreu os lugares londrinos por onde passou Elizabeth, pesquisou o Sec. XIX bem como a vida desta mulher que se desenvolveu no ambiente inovador dos pré-Rafaelitas e das pré-feministas.
Para Hélia Correia escrever a história de Lizzie é quase como fazer também a sua autobiografia.
O romance inicia-se com uma visita ao túmulo da família Rossetti, no cemitério de Highgate: «À cripta dos Rossetti não se acede de modo confortável. Eu não sei se o teixo que a ensombra é ainda o mesmo que foi plantado para o primeiro enterro. Os teixos são longevos, isso é certo. As inscrições nas lápides mantêm os nomes dos seus mortos bem legíveis. A humidade inglesa não foi tão implacável como é do seu costume. As chuvas deslizaram pelas pedras como se as respeitassem. Com excepção da que assinala Lizzie. O texto que o buril afundou nela ganhou alguma qualidade orgânica. Águas e águas se depositaram, chamando os musgos para a reprodução. Está deitada na terra, a sua laje, muito verde, marcando uma diferença na família que nunca foi a sua. Apesar de italianos, os Rossetti podiam dar lições de frieza aos londrinos em especial no modo de tratar noras indesejadas. O único Rossetti que a amou, e, ainda assim, de singular maneira, foi sepultado longe, junto ao mar. Não quis que o enterrassem junto dela.Tinha a certeza de que não se morre e não era a certeza dos cristãos
Esperam-nos páginas assombrosas de intensa qualidade literária. A arte da escrita de Hélia Correia é sempre um prémio de profundo e imenso prazer para nós leitores.
O romance "Adoecer" de Hélia Correia e o livro de poesia "Necrophilia" de Jaime Rocha, construido à volta deste mesmo tema, vão ser lançados por Relógio D'Água Editores.

quinta-feira, 25 de março de 2010

No More Lonely Nights

E porque a poesia também se canta, eis um exemplo na voz universal de Paul McCartney em "No More Lonely Nights", do Album "Give My Regards To Broad Street",1984



I can wait another day until I call you
You've only got my heart on a string and everything a flutter
But another lonely night (and another,
and another)
Might take forever(and another, and another)
We've only got each other
to blame
It's all the same to me love
'cause I know what I feel to be right
No more lonely nights
No more lonely nights
You're my guiding light
Day or night I'm always there

May I never miss the thrill of being
near you
And if it takes a couple of years
To turn your tears to laughter
I will do what I feel to be right

No more lonely nights
Never be another
No more lonely nights
You're my guiding light
Day or night I'm always there
And I won't go away until you tell me so
No I'll never go away

Yes I know what I feel to be right
No more lonely nights
Never be another
No more lonely nights
You're my guiding light
Day or night I'm always there
And I won't go away until you tell me so
No I'll never go away
I won't go away until you tell me so
No I'll never go away
No more lonely nights, no no ...

quarta-feira, 24 de março de 2010

"Sinais de Fogo" de Jorge de Sena


Vai realizar-se no próximo dia 27 de Março, na Figueira da Foz, um Simpósio " Ler Sinais de Fogo" promovido e organizado pelo Casino da Figueira, pela Editora Babel e com o apoio da Fundação José Saramago. A abordagem será feita por especialistas desta obra de Jorge Sena onde estão previstos os seguintes temas: " A aparição da poesia em Sinais de Fogo" e "Realismo e Poesia em Sinais de Fogo".
O filme realizado por Luis Filipe Rocha será igualmente exibido, bem como a leitura de alguns excertos do romance.
" Sinais de Fogo" é um romance póstumo e inacabado de uma força pujante que retrata a sociedade burguesa dos finais da 1ª metade do Sec. XX. A acção desenrola-se predominantemente na Figueira da Foz, quando eclode a Guerra Civil em Espanha. Um jovem estudante, Jorge, vai passar as férias de Verão a casa do seu tio Justino, na Figueira. "Quando cheguei à Figueira, a estação era um tumulto de espanhóis aos gritos, com sacos e malas, crianças chorando, senhoras chamando umas pelas outras, homens que brandiam jornais, e uma grande massa de gente comprimindo-se nas bilheteiras."
Apesar da guerra densificar a trama , é a paixão de Jorge por Mercedes que domina e centraliza tudo: drama e poesia. "Que o diabo levasse tudo o que quisesse, todas as preocupações, todos os ciúmes, todas as palavras dadas por conta dele. Eu queria-a minha, por que preço fosse."
Mercedes estava noiva do Almeida , mas isso não impedia de a desejar , de a querer. O realismo das emoções, o desejo e a paixão atravessam magistralmente o romance de uma forma arrojada que faz catapultar da prosa as palavras em verdadeira forma poética. "Oh meu amor, de ti, por ti, e para ti,/ recebo gratamente como se recebe/ não a morte ou a vida, mas a descoberta/ de nada haver onde um de nós não esteja."
São estes "Os Sinais de Fogo" que estarão em análise no próximo dia 27.
" Tirei um papel do bolso, e escrevi: " Sinais de fogo os homens se despedem , lançando ao mar os barcos desta vida." Reli o que escrevera. E depois? Olhei o mar que escurecia, com manchas claras que ondulavam largas. Os barcos iam pelo mar fora, e nalguns havia lanternas acesas. " Nas vastas águas..." Nas vastas águas ... Era absurdo. Eu fazendo versos? Porquê? Amarrotei o papel e deitei-o fora."




