Sigismund Schlomo Freud |
Comemora-se , hoje , o 160º
Aniversário de Sigismund Schlomo Freud (Freiberg in Mähren, 6 de Maio de 1856 —
Londres, 23 de Setembro de 1939). O escritor Stefan Zweig conheceu e foi amigo de Freud. Ambos
são austríacos, judeus e vítimas da ira
nazi. Tiveram de fugir da pátria .
No livro de memórias,“ O mundo de
ontem, recordações de um europeu”, Stefan Zweig fala-nos da grandeza de
Sigismund Freud.
" Foi em Viena que travei conhecimento com Freud, espírito grande e austero que, como nenhum outro do nosso tempo, aprofundou e alargou o conhecimento da alma humana, numa época em que Viena o hostilizava, por ainda ver nele um indivíduo esquisito, obstinado , difícil. Fanático da verdade mas, ao mesmo tempo, plenamente consciente dos limites da mesma - disse-me certa vez: " Há tão pouca verdade a cem por cento, como álcool a cem graus!" -, tinha-se afastado da universidade e das ponderações académicas, pois ousara aventurar-se firmemente por zonas nunca dantes exploradas, e medrosamente evitadas, do mundo e do submundo das pulsões, ou seja , precisamente daquela esfera que a época tinha declarado solenemente "tabu". Inconscientemente, o mundo optimista e liberal sentia que aquele espírito que não aceitava compromissos minava inexoravelmente, com a sua psicologia das profundezas, a tese do crescente domínio exercido pala "razão" e pelo " progresso" sobre as pulsões, e que, devido à impiedosa técnica do desvelar, constituía um perigo para o método praticado por esse mesmo mundo, que consistia em ignorar o que era incómodo. Mas não foi só a universidade, não foi só a claque dos neurologistas antiquados a defender-se em bloco contra este incómodo "intruso" - foi o mundo inteiro , todo o velho mundo, a velha maneira de pensar, a " convenção" moral, foi toda uma época que receava o seu espírito revelador. A pouco e pouco, instituiu-se um boicote médico a Freud, que perdeu o consultório e como, do ponto de vista científico, nem as suas teses, nem mesmo as suas problematizações mais ousadas podiam ser refutadas , procurou-se dar cabo das suas teorias sobre o sonho à boa maneira vienense : tratando-as ironicamente ou transformando-as num divertido e banal jogo de salão. Só um pequeno grupo de fiéis se reunia em torno daquele homem solitário nos serões semanais de debate, onde a nova ciência da psicanálise adquiriu os seus primeiros contornos. Ainda antes de eu próprio ter tomado consciência de toda a amplitude da revolução de pensamento que ia sendo preparada lentamente a partir dos primeiros trabalhos fundamentais de Freud, já tinha sido conquistado pela atitude forte e moralmente inabalável daquele indivíduo. Ali estava finalmente um homem de ciência, que qualquer jovem podia sonhar como modelo a seguir , cauteloso em cada afirmação, enquanto não tivesse obtido uma última comprovação e uma certeza absoluta, mas, a partir do momento em a hipótese se tivesse transformado em certeza definitiva, irredutível no confronto com a oposição que lhe fosse feita pelo mundo inteiro; um homem modesto como nenhum outro no que se refere à sua pessoa , porém decidido a lutar por cada postulado da sua doutrina e fiel até à morte à verdade imanente por ele defendida em cada descoberta. Não é possível imaginar homem intelectualmente mais destemido. Freud ousava dizer sempre o que pensava, mesmo quando sabia que as suas afirmações claras e implacáveis eram inquietantes e perturbadoras; nunca tentava aligeirar a sua posição de força através da mais pequena cedência - ainda que num plano meramente formal. Tenho a certeza de que Freud poderia ter exposto quatro quintos das suas teorias sem encontrar oposição por parte dos académicos, se se tivesse declarado disposto a velá-las prudentemente, dizendo " erotismo" em vez de sexualidade , " eros" em vez de "líbido", se não tivesse estabelecido sempre, inexoravelmente, as últimas consequências , em vez de se limitar a insinuá-las. Porém, no que dizia respeito aos seus ensinamentos e à verdade, mantinha-se intransigente; quanto mais forte a oposição, mais dura a sua determinação . Sempre que procuro um símbolo para a ideia de coragem moral - o único heroísmo à face da Terra que não exige vítimas alheias - vejo sempre o belo semblante de Freud, na sua claridade viril, com os seus olhos escuros, fitando a direito e serenamente." Stefan Zweig, in “ O mundo de ontem, recordações de um europeu”, Ed. Assírio & Alvim, pp 489,490
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