Ah, se não fosse a realidade!
DE SÃO PAULO
Por Ferreira Gullar
“Estava
assistindo a um programa de televisão onde eram entrevistados alguns artistas
de teatro e cinema. Um deles, que foi entrevistado isoladamente, e que não era
brasileiro, demonstrou sua profunda decepção com o momento actual e
especialmente com sua geração, desinteressada da revolução.
Por isso
mesmo, sentia-se isolado, uma vez que, no seu entender, a sociedade actual é
inaceitável e teria que ser varrida do mapa. Não deixou claro que outra
sociedade seria posta no lugar desta, mas certamente nada teria a ver com o
capitalismo.
Em seguida,
falou uma jovem actriz que, embora não tão radical quanto o anterior, também
lamentou o facto de que a sua geração, ao contrário da de seus pais, não sonha
com a revolução, nem pensa nisso.
O
entrevistado seguinte, um pouco mais velho, também lamentou a falta de espírito
transformador que impera hoje, quando as pessoas só pensam em seus próprios
interesses, indiferentes aos problemas que tornam nossa sociedade inaceitável.
Enquanto os
ouvia, me veio à lembrança uma conversa que tive, faz já algum tempo, com uma
jovem universitária. Tinha ido à UFRJ fazer uma palestra e ela ficara de me
trazer de volta para casa.
Deu-me o
exemplar de um jornal do PC do B e perguntou o que eu achava das ideias desse
partido. Respondi que não estava muito actualizado com o que aquele partido
pregava mais recentemente mas, no passado, opunha-me a seu radicalismo
exagerado. Ela não gostou de ouvir isso e defendeu o radicalismo como a única
maneira de levar à mudança da sociedade capitalista.
Sem pretender
travar polémica com a moça, mas puxado por ela a discutir o assunto,
argumentei. Com cuidado, perguntei-lhe se não lhe parecia bastante difícil
fazer uma revolução comunista, hoje, depois de tudo o que aconteceu no mundo.
Veja bem
--disse eu-- o sistema socialista, liderado pela URSS, chegou a ser a segunda
potência militar e económica do mundo e ainda assim, fracassou. Acha você que,
agora, quando já quase nada existe daquele poder, é que vocês aqui no Brasil
vão fazer a revolução e recomeçar tudo de novo? --perguntei-lhe.
-- E por que
não?, disse ela. A URSS seguiu o caminho errado. Lembrei-lhe que a China, que
tinha divergência com os soviéticos, também mudou e tornou-se agora um país
capitalista. A resposta dela foi que a China nunca tinha sido de fato
comunista. -- E Cuba? Cuba é que está certa? Mas a coisa por lá não anda muito
bem. -- Aquilo ali não é socialismo, respondeu ela.
Fiquei
olhando-a, sem entender. Então tudo o que aconteceu, desde a revolução de 1917,
estava errado, nada daquilo era o verdadeiro socialismo? Sim, era isto o que
ela afirmava ali, dentro daquele carro.
O verdadeiro
socialismo era o do PC do B, embora seja ele hoje um partido sem maior
expressão na vida política brasileira e tudo o que conseguiu foi ocupar o
Ministério dos Esportes nos governos do PT. E logo o Ministério dos Esportes!
Se há uma coisa que sempre esteve fora da preocupação do PC do B foram exactamente os esportes, que certamente viam como pura alienação...
Ao comentar
essa conversa com o professor que me convidara a fazer a tal palestra, ouvi
dele que, dos 30 alunos que compunham aquela turma, quase todos, senão todos,
se diziam comunistas.
Admito que
fiquei realmente surpreso. Que pessoas de minha geração, por terem militado na
esquerda, ainda se mantenham fiéis àquelas convicções ideológicas, dá para
entender. Mas jovens, que nasceram após o fim do sistema socialista, insistirem
num sonho revolucionário que há muito já se dissipou, é, no mínimo,
surpreendente.
Mas tampouco
dá para entender a tese daquela mocinha para a qual tudo o que houve e ainda
resta com o nome de comunismo não deu certo porque não era o verdadeiro
comunismo. Ou seja, se fosse, teria dado certo. Pensando assim, ela se sente à
vontade para acreditar em algo que não precisa acontecer para existir. A
conclusão é que esse pessoal não dá muita bola para a realidade.
Agora mesmo,
apareceu na internet um documento, supostamente assinado pelo PC do B, PT e
outras entidades, solidarizando-se com a Coreia do Norte, que estaria sendo
ameaçada pelos belicistas norte-americanos. Pode?” Ferreira Gullar em Artigo de
Opinião publicado na Folha de S. Paulo,
em 20/04/2013
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