segunda-feira, 22 de março de 2010

PORTUGAL, O PEC … a pedra a cair no charco

Dez mil famílias portuguesas vivem do Banco Alimentar. Isto é a verdade dos números neste início de 2010. Dez mil famílias apenas sobrevivem e matam a fome porque existe um Banco Alimentar e não um estado social que as proteja quando a vulnerabilidade do desemprego as ataca. É assim o Portugal que se ufana de ter uma política humanista e social.
A crise internacional veio pela porta principal no final de 2009 e atolou o país que até então tinha já consolidado as contas e reduzido o défice, conforme anunciavam pomposamente os arautos do governo.
Num ano passámos da estabilidade orçamental ao PEC da nossa vergonha. E se me parece vergonhoso este PEC, mais acredito que esta sequência de letras em forma de sigla não sejam as iniciais de um programa urdido a pensar em PORTUGAL, mas antes e primordialmente um acto de onomatopoese cuja forma seja traduzir um som natural tal como o ruído de qualquer coisa a cair… P E C. Assim como uma pedra a cair num enorme charco que assusta só de olhar. O ruído é seco, pec, e entra de rompante pelos nossos ouvidos deixando-os em ressonância contínua. E não fica por aí.
Gianni Rodari no livro, “ Gramática da Fantasia, Introdução à Arte de Inventar Histórias”, tem um texto surpreendente que descreve estes efeitos.
“Uma pedra lançada a um charco provoca ondas concêntricas que se expandem pela sua superfície, envolvendo no seu movimento, a distâncias diferentes e com diferentes efeitos, o nenúfar e a cana,(…) e a bóia do pescador. Objectos que estavam muito bem onde estavam, na sua paz ou no seu sono, são como que chamados à vida, obrigados a reagir, e a entrar em relação entre si.
Outros movimentos invisíveis propagam-se em profundidade, em todas as direcções, enquanto a pedra se precipita, deslocando as algas, assustando os peixes, causando sempre novas agitações moleculares. Quando, por fim, toca o fundo, remexe o lodo, bate nos objectos que aí jaziam esquecidos, alguns dos quais são assim desenterrados, enquanto outros por sua vez ficam cobertos de areia. Inúmeros acontecimentos, ou micro-acontecimentos, sucedem-se num lapso de tempo curtíssimo.
Do mesmo modo, uma palavra, lançada ao acaso na mente, produz ondas de superfície e de profundidade, provoca uma série infinita de reacções em cadeia, envolvendo, na sua queda, sons e imagens, analogias e recordações, significados e sonhos, num movimento que diz respeito à experiência e à memória, à fantasia e ao inconsciente, e que é complicado pelo facto de que a própria mente não assiste passiva à representação, intervindo nela continuamente, para aceitar e recusar, associar e censurar, construir e destruir. …”

A mente não assiste passiva à representação deste turbilhão de efeitos , mas será que alguém poderá intervir e alterar o rumo deste PEC, seco e duro, que arrasta em cadeia tantos sobressaltos, tantos medos?
Portugal não é um charco, mas de lodo temos todos pavor. Que ele não nos salpique nunca.

domingo, 21 de março de 2010

Dia Mundial da Poesia


Dar a palavra aos poetas é render homenagem à vida. E como a vida se vive todos os dias em cada dia, aqui, saúdo hoje, alguns poetas da minha vida.
A vós.

Urgentemente

É urgente o amor
É urgente um barco no mar

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos, muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

Eugénio de Andrade, in "Até Amanhã"

Revolução

Como casa limpa
Como chão varrido
Como porta aberta

Como puro início
Como tempo novo
Sem mancha nem vício

Como a voz do mar
Interior de um povo

Como página em branco
Onde o poema emerge

Como arquitectura
Do homem que ergue
Sua habitação

Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas"


O Poema

O poema não é o canto
que do grilo para a rosa cresce.
O poema é o grilo
é a rosa
e é aquilo que cresce.

É o pensamento que exclui
uma determinação
na fonte donde ele flui
e naquilo que descreve.
O poema é o que no homem
para lá do homem se atreve.

Os acontecimentos são pedras
e a poesia transcendê-las
na já longínqua noção
de descrevê-las.

E essa própria noção é só
uma saudade que se desvanece
na poesia. Pura intenção
de cantar o que não conhece.

Natália Correia, in "Poemas",1955

Ternura

Desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando depois do sol não vem mais nada...

Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio...

Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!

David Mourão-Ferreira, in "Infinito Pessoal"

Portugal

O teu destino é nunca haver chegada
O teu destino é outra índia e outro mar
E a nova nau lusíada apontada
A um país que só há no verbo achar

Manuel Alegre, in "Chegar Aqui"

Não Canse o Cego Amor de me Guiar

Pois meus olhos não cansam de chorar
Tristezas não cansadas de cansar-me;
Pois não se abranda o fogo em que abrasar-me
Pôde quem eu jamais pude abrandar;

Não canse o cego Amor de me guiar
Donde nunca de lá possa tornar-me;
Nem deixe o mundo todo de escutar-me,
Enquanto a fraca voz me não deixar.

E se em montes, se em prados, e se em vales
Piedade mora alguma, algum amor
Em feras, plantas, aves, pedras, águas;

Ouçam a longa história de meus males,
E curem sua dor com minha dor;
Que grandes mágoas podem curar mágoas.

Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"

Liberdade

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D.Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,

Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

Mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

Ode para o Futuro

Falareis de nós como de um sonho.
Crepúsculo dourado. Frases calmas.
Gestos vagarosos. Música suave.
Pensamento arguto. Subtis sorrisos.
Paisagens deslizando na distância.
Éramos livres. Falávamos, sabíamos,
e amávamos serena e docemente.

Uma angústia delida, melancólica,
sobre ela sonhareis.

E as tempestades, as desordens, gritos,
violência, escárnio, confusão odienta,
primaveras morrendo ignoradas
nas encostas vizinhas, as prisões,
as mortes, o amor vendido,
as lágrimas e as lutas,
o desespero da vida que nos roubam
- apenas uma angústia melancólica,
sobre a qual sonhareis a idade de oiro.

E, em segredo, saudosos, enlevados,
falareis de nós - de nós! - como de um sonho.

Jorge de Sena, in "Pedra Filosofal"

Esperança

Tantas formas revestes, e nenhuma
Me satisfaz!
Vens às vezes no amor, e quase te acredito.
Mas todo o amor é um grito
Desesperado
Que apenas ouve o eco...
Peco
Por absurdo humano:
Quero não sei que cálice profano
Cheio de um vinho herético e sagrado.

Miguel Torga, in "Penas do Purgatório"

sábado, 20 de março de 2010

Grande Prémio de Ensaio Eduardo Prado Coelho para Vítor Aguiar e Silva



A direcção da Associação Portuguesa de Escritores emitiu a 16 de Março , o seguinte comunicado:
«O Grande Prémio de Ensaio “Eduardo Prado Coelho” foi atribuído, pela primeira vez, ao livro "Jorge de Sena e Camões – Trinta Anos de Amor e Melancolia", de Vítor Aguiar e Silva (Angelus Novus). O júri, ontem reunido, e que deliberou por unanimidade, foi constituído por António Pedro Pita, José Cândido Martins e Paula Cristina Costa.
Este prémio, no montante de sete mil e quinhentos euros, foi instituído pela Associação Portuguesa de Escritores, com o patrocínio da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão. Distingue, anualmente, uma obra de ensaio literário, publicada em livro."
O prémio vai ser entregue no próximo dia 23 de Abril, na Biblioteca Municipal de Vila Nova de Famalicão, durante o colóquio dedicado a Eduardo Prado Coelho sob o tema “Um Pensador Multifacetado”.
O grande prémio, além da periocidade anual, visa distinguir uma obra de ensaio literário em português, de autor português, publicado em primeira edição.
Eduardo Prado Coelho ficou para sempre ligado a Vila Nova de Famalicão ao ter doado ao município o seu espólio bibliográfico de 12.500 títulos (um total de 10.700 livros e 1.800 revistas que estão disponíveis para consulta na Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco), pelo que a Câmara Municipal de Famalicão institui este galardão em sua memória.

A Arte de Ser Feliz


Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,
e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde,
e,em silêncio,ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como reflectidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Ás vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles, "A Arte de Ser Feliz "

sexta-feira, 19 de março de 2010

Carta a meu Pai


Pai

Deixou-me e, agora, tenho dificuldade em explicar-lhe como tudo isto se transformou. A cidade cresceu muito e as pessoas já não se falam todos os dias, nem mesmo quando se cruzam na rua . Correm muito e desejam ver os dias a correr também. Quando a noite chega, olham para os filhos e apressadas jantam novamente, em correria, para que tenham tempo de tudo preparar para o dia seguinte. Os filhos, grandes e pequenos, já se habituaram ao frenesi deste quotidiano. Muitos deles, pequeninos, ainda de fraldas, saem pela madrugada, rumo ao infantário onde a Mãe os deposita até ao fim do dia. E é assim, dia após dia, para aqueles que trabalham. Muita desta gente abandonou a aldeia ou o meio rural à procura de uma vida melhor. Será ? Por vezes, não tenho a certeza de que isto seja verdadeiro, tenha realmente acontecido.
Mas o que ainda não sabe e que se apresenta como tragédia maior, é que existem centenas e centenas de milhar de pessoas que suspiram para poder ingressar no seio desta automatizada organização que regula esta gente, o Trabalho. Pois é, são muitas famílias sem que alguém tenha qualquer trabalho, sem que alguém tenha qualquer fonte de rendimento. O trabalho desapareceu e a fome voltou em força. Sim, Pai, a fome está de volta. Não é a mesma do século passado. Esta é ainda mais feroz, mais faminta porque nem se sabe quando nos bate à porta e muito menos quando termina.
Todas as semanas nascem novos pobres que já tudo tiveram. Novos pobres a quem tiram até as próprias casas porque sem emprego não as podem pagar. E os filhos ficam o dia inteiro nas escolas, sobrevivendo porque a cantina lhes propicia uma refeição e, à noite, os Pais socorrendo-se do Banco Alimentar, e enganando a fome durante todo o dia, colocam um jantar na mesa. E , então , todos juntos adormecem a fome.
Eu sei que ser pobre era estar pobre (nada ou quase nada ter) e que sempre fora assim, mas a pobreza deste século é uma pobreza total, indigna. Não tem limites, nem perspectivas. A esperança de um futuro foi penhorada e isso torna o pobre ainda mais pobre.
Nós acreditávamos no futuro e na capacidade regeneradora do homem, quando a pobreza lançava a rede. Agora está-se na rede do desespero, dos dias de luto e do jejum imposto.
A multidão acotovela-se em tudo e por tudo. São filas intermináveis nos Centros de Emprego, nos Centros de Saúde, nos Centros da Segurança Social e na vergonha de quem não pode pedir esmola.
Não sei, Pai, se ainda se lembra como o Sol brilha e que linda é a nossa terra com toda essa luz. Pois, continua luminosa , mas de uma beleza muito mais efémera e distante.
O Pai concluirá que para aceder ao belo é necessário que a sombra não tape o nosso horizonte.
Não sei, Pai, se estaria muito feliz com este país se cá estivesse hoje. No entanto, as tantas e longas saudades da sua ausência fazem-me acreditar que, apesar de tudo, seria um óptimo dia do Pai.
Um abraço para SEMPRE.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Joe Cocker - Unchain my Heart, 1987

A voz rouca e potente de Joe Cocker num desempenho soberbo do clássico " Unchain my heart " .



Unchain my heart baby let me be
Cause you don't care please set me free

Unchain my heart
Baby let me go
Unchain my heart
Cause you don't love me no more
Every time I call you on the phone
Some fella tells me your not at home
Unchain my heart set me free

Unchain my heart
Baby let me be
Unchain my heart
Cause you don't care about me
You got me sewed up like a pillow case
But you let my love go to waist
Unchain my heart set me free

I'm under your spell
Like a man in a trance
You know darn well that I don't stand a chance
Unchain my heart let me go my way
Unchain my heart you worry me night and day
I live a life of misery
And you don't care a bag of beans for me
Unchain my heart set me free

Solo

I'm under your spell
Like a man in a trance
You know darn well that I don't stand a chance
Unchain my heart let me go my way
Unchain my heart you worry me night and day
I live a life of misery
And you don't care a bag of beans for me
Unchain my heart set me free

quarta-feira, 17 de março de 2010

Cartoon do dia


Cravo & ferradura

Cartoon Bandeira, publicado no DN, em 17 de Março de 2010

Miguel Delibes


Miguel Delibes (17 de Outubro de 1920 - 12 de Março de 2010), o maestro das letras espanholas, desapareceu.
"Vivió sus últimos años «resignadamente». Él mismo lo dijo al cumplir 87: «Soporto los días, uno tras otro, todos iguales. No deseo más tiempo. Doy mi vida por vivida». Una confesión que eriza la piel a sus fieles. Ahora este genio de la literatura les ha dejado huérfanos. ¿Fue feliz? «No existe la felicidad. A lo largo de la vida hay briznas de dicha que se deshacen como las pompas de jabón. Yo soy triste», respondió en su día. Este repaso en imágenes por lo que fue su vida trata de acercarse al maestro pesimista". Referiu o Jornal " El Mundo" com fotografia de Carlos Miralles, dedicando um caderno a Miguel Delibes distribuido da seguinte maneira:" El castellano conciso; Su Vida; Su Obra; Su Personajes; Un Sabio del Campo."
É o retrato de um grande escritor que juntamente com Camilo José Cela e Gonzalo Torrente Ballester representam a excelência da literatura espanhola dos últimos cem anos. Foi galardoado com variadas distinções tais como o Prémio Nadal em 1948, o Prémio Príncipe de Asturias repartido com Gonzalo Torrente Ballester em 1982, o Prémio Nacional de Letras em 1991, o Prémio Cervantes em 1993.
É um artífice da terra e da vida rural que descreve com exímia naturalidade , utilizando um discurso ímpar, directo e de uma justeza exemplar. Natural de Valladolid jamais abandonou a sua terra natal. Com formação em Direito nunca exerceu essa especialização, trocando-a pelo prazer da escrita. Foi Director do Jornal "El Norte de Castilla" entre 1958-1963, tendo sido obrigado a demitir-se por ter sido alvo de censura por parte do Governo de Franco de cuja política discordava. Confessou que foi pelo labor de jornalista na redacção da notícia que adquiriu a capacidade de concisão e objectividade que impregna a sua escrita.
Delibes disse um dia que: “Nas minhas obras há quatro elementos essenciais – a natureza, a morte, a sensibilidade em relação ao próximo e a infância."
Escreve PEDRO CÁCERES:" Dentro de poco, habrá que leer a Miguel Delibes con el diccionario en la mano. Casi nadie podrá entender el vocabulario del ámbito rural que emplea en su obra. Porque ese mundo campesino de obras como 'El camino' (1950) o 'Las ratas' (1962) ya desapareció. En la segunda mitad del siglo XX, cuando desarrolló su obra narrativa, España pasó de ser rural a urbana. Se perdieron los usos, las herramientas y las palabras que los describían."
Miguel Delibes tem uma imensa obra publicada, muito lamentavelmente pouco traduzida para português, desde "La sombra del ciprés es alargada"(1948)Premio Nadal, "El camino"( 1950), "Las ratas" (1962) Prémio da Crítica, "Diario de un cazador" (1955),"Diario de un emigrante (1958),"Los santos inocentes"(1981), "Cartas de amor de un sexagenario voluptuoso"(1983), "Viejas historias y cuentos completos" (2006),uma recompilação de toda a narrativa breve completa, etc..
A Espanha e o mundo ficaram de luto porque morreu um grande homem que ficará para sempre na plêiade dos grandes da Literatura Universal.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Morreu Jean Ferrat

Sábado, 13 de Março, morreu Jean Ferrat, um lutador , um defensor da liberdade, apoiante incondicional da solidariedade e da tolerância entre todos os homens. Tinha 79 anos e deixou um legado musical imenso e valioso. Foi autor de mais de 200 canções que imortalizou com a sua inconfundível voz.
Tido como comunista nunca foi militante, embora próximo e quase "compagon de route" do Partido Comunista Francês. Foi, contudo, uma voz independente e dissonante como atesta a denúncia que fez da invasão russa de Praga em 68 e que popularizou através da canção " Camarade".
Foi um cantor de acção com uma intervenção constante na luta pelos ideais democráticos. As suas canções ficarão como o registo do Homem que amava a música e a política como vias para melhorar o mundo.
A Jean Ferrat a minha sempre grande admiração.




CAMARADE
Paroles et musique: Jean Ferrat, 1968

C'est un joli nom, camarade
C'est un joli nom, tu sais
Qui marie cerise et grenade
Aux cent fleurs du mois de mai
Pendant des années, camarade
Pendant des années, tu sais
Avec ton seul nom comme aubade
Les lèvres s'épanouissaient
Camarade, camarade

C'est un nom terrible, camarade
C'est un nom terrible à dire
Quand, le temps d'une mascarade,
Il ne fait plus que frémir
Que venez-vous faire, camarade
Que venez-vous faire ici
Ce fut à cinq heures dans Prague
Que le mois d'août s'obscurcit
Camarade, camarade

C'est un joli nom, camarade
C'est un joli nom, tu sais
Dans mon coeur battant la chamade
Pour qu'il revive à jamais
Se marient cerise et grenade
Aux cent fleurs du mois de mai

Canto Della Terra

Andrea Bocelli em "Canto Della Terra", um hino comovente que nos faz estremecer, testando a nossa sensibilidade.
Andrea Bocelli uma das vozes maiores deste nosso mundo.

