“ Entre o céu e a terra passam “
Entre o céu e a terra passam.
Quem passa? Nós?
Quem nós? Quem?
Passam terra e céu entre –
- O quê? Nós?
- O nós? O ?
11.06.61
Jorge de Sena, Visão Perpétua, INCM, p.66
«O
que há a redimir é a adequação deste milagre brutal de nos sabermos uma
evidência iluminada, de nos sentirmos este ser que é vivo, se reconhece único
no corpo que é ele, na lúcida realidade que o preenche, o identifica nas mãos
que prendem, na boca que mastiga, nos pés que firmam, de nos descobrirmos como
uma entidade plena, indispensável, porque ela é de si mesma um mundo único,
porque tudo existe através dela e é impossível que esse tudo deixe de existir,
porque ela irrompe de nós como a pura manifestação de ser, e o «ser» é a única realidade
pensável — o que há a redimir é a adequação desta fantástica evidência que nos
cega e a certeza de que ela está prometida à morte, de que o seu destino é a
impossível e absoluta certeza do não-ser, da pura ausência, da totalidade nula,
da pura irrealidade. »
Neste ano de tanta ameaça, de tanta morte inesperada é ainda mais difícil esse desafio. A emergência do perigo fez-nos ainda mais irrelevantes, mais precários, mais frágeis. O futuro nem sempre é o amanhã, embora o pensemos diferente daquilo que o projectáramos. Porém continuamos. Permanecemos . Estamos vivos e , se a vida é a negação da morte , celebremos, pois, o dia que começa.
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