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Immanuel Kant |
Immanuel Kant: O Homem e Deus
por Anselmo
Borges
“Neste
tempo dominado por maquinarias de estupidificação, quando o que mais falta é,
por isso mesmo, pensar criticamente, não podia deixar passar o terceiro
centenário do seu nascimento sem uma brevíssima referência. Refiro-me a
Immanuel Kant, que nasceu no dia 22 de Abril de 1724 em Königsberg, antiga
Prússia, actualmente Kaliningrado, um enclave russo entre a Polónia e a
Lituânia, e que morreu nessa mesma cidade no dia 12 de Fevereiro de 1804. É lá,
na catedral de Kaliningrado, que se encontra uma lápide com a sua frase
célebre: “Duas coisas enchem a mente de uma admiração e um respeito sempre
novos e crescentes quanto mais frequentemente e com maior persistência delas se
ocupa a reflexão: o céu estrelado sobre mim e a lei moral em mim”.
Kant,
um dos maiores filósofos de sempre, deixou um legado essencial: uma atitude de
pensamento crítico que vá ao essencial. “Sapere aude!” Ousa saber, ousa pensar,
atreve-te a saber, atreve-te a pensar! “Que é Iluminismo? O Iluminismo é a
libertação do ser humano da sua incapacidade culpada. A incapacidade significa
a impossibilidade de servir-se da sua inteligência sem a guia de outro. Esta
incapacidade é culpada porque a sua causa não reside na falta de inteligência
mas na falta de decisão e coragem para servir-se por si mesmo dela sem a tutela
de outro. Sapere aude! Tem a coragem de servir-te da tua própria razão!”
Em
síntese, a obra de Kant vai ao encontro destas três perguntas essenciais: “Que
posso saber?”, “Que devo fazer?”, “O que é que me é permitido esperar?”
Na
sequência do sua “revolução copernicana” quanto ao conhecimento, concluiu que,
escapando à experiência, Deus e a imortalidade não podem ser conhecidos. Não
são demonstráveis.
Como
agir bem, moralmente? Há para isso um critério seguro? Este critério não está
em seguir os desejos ou inclinações pessoais, os hábitos de acção dos grupos ou
países. Esse critério também não se encontra na busca da felicidade. Para Kant,
esse critério consiste num “imperativo categórico”. Em que consiste? Se
queremos saber se uma acção é moral, deve-se sujeitar a máxima ou regra pela
qual nos guiamos a um teste de universalização. Assim, numa das suas
formulações: “Age como se a máxima da tua acção devesse ser erigida pela tua
vontade em lei universal de natureza”. Quando agimos, se queremos saber se
estamos a agir moralmente, perguntemos: o que aconteceria se todos aplicassem a
regra ou máxima. Um exemplo: a mentira. É moral mentir? Para sabê-lo, perguntemos:
é universalizável? O que sucederia se todos mentissem? É evidente que a própria
mentira se tornaria absurda, pois mentir só vale, isto é, só tem eficácia, no
pressuposto de que as pessoas confiam no que alguém lhes diz. Portanto, mentir
é imoral. Outro exemplo, este pela positiva: aliviar o sofrimento dos
desgraçados. Neste caso, os sofrimentos próprios da condição humana
encontrariam sempre um alívio. Aí está, pois, uma acção moral. Kant segue,
portanto, na sua apreciação moral, um critério racional em autonomia. Mas, uma
vez que nem sempre é fácil este critério da universalização, Kant propõe outra
formulação do mesmo imperativo categórico: “Age de tal modo que trates a
humanidade tanto na tua pessoa como na pessoa de todos os outros sempre como um
fim, nunca como um simples meio”. Cá está, pois: as coisas têm um preço, porque
são meios, o Homem não tem preço, mas dignidade, porque é fim.
Do
dever moral enquanto imperativo categórico, seguem-se os chamados postulados da
razão prática.
Em
primeiro lugar, a liberdade. Diz Kant: “Podes, porque deves”. Se deves, podes;
é pela lei moral que sabemos que somos livres; agir moralmente é afirmar a
liberdade, que não é arbítrio, e, por isso, educar tem de ser educar para a
liberdade. Neste sentido, há um célebre exercício mental na sua Crítica
da razão prática, que obriga a pensar. Suponhamos que alguém, sob pena de
morte imediata, se vê confrontado com a ordem de levantar um falso testemunho
contra uma pessoa que sabe ser inocente. Nessas circunstâncias e por muito
grande que seja o seu amor à vida, pensará que é possível resistir. “Talvez não
se atreva a assegurar que assim faria, no caso de isso realmente acontecer; mas
não terá outro remédio senão aceitar sem hesitações que tem essa
possibilidade.” Existem as duas possibilidades: resistir ou não. “Julga, portanto,
que é capaz de fazer algo, pois é consciente de que deve moralmente fazê-lo e,
desse modo, descobre em si a liberdade que, sem a lei moral, lhe teria passado
despercebida.”
A
esperança da felicidade, imortalidade e Deus. Não é critério da moralidade a
busca da felicidade. Mas quem cumpre o seu dever moral incondicional torna-se
digno de ser feliz. Este merecer ser feliz mostra-se no exemplo acabado de
apresentar. Suponhamos que a pessoa preferiu de facto ser morta a levantar um
falso testemunho contra o inocente. Casos destes acontecem, há muitos exemplos
históricos. Ora, a ligação entre o dever cumprido e a felicidade não se dá
neste mundo, pelo contrário, o cumprimento do dever implicou dar a vida. Por
isso, postula-se a imortalidade e exige-se moralmente que Deus exista.
Embora
nunca tenha saído da sua cidade natal, tinha ideias cosmopolitas e é dele a
expressão Völkerbund (Liga de Povos) como organização
internacional em ordem à paz mundial, concretizada no século XX na Sociedade
das Nações e na ONU.”
António
Borges, em artigo de opinião, publicado no DN em 29 de Junho de 2024