domingo, 14 de março de 2010

Resistir é uma forma de combater


Por Baptista Bastos
Não há motivação, na sociedade portuguesa, que consiga alterar a inércia em que nos encontramos. Vem aí o PEC e o pouco que do documento sabemos deixa-nos desassossegados, mais desassossegados do que até aqui nos encontrávamos. Sócrates aparece, fala dois minutos, vai embora e lega aos outros a maçada de nos esclarecer. Nenhum dos membros do Governo, de plantão para a funçanata, esclareceu coisa alguma. Fomos sabendo do infortúnio que nos aguarda através dos especialistas em economia. E as informações, repito, são de molde a deixar-nos espavoridos.
O PEC é uma pouca-vergonha. Um trapo cheio de remendos. Uma negaça mal amanhada, com uns truques pelo meio, como aquele de se proceder a outra fiscalidade a quem aufira, por ano, mais de 150 mil euros. Somos nós quem vai pagar a crise. Nós, o resto, numeroso, dos portugueses para os quais nada se oferece e tudo se tira.
Toda a nossa vida tem sido um processo de demolição empreendido por este Governo (mas também por outros) que nos fez entrar na mais dolorosa letargia, porque nada nos acena a mais escassa e módica esperança. Sócrates serve-se de nós, com um impudor que raia a esquizofrenia. Qual o conceito que possui de poder? Democrático não é, certamente.
Este novo golpe do PEC nem sequer lhe mereceu o cuidado de ser explícito, claro, pausado e mobilizador, tendo em conta a brutalidade das propostas. Porém, já nos habituámos a estas manifestações de sobranceria. Os "intocáveis" continuam os mesmos. Os vencimentos sumptuosos talvez apenas sejam atingidos por pequenas amolgadelas. Nós é que vamos pagar tudo. E não somos culpados de nada. Os responsáveis do descalabro a que chegámos ficarão alegremente impunes, nem sequer o ferrete da indignidade nacional (que, em França, depois da guerra, se converteu em figura jurídica) lhes será aplicado. Esta gente faz o que quer, não presta contas (a penalização dos votos é uma rábula consecutiva) e passa à frente.
Este ciclo político que está moribundo terá continuidade no que se lhe segue. As indicações que temos dizem--nos que os candidatos à chefia do PSD, e um deles putativo candidato a primeiro-ministro, não harmonizam nenhuma ideia, diferente das que até agora têm articulado o nosso pobre destino. É tudo mais do mesmo: privatizações, entregar ao "mercado" a solução dos problemas, mesmo quando o "mercado" é o que é e o que nós sabemos, impostos directos ou indirectos - enfim, todo o breviário com que a globalização da economia, cega e surda, sobrecarregou as nossas já atávicas desgraças.
O Governo Sócrates não presta para nada. Está visto e provado. Mas as ameaças que se seguem fazem temer o pior. Os Governos, perante a abertura dos mercados, tal como as redes de comércio, e as estratégias planetárias das grandes empresas, encontram-se fragilizadíssimos. Todavia foi a inacção da política que permitiu a sobreposição da economia. É preciso entendermos que a nação deixou de ser o quadro simbólico e territorial como anteriormente se conhecia. Não mandamos em nada do que julgávamos nosso. Porque também é preciso compreender que a zona a que chamávamos "pátria" não nos pertencia: era propriedade dos grandes cavalheiros da indústria, dos latifundiários e de um ou dois grupos financeiros. Quando apelam à nossa colaboração (nos sacrifícios económicos como nas guerras e em outras manifestações de falsa posse) apelam que façamos a defesa daquilo que nos não pertence.
O que, neste momento, é de nós exigido, melhor: que nos é rudemente imposto por um Governo, dito, mentirosamente, de "socialista", faz parte do discurso do poder quando o poder se sente cercado. Deixámos, há muitos anos, de proceder de fontes directamente culturais e de valores que haviam instituído uma certa maneira de viver. Este Governo e os que o antecederam (sublinhando a calamitosa herança de Durão Barroso e o intermezzo cómico de Santana Lopes) depredaram o que ainda existia (a década cavaquista foi o prelúdio à fatalidade) de sentimento de comunidade, de laços afectivos de solidariedade e de "presença." Todos os políticos nomeados estavam desprovidos de sentido cultural e, em muitos casos, manifestavam liminar ignorância. Recordo-me de, certa vez, conversando, com Eduardo Prado Coelho, sobre Durão Barroso, com quem ele simpatizava, o meu amigo, como que a defendê-lo, disse: "Mas olha: é leitor de Maria Gabriela Llansol." Fiquei calado de espanto.
Estas minhas inquietações e, amiudadas vezes, a veemência com que defendo ideias, não é de agora. Vem de muito longe. Desse imperativo que sempre me impeliu a criticar posições de recuo e de fechamento, sobretudo em relação àqueles, politicamente com responsabilidades histórica, que traíram os testamentos e espezinharam sonhos e esperanças.
No entanto, vale a pena acreditar porque vale a pena resistir: resistir é uma forma de combater.

Artigo de Opinião de Baptista-Bastos, publicado no "Jornal de Negócios", em 12/03/2010

quinta-feira, 11 de março de 2010

As vítimas dos grandes eventos

Raquel Rolnik, uma investigadora dos direitos humanos na ONU, apresentou em Genebra, Segunda-Feira passada, 8 de Março, um relatório muito crítico (texto integral disponível em Inglês) sobre o impacto dos grandes eventos desportivos como o Campeonato Mundial de Futebol ou os Jogos Olímpicos, acusando os organizadores destes importantes encontros desportivos de serem responsáveis pela expulsão ou pela deslocalização de milhares de pessoas para "embelezar" as cidades. Aponta, nomeadamente, o caso de vinte mil pessoas deslocadas de um "bairro de lata" no Cap, cidade do Cabo, com o aproximar do Campeonato do Mundo de Futebol.
Apresentada na Internet como "relatora especial da ONU para o alojamento durável , enquanto elemento de direito para um nível de vida aceitável", Rolnik, urbanista e universitária brasileira, abordava já no seu Blog, desde o dia 5 de Março, o prejuízo social que provocam estas grandes manifestações desportivas . Nessa nota, ela destaca o impacto de competições como os Jogos Olímpicos de Sydney (ensombrado pelos excessos dos preços do imobiliário ), os Jogos de Pequim (1,5 milhões de deslocados), ou o próximo Campeonato do Mundo .
Raquel Rolnik lamenta que se registe frequentemente uma enorme falta de compromisso pelos países organizadores de tais eventos em respeitar e assegurar o direito ao alojamento. E se ela se regozija com o compromisso tomado pelo Comité Olímpico Internacional de ter em conta esta questão, deplora a atitude da FIFA , que tem sido sempre insensível à mesma. " A FIFA nunca respondeu a nenhuma das nossas cartas, nem a qualquer pedido de encontro. " - afirma ela.
Se a FIFA não respondeu ainda a estes ataques, o Comité organizador do Mundial na África do Sul defendeu-se de "dissimular a realidade social". " Nós trabalhamos para melhorar mais de 200 "bairros de lata" para assegurar que façam parte integrante da cidade, e que eles não sejam apenas enclaves dentro dela."- declarou no Cap.
Adaptação do artigo publicado no Jornal " Le Monde" , em 9/03/2010

quarta-feira, 10 de março de 2010

Hoje, a China está de prevenção no Tibete

Em 10 de Março de 1959, os Tibetanos foram cruelmente massacrados pela China por terem reiniciado uma revolta armada contra a anexação da sua nação, em 1950.
Passaram 51 anos após esse atroz acontecimento que obrigou o Dalai Lama a partir para o exílio. A China acabou por sufocar um povo estripando-o das suas raízes culturais e identitárias, mas não conseguiu fazer esquecer essa revolta que se revitaliza nesta data como aconteceu em 2008. O mundo visionou imagens dolorosas de repressão sobre monges tibetanos desarmados e quase desnudados apenas exibindo e manifestando o seu repúdio contra a força totalitária do governo chinês. A morte de um monge em tempo real, sendo abatido perante as câmaras televisivas deste mundo impiedoso e diferentemente global ficará para sempre como a imagem da impunidade chinesa e a covardia falsamente assumida do mundo ocidental.
Hoje, a China está de prevenção no Tibete. Hoje, a China está pronta para silenciar quem se erga. Hoje, a China afrontará o Tibete recordando-lhe que a força das armas prevalece, ainda , sobre a força da razão, do espírito e dos ideais.
Este é o nosso mundo.

