Meu Caro João Pedro George,
“Venho fazer-lhe um
apelo e dar-lhe uma dica que definitivamente lhe poderá dar um lugar único (e
merecido) na história da sociologia da literatura. Você tem mostrado ser um
destemido escafandrista das águas pantanosas do nosso milieu literário. Além de
destemido, é bem informado, escreve admiravelmente e é inteligente. Por isso
lhe dou uma dica de enorme magnitude e assustadora dificuldade. E muito
trabalho.
Trata-se de desvendar
um caso altamente intrigante de sucesso literário mundial, de dimensões
pantagruélicas. Embora eu seja um leitor treinado e muito dado a leitura
compulsiva, desta vez, desisto de compreender e peço-lhe que me ajude. Não,
repare, que me ajude a compreender a obra assim catapultada aos mais remotos
sítios do mundo. Essa, quanto a mim, distribui-se por quatro tabuleiros
distintos: o do provincianismo douto, o do pretensiosismo parolo, o da
infantilidade embevecida e o da imbecilidade inconsciente. Não, repito. Não me
ajude a compreender a obra, nem esse é o seu ofício. Ajude-me, simplesmente, a
compreender os mecanismos do mercado que assim catapultaram a dita obra para
destinos que nem os muito traduzidos Pessoa e Ferreira de Castro sonharam. Não
se ponha a salivar, já lhe digo de que obra se trata. De resto, Você, como
adestrado sociólogo da literatura, já percebeu a quem me refiro, porque não
pode ser outro. SIMPLESMENTE NÃO HÁ OUTRO. Desde que Portugal é Portugal, nunca
se viu coisa assim. E suponho que, nos próximos mil anos – se a vida no planeta
durar mil anos – não se verá nada como o êxito literário de que estamos a
falar. É d’arromba! É uma coisa tão desmedida, que se não percebe o carão
fechado, ressumando amargura existencial desvairada, do autor da obra : sempre
com o ar de lhe ter sido revelado um segredo sinistro por uma pitonisa que só
fala com ele! Falo, claro está, de Gonçalo Joyce Tavares, também conhecido como
Gonçalo M. Tavares e dos cinquenta e tal livros que já publicou, traduzidos em
43 línguas e 71 países. Tudo isto publicado em vinte anos por um homem com
pouco mais do que cinquenta anos. Só Balzac! Mesmo assim, convém não exagerar:
não consta nenhuma edição nas ilhas Maurícias (que se devem contentar com a
edição francesa) nem num atol desabitado do Pacífico. (Também não consta
nenhuma tradução feita nas Ilhas Desertas).
Seja como for, meu caro
sociólogo, peço-lhe que investigue a máquina promotora deste singular caso de
promoção literária. Ele é prémios, ele é traduções, ele é viagens, ele é fotos
(sempre de carão fechado), ele é autógrafos, desmaios de admiração, qualquer
dia é o Prémio Nobel. Então, a sociologia, diante disto tudo, está calada? Para
que diabo serve ela se não se deixa deslumbrar por aquele mapa a duas páginas,
que mostra, no último JL, a esmagadora geografia de Gonçalo? Gonçalo fecunda
todo o globo. Não há sítio decente e habitado que não acolha Gonçalo. Gonçalo é
mais conhecido do que a vaquinha do presépio! Meu caro João Pedro George,
medite bem nisto. Camões e Pessoa são, ao lado de Joyce Tavares, aprendizes de
escritor. Salve a honra da sociologia e mostre à pátria lusa como um filho seu
chegou a mares nunca dantes navegados! Dê à sociologia o que é da sociologia,
para que se perceba finalmente como é que o que é de Tavares é também do mundo!
Tavares é o mundo e o mundo é de Tavares. Parafraseando o embirrento Almada, eu
diria que Tavares é que é, o resto é caca!”
22.09.2022
aguardando resposta!
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