A Forma Justa


Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos - se ninguém atraiçoasse - proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
- Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo

Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo.

Sophia de Mello Breyner, in “ O Nome das Coisas”, Moraes Editores, 1977

segunda-feira, 8 de março de 2010

Edith Piaf - Non, Je ne regrette rien


Non! Rien de rien ...
Non! Je ne regrette rien
Ni le bien qu'on m'a fait
Ni le mal tout ça m'est bien égal!

Non! Rien de rien ...
Non! Je ne regrette rien
C'est payé, balayé, oublié
Je me fous du passé!

Avec mes souvenirs
J'ai allumé le feu
Mes chagrins, mes plaisirs
Je n'ai plus besoin d'eux!
Balayés les amours
Avec leurs trémolos
Balayés pour toujours
Je repars à zéro ...

Non! Rien de rien ...
Non! Je ne regrette rien
Ni le bien, qu'on m'a fait
Ni le mal, tout ça m'est bien égal!

Non! Rien de rien ...
Non! Je ne regrette rien
Car ma vie, car mes joies
Aujourd'hui, ça commence avec toi!

domingo, 7 de março de 2010

2010


Os homens admiram e perdem-se muitas vezes maravilhados por imagens da natureza que se gravam na retina da palavra e emergem em textos ricos de sons , cheiros , cores, fecundados por poetas e prosadores. É desse fecundo encantamento que se vai alimentando a nossa paixão pelos livros construidos por palavras alinhadas em formas e tensões variadas . Se nuns a calma dos rios sobressai, noutros é a força da tempestade do mar em luta interior ou esvaziando-se desmedidamemte na costa que o margina , ou/e ainda em alguns, a tormenta do trovão continuada na magnitude disforme do relâmpago como que definindo as fronteiras entre o humano e a força do que o transcende: a natureza.
E é essa natureza que fascina e amedronta que, neste início de 2010, tem marcado a nossa existência. Jamais em tão pouco tempo nos vimos assolados por tanta devastação. As intempéries sucedem-se e desde o Haiti à Madeira , ao Chile, à Europa, à Austrália, as marcas de mais fortes a arrasadoras vão ficando e deixando à vista uma população sofrida e vulnerabilizada. Muitos pereceram , ficando sob os destroços de uma vida de trabalho ou talvez com o sonho de a construir num futuro desejado. A dor tem chegado veloz e vorazmente num ápice que violenta e magoa qualquer um.
A brutalidade desta natureza em acção destruidora e incontrolável vem relembrar e reforçar quão grande e inevitável é a fragilidade humana no diálogo temporal com a natureza e a finitude da sua existência no mundo.

Tudo o que se passa passa-se com todos

por BAPTISTA-BASTOS

O desemprego não pára de aumentar na Europa. Uma análise honesta do problema autoriza-nos a concluir que a crise do sistema está a prolongar-se e a de-senvolver-se com resultados finais previsivelmente assustadores. Em Portugal, a percentagem de desempregados atingiu os 10,5 por cento, e a tendência é para aumentar substancialmente. Pode-se olhar para o lado, criando a torpe ilusão de que as desgraças só acontecem aos outros. Não é verdade. Como no poema de Brecht, tudo é com todos, e já estão a tocar no batente da nossa porta.
À incapacidade total dos nossos governantes, já não digo para resolverem, mas, pelo menos, para enfrentar o problema, junta-se o facto de obedecerem, cegamente, às combinações únicas do elemento standard. Os módulos do mercado, quer dizer: as exigências brutais do capitalismo, encontraram as mais servis concordâncias nos chamados partidos de poder. Mas que poder?, tendo em conta que esse próprio conceito se desvaneceu. Partidos conservadores, socialistas, sociais-democratas ou demoliberais pouco possuem, hoje, que os distinga uns dos outros. Politicamente, agem de forma semelhante. A perda das suas identidades, absorvidas pela "economia única", põe em risco a própria democracia. A "democracia totalitária" está aí.
No caso português, o Governo é, averiguadamente, inepto para resolver o problema. A sua indeterminação ideológica pode explicar a decomposição da nossa vida cívica. Por outro lado, as representações actuais do PSD (três candidatos à chefia) não são animadoras. Nada se sabe dos projectos "alternativos", talvez porque, na realidade não existam, a não ser a continuidade de "políticas de aquiescência". Cada qual apenas pretende gerir, a seu modo, a crise geral do capitalismo, sem demonstrar a necessidade da sua crítica. O mimetismo, com ligeiras modificações de pormenor, tornou-se comum aos partidos. O mundo da economia substituiu o da política, com os nefastos resultados que se conhecem. O futuro não augura nada de bom para os portugueses. Os portugueses desempregados, pobres e assustados, bem entendido. Para uma escassa minoria, vencimentos obscenos, reformas escabrosas, as coisas correm pelo melhor.
Entre outras, há uma pergunta a colocar: um país pode ser governado assim, ausente das relações sociais, mantendo, obstinada e cegamente, a ruptura com a dimensão colectiva?
O PS deixou, há muito, de advogar uma identidade específica, que o colocasse entre a Direita do PSD e a Esquerda do PCP. É um imbróglio sem convicções, como o PSD é o que sempre foi: um jogo de dependências sem grandeza nem glória. Poderemos, alguma vez, recuperar o nosso "não" e o nosso "sim"? Duvido.

Artigo de Opinião de Baptista Bastos, publicado no DN, em 3/03/2010

sábado, 6 de março de 2010

A terra

















A terra verde se entregou
a tudo o que é amarelo, ouro, colheitas,
torrões, folhas e grão,
quando, porém, o outono se levanta
com seu longo estandarte
és tu a quem eu vejo,
é para mim a tua cabeleira
a que reparte as espigas.

Eu vejo os monumentos
de antiga pedra rota,
porém se toco
a cicatriz de pedra
teu corpo me responde,
meus dedos reconhecem
de pronto, estremecidos,
tua quente doçura.

Passo por entre heróis
recém-condecorados
pela pólvora e a terra
e detrás deles, muda,
com teus pequenas passos,
és ou não és?

Ontem, quando arrancaram
com raiz, para vê-lo,
a velha árvore anã,
te vi sair me olhando
de dentro das sedentas,
torturadas raízes.
E quando o sono vem
e me estende e me leva
a meu próprio silêncio,
há um grande vento branco
que derruba meu sono
e dele caem as folhas,
caem como punhais,
punhais que me dessangram.

Cada ferida tem
a forma de tua boca.

Pablo Neruda, in "Versos do Capitão"
Tradução de Thiago de Mello

quinta-feira, 4 de março de 2010

O colapso da democracia corporativa


Seria uma comédia, não fosse uma tragédia. Corruptos, disfuncionais, apáticos, perigosos e poderosos. É assim que John Gillespie e David Zweig, ambos insiders do mundo empresarial norte-americano, apelidam a corporate governance na América, num livro recentemente lançado. Os bastidores dos conselhos de administração de algumas das maiores empresas do mundo revelados ao cidadão comum...
POR HELENA OLIVEIRA, publicado no Jornal de Negócios em 26/02/2010

Quem? O Lehman Brothers. Quando? Entre 2000 e 2007. O quê? O comité de risco reuniu-se, ao longo deste período de tempo, duas vezes por ano e todo o conselho de administração aprovou salários, acções, opções de compra e bónus para o CEO, Richard Fuld, que totalizaram 484 milhões de dólares. Para quê? Para este senhor vir anunciar, numa conferência de imprensa em 2008, que a sua firma tinha perdido 3,9 mil milhões de dólares no quarto trimestre e para declarar também: “tenho de admitir que o conselho de administração tem-me conferido um apoio fantástico”. Quatro dias mais tarde, o Lehman declarou falência, uma “brincadeira” que custou aos seus accionistas a módica quantia de 45 mil milhões de dólares”.
A história é uma entre muitas e é apresentada num livro cáustico - escrito por John Gillespie, ex-banqueiro de investimento no Lehman, Morgan Stanley e Bear Sterns e David Zweig, consultor e fundador do Salon.com - , intitulado “Money for Nothing: How the Failure of Corporate Boards Is Ruining American Business and Costing Us Trillions", e poderia ser uma obra cómica, caso não fosse tão trágica.
O livro começa com a história, infelizmente familiar para a grande maioria de nós, meros cidadãos do mundo, do colapso económico e corporativo originado por CEO ambiciosos, detalhando inúmeras histórias, muitas delas com contornos inacreditáveis, dos bastidores dos conselhos de administração norte-americanos, mas que não devem em muito divergir do que se passa na comunidade empresarial global.
Em termos editoriais, o livro não pode ser considerado como uma grande novidade. Desde o deflagrar da crise que têm sido vários os livros a apontar o dedo a firmas especificas e a certos executivos. Contudo, em Money for Nothing, os autores “esticam” a rede de responsáveis pela crise financeira, elegendo o colapso sistémico da democracia corporativa causado pelo fracasso de muitos dos mais importantes conselhos de administração (CA)da América.
“Os conselhos de administração deviam, supostamente, monitorizar os riscos, conferir espírito crítico e bom senso e supervisionar os gestores em nome dos accionistas”, escrevem os autores, acrescentando que os CA “no mínimo, deveriam ter agido no sentido clássico de um chefe de um engenho que avalia e regula a velocidade da máquina e que, caso seja necessário, a desligue antes que expluda”. Mas a verdade é que, apesar dos seus deveres fiduciários, são muitos os membros dos conselhos de administração que se limitam a aquecer as cadeiras onde se sentam – e às vezes nem isso – e a levantar a mão quando os líderes pedem o seu voto. Por causa de toda esta trabalheira, podem receber mais de meio milhão de dólares por ano, valor este que é multiplicado, muitas vezes, de acordo com o número de empresas onde têm assento. No fundo e em breves palavras o que os autores advogam é que é tempo de os conselhos de administração deixarem de ser os amigos dos CEO e, ao invés, adoptarem o papel de serem chefes destes.
Se existem soluções para este problema, elas não podem passar simplesmente por uma maior regulação. Uma outra acusação feita pelos autores é a de que os CA se concentram somente em evitar problemas legais em vez de contribuírem para a formulação da estratégia das empresas, identificarem os seus riscos e avaliarem a performance dos seus executivos.
(...)
Assim e num livro que oferece um retrato incriminatório do estado actual dos conselhos de administração da América empresarial, a primeira questão era inevitável: o estado de “desgraça” dos conselhos de administração sempre foi este ou estamos perante novos desenvolvimentos? De acordo com Gillespie, os CA sempre foram disfuncionais desde a sua criação há algumas centenas de anos. E, apesar de terem inovado no mobiliário das suas salas de reuniões, não fizeram grandes progressos no que respeito a cumprir os seus deveres fiduciários. E dá um exemplo: em 1938, Sydney Weinberg, o lendário responsável pela Goldman Sachs e que tinha assento simultâneo em 31 CA (os bónus não eram o que são hoje), foi chamado para uma reunião de emergência de administradores de uma dessas empresas. O CEO desta tinha sido exposto como um vigarista que tinha roubado 21 milhões de dólares do dinheiro dos accionistas e tinha desaparecido. Quando, ao longo da reunião, se fez saber que o CEO se tinha suicidado, Weinberg levantou-se e disse: “Vá lá, meus senhores, vamos despedi-lo à mesma pelos pecados que cometeu”.
Um dos argumentos expressos neste livro é que uma negligência similar por parte dos executivos de topo foi uma das maiores e mais escondidas causas da recente recessão económica e que é muito possível que venha a ocorrer novamente se o sistema em colapso de corporate governance que vigora actualmente não sofrer reformas. No livro é igualmente mencionado que os conselhos de administração têm uma atracção incompreensível por celebridades, como é o caso de O.J. Simpson, que tinha assento no CA de uma empresa de facas (o que não deixa de ser irónico). Para o autor, alguns CEO gostam de ter celebridades do desporto ou do entretenimento nos seus CA, com pouca ou nenhuma experiência, porque estes adicionam à empresa algum prestígio, não colocam perguntas difíceis e estão sempre prontos a concordar com a equipa de gestão. Os exemplos preferidos dos autores do livro, para além de O.J. Simpson, centram-se na ex-mulher de Elvis Presley, a actriz e promotora de perfumes Priscilla Presley, que pertencia ao comité de compensações da MGM e Lance Armstrong, que abandonou o CA do Morgans Hotel Group em 2008, depois de ter faltado a todas as 11 reuniões que o Conselho marcou no ano precedente.
(...)
Administradores que não administram
Servem estes (maus) exemplos para assegurar os argumentos expressos pelos dois autores em Money for nothing. Considerando os conselhos de administração como “insulares, apáticos e perigosos”, chamam ainda a atenção para o facto de, das 200 maiores economias do mundo, mais de metade destas não serem nações, mas empresas. Ou seja, o seu poder económico tem correspondência directa com os seus movimentos políticos e ambientais. Mais ainda, estes “monstros” exercem um grau mais do que significativo de poder no que respeita à saúde da economia e da segurança financeira dos cidadãos. E quando a sua capacidade de liderança falha, os fracassos repercutem-se nos mercados e na sociedade e ninguém fica a salvo.
(...)
Estes conselhos de administração, descritos pelos autores como predominantemente compostos por homens brancos, na casa dos 60 anos, tomam as suas decisões “com base no facto de que o está em jogo não é o seu dinheiro”. O livro, apesar de relatar histórias sumarentas de escândalos e maus comportamentos, não se limita a apontar culpas e a descortinar episódios de bastidores. Os autores procuram igualmente expor a existência de um sistema de controlo corporativo que se perpetua incessantemente e que ignora, vezes demais, os accionistas que nele confiam. E a verdade é que no mais recente colapso económico, os dedos foram apontados à ambição e incompetência de muitos CEO, mas deixaram de fora a negligência destes CA, que deviam ser tanto ou mais responsabilizados pelos erros destes CEO que, teoricamente, trabalham para eles.
A exactidão com que relatam casos de empresas líderes da América empresarial confere força às páginas escritas por Gillespie e Zweig. No seguimento de um conjunto significativo de entrevistas feitas com administradores - alguns ainda em exercício, outros reformados – incluindo líderes da General Motors, do Bank of America, da Microsoft, da American Airlines, do Bear Stearns, entre outros, ouviram também consultores, investidores, accionistas e membros governamentais, tal como Eliot Spitzer (ex-governador de Nova Iorque), a antiga administradora executiva do Fannie Mae, Ann Korologos e até o antigo CEO da Tyco, Dennis Kozlowski, que foi entrevistado na prisão. Não satisfeitos com a pesquisa, examinam igualmente os conflitos de interesses existentes entre consultores, contabilistas, banqueiros de investimento, advogados, entre outros que, de acordo com as suas palavras, recolhem centenas de milhares de milhões dos dólares dos accionistas, muitas das vezes para esconderem a reputação dos administradores ou escudá-los de qualquer tipo de responsabilidade.
Os bons exemplos também têm lugar no livro. Empresas e conselhos de administração com provas dadas de boa governance , de que são exemplo a Target, a Warnaco ou a reestruturação da Tyco International, figuram também nas suas páginas, demonstrando que é possível ter uma governance saudável e ética.
(...)
Segundo os autores, a paciência tem mesmo limites e sentimentos de revolta podem ser encontrados em todas as páginas deste novo livro. A par de uma excelente pesquisa antropológica, comportamental e económica sobre esta cultura de elite, demonstrando que os administradores são cada vez mais dominados pelos CEO e que ignoram os accionistas que, supostamente, deveriam representar.
O livro fecha com chave de ouro, com cerca de 24 recomendações para uma boa corporate governance.


terça-feira, 2 de março de 2010



António Ferra
Livro de Reclamações



É uma edição da Fabula Urbis, livraria e agora também editora, com esta primeira publicação.
Trata-se de um livro de poesia satírica, com certo sabor "tolentínico", onde se podem ler coisas como estas:




Gótica de corpete negro

Que bem que passa aquela gótica,
de negra cabeleira espevitada
na noite fria, um tanto asmática,
onde mora a madrugada!

Toda de negro e prata na cabeça,
redonda e larga a bota alta
num corpete negro de mistério
quando a altas horas se aperalta,

é falsa tristeza, é falso olhar,
é tudo uma questão a produzir
o lábio fino e roxo a falsear
a alegria reprimida de se rir.

De umbigo solto, fascinante,
por baixo da frágil sombra da olheira,
outros olhares atrai, só por instante,
o corpete da miúda que se esgueira.

Mas vem dos seus genes ancestrais
aquele corpo reflectido nos espelhos,
vem de longe um galante de T-shirt
que por vergonha não tomba de joelhos.

E alta noite, já quando regressada
de passear a solidão pela cidade,
remove a máscara, atira-se p’rá cama,
e por fim fica nua de verdade.



youtube

Um deputado recebeu um par de luvas
um ministro é suspeito numa empresa
uma porca até comeu um cacho de uvas
com um diabo num altar de vela acesa

são notícias a vender ao desbarato
logo a seguir visionadas no youtube
onde aparece uma burra sem sapato
à espera de um camelo que a ajude


Publicado in "Ós pedaria" , Albergue da documentação referente ao blog curricular de António Ferra e ao blog d' "o funcionamento de certas coisas".

segunda-feira, 1 de março de 2010

FREDERIC CHOPIN (1810-1849)


Chopin nasceu a 1 de Março de 1810 e morreu a 17 de Outubro de 1849 na Place Vendôme, com 39 anos de idade. Relembrar Chopin, quando se celebram 200 anos do seu nascimento, é continuar a ser deslumbrado pela sua obra como se verifica nesta peça, Polonaise N.6 Op.53, interpretada pelo grande mago do piano, Arthur Rubinstein.

Ainda o Chile


O sismo que atingiu o Chile foi 700 a 800 vezes mais forte que o do Haiti, em Janeiro, de 7,0 graus. E tem uma dimensão histórica: é dos maiores de sempre. "Por cada grau de magnitude, a energia libertada multiplica-se por 30", explicou ao DN, Luís Matias, professor do Centro de Geofísica da Universidade de Lisboa . A energia libertada terá sido de cem milhões de toneladas. A bomba nuclear que dizimou Hiroxima tinha apenas seis.
Sofrer este impacto é algo de terrível e devastador. As regiões mais afectadas estão em Estado de Excepção, decretado pela Presidente do Chile.
Iniciamos o mês de Março perante calamidades que destruiram países, cidades , aldeias e muitas famílias. A Primavera virá e tudo renascerá, mas a dor da perda marcará a nossa